Rudolf Höss

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O recente filme de Jonathan Glazer, estreado em Janeiro de 2024, que não vi, foi a ocasião de um amigo me falar da história do personagem central, um monstro chamado Rudolf Höss. Não confundir com o conhecido Rudolf Hess, braço direito de Hitler.

Rudolf Höss nasceu numa família católica alemã, mas cedo se tornou ateu. Na primeira Guerra Mundial começou por trabalhar num hospital militar; depois, com 14 anos, alistou-se no exército alemão; aos 15 anos combateu no Iraque, na Palestina, chegou a comandante de cavalaria, foi ferido várias vezes, recebeu altas condecorações. Nesse período, não longe dali, ocorreram o genocídio arménio e o genocídio assírio. Quando a Guerra acabou, Höss voltou à Alemanha para fazer o ensino secundário. Juntou-se ao partido nazi, foi parar à prisão por desacatos com homicídio, voltou à liberdade graças a uma amnistia.

Com a tomada de poder pelo partido nazi começou uma carreira abominável. É difícil seleccionar exemplos. Responsável pelo campo de concentração de Sachsenhausen, mandou que todos os prisioneiros que não estavam a trabalhar formassem ao ar livre, mal vestidos, num dia de Inverno, com 26 graus negativos. Quando alguém tentou levar alguns indivíduos congelados para a enfermaria, mandou fechar as portas. 78 prisioneiros morreram durante o dia e mais 67 à noite.

O cargo mais conhecido de Rudolf Höss foi o de Director do campo de concentração e de extermínio de Auschwitz. Todos os dias chegavam vários comboios com milhares de prisioneiros cada um, para serem mortos. A operação de matar foi-se aperfeiçoando e, segundo o próprio Rudolf Höss, o processo era bastante eficiente, a limitação estava na capacidade das gigantescas fornalhas que queimavam os corpos. Num primeiro cálculo, Höss afirmou que em Auschwitz mataram 2,5 milhões de pessoas e outro meio milhão morreu de fome e doença; mais tarde, pensando na capacidade das câmaras de gás, achou que 1 a 2 milhões seria mais realista que 2,5 milhões. A própria ligeireza destas apreciações é chocante.

O relatório do psicólogo que examinou Höss na altura do julgamento expressa a que ponto chegou a depravação: «Höss é perfeitamente objectivo e neutro, (…) tem demasiada apatia para se pensar que tenha algum remorso e até a hipótese de vir a ser enforcado não parece incomodá-lo. Fica-se com a impressão de um homem intelectualmente normal, mas com a apatia esquizóide, a insensibilidade e falta de empatia que dificilmente se encontrariam num caso de psicose propriamente dita».

O elemento que mudou uma personalidade tão horrorosa foi a bondade com que os carcereiros polacos o trataram. Höss esperava vingança e, afinal… Numa mensagem ao advogado de acusação escreveu:

«A consciência obriga-me a esta declaração. Na solidão da minha cela, acabei por reconhecer amargamente que pequei gravissimamente contra a humanidade. (…) Fui responsável por parte dos planos cruéis de destruição humana. Infligi feridas terríveis à humanidade. Causei um sofrimento indescritível sobretudo ao povo polaco. (…) Que Deus me perdoe o que eu fiz. Peço desculpa ao povo polaco. Nas prisões polacas experimentei pela primeira vez o que é a bondade humana. Apesar de tudo o que aconteceu, trataram-me com uma simpatia que eu nunca poderia esperar, o que me envergonha profundamente. Que a actual divulgação destes horríveis crimes contra a humanidade faça com que seja impossível estes actos cruéis repetirem-se algum vez».

Poucos dias antes do enforcamento, Höss converteu-se. O padre Władysław Lohn confessou-o e no dia seguinte foi dar-lhe a Comunhão.

Em carta de despedida à mulher, Höss escreveu:

«(…) Vejo hoje claramente, de forma muito dura e amarga para mim, que toda a ideologia em que eu acreditava tão firme e inabalavelmente se baseava em premissas completamente erradas e tinha de se desmoronar absolutamente um dia. (… ) As minhas acções ao serviço desta ideologia estavam completamente erradas, (…) o meu afastamento de Deus baseava-se em premissas completamente erradas. Foi uma luta difícil. Mas voltei a encontrar a fé no meu Deus».

Despediu-se de um dos filhos, escrevendo:

«Mantém o teu coração bom. Deixa-te guiar principalmente pela ternura e por sentimentos humanos. Aprende a pensar e a julgar por ti próprio, de forma responsável. (…) O maior erro da minha vida foi acreditar caninamente em tudo o que vinha de cima, sem ousar a menor dúvida. (…) Em tudo o que fizeres, não te guies apenas pela inteligência, escuta sobretudo a voz que fala no coração».

Neste mundo, ferido novamente por guerras dolorosas e insensatas, fez-me bem conhecer este exemplo de como os gestos de bondade realizam curas maravilhosas.

Rudolf Höss, na fila da frente do lado direito, numa visita de Heinrich Himmler ao campo de extermínio de Auschwitz em 1942.

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