Joaquim Pereira, de 84 anos, residente em São Martinho de Recesinhos, no concelho de Penafiel, é um autêntico mestre na arte de fazer quadras. Na freguesia é conhecido pela sua alegria e boa disposição e o entusiasmo que coloca em cada quadra que debita.

Quem o interpela, não fica indiferente à sua mestria e à sua espontaneidade de criar e fazer rimas que as adequa ao contexto e à conversa que está a ter com o seu interlocutor.

Ao Verdadeiro Olhar, Joaquim Pereira, que tem apenas a terceira classe, confessou que a inspiração para fazer rimas lhe advém de uma força superior, que acredita ser Deus.

“Já perdi a conta às quadras que tenho e dedico a quem me interpela. As coisas saem-me de uma forma natural”

“Acho que este é um dom que me advém da inspiração divina. Desde muito novo comecei a fazer rimas e apesar de ter apenas a terceira classe sempre gostei de fazer quadras. Era uma forma de dizer o que sentia, de falar sobre os problemas da vida e de interagir com as pessoas”, disse o natural do Marco de Canaveses, assumindo ter um paixão por tudo o que são quadras populares e uma necessidade de estar constantemente de fazer novos poemas.

Sobre a inspiração que o motiva para o jogo das rimas, Joaquim Pereira confessou que o gosto pela arte das quadras fá-lo querer fazer novas quadras e de as partilhar com quem aprecia a sua mestria.

“Já perdi a conta às quadras que tenho e dedico a quem me interpela. As coisas saem-me de uma forma natural. Elas surgem no momento. Faço-as de memória. Às vezes saem com mais facilidade outras com menos facilidade”, sustentou.

Joaquim Pereira assumiu que já o seu pai, que era lavrador, era um exímio tocador viola e cavaquinho, sendo, também, conhecido na freguesia pelos seus dotes para ensinar a tocar estes instrumentos.

“Tentei aprender com ele, mas não conseguia afinar uma viola porque quando era mais pequeno rebentaram-se-me os ouvidos. Cheguei a tocar e a cantar cantigas, mas não tinha o dom do meu pai para os instrumentos”, afirmou.

As suas quadras versam sobre a vida, coisas da família, da freguesia, das suas memórias, dos valores e da forma como interpreta os tempos actuais, os encontros e desencontros.

“As minhas rimas falam de tudo. São inofensivas, não tratam mal ninguém. Sou um homem homem simples, humilde que sempre viveu do trabalho”

“As minhas rimas falam de tudo. São inofensivas, não tratam mal ninguém. Sou um homem homem simples, humilde que sempre viveu do trabalho, que lutou com dificuldades e é natural que falem de mim, das minhas dificuldades na vida, mas, também daquilo que me rodeia, isto é, das famílias que conheço, das dificuldades que sentiam para sobreviver e criar os filhos”, manifestou, recordando que sempre viveu do trabalho e o dinheiro na sua mão sempre foi escasso.

“Já em pequeno tinha de trabalhar arduamente para ajudar os meus pais. Carregava carros de mato e fazia outras coisas e por isso o tempo para ir à escola aprender, também, não era muito. Mesmo depois de casar as dificuldades continuaram, sempre tive que lutar para me governar e para sustentar os meus filhos. Eram outros tempos”, acrescentou.

Mas as quadras de Joaquim Pereira abordam, também, temas sociais, têm implícita a ironia e às vezes tocam até nos valores morais.

Sobre a arte e o jogo das quadras, o octogenário esclareceu que estar permanentemente a rimar é, também, uma forma de exercitar a mente, manter-se em contacto com as pessoas e manter vivas algumas histórias e recordações.

“Faço quadras porque me sinto bem e ajudam-me a manter a boa disposição”, sublinhou.

Sobre António Aleixo, um verdadeiro mestre na arte de fazer quadras, natural de Vila Real de Santo António, Joaquim Pereira desabafou que apesar de já ter ouvido falar na obra do poeta Algarvio, nunca se inspirou na sua rima nem nunca leu nada dele.

“Conheço o António Aleixo, sei que foi um mestre da rima portuguesa, mas nunca me inspirei nele para fazer quadras. Tudo o que digo foi Deus que me ensinou. Nunca tive outro professor como ele. Foi ele que me deu este dom”, adiantou, declarando que apesar do pouco tempo que esteve na escola, era dos melhores da sua turma, distinguindo-se já pelos conhecimentos que tinha da História de Portugal.

“Já fui desafiado para lançar um livro, passar para o papel as muitas quadras que tenho guardados na minha memória, mas é preciso muito dinheiro”

Ao Verdadeiro Olhar, o octogenário confessou que o seu maior sonho era passar para livro o manancial de quadras que traz consigo guardadas.

“Já fui desafiado para lançar um livro, passar para o papel as muitas quadras que tenho guardados na minha memória, mas é preciso muito dinheiro. Como não tenho essa quantia, porque o dinheiro na minha mão foi sempre escasso, vou fazendo quadras e partilhando-as com quem me cruzo e me interpela, matando o tempo e sendo feliz”, acrescentou.