Glória Araújo foi deputada à Assembleia da República durante três mandatos. Foram dez anos em que, garante, defendeu os interesses do Vale do Sousa e contribuiu para que a região aumentasse os seus níveis de desenvolvimento. Por isso, numa entrevista ao VERDADEIRO OLHAR, responsabiliza os actuais dirigentes partidários locais, distritais e nacionais pela ausência de um parlamentar oriundo do Vale do Sousa.

Também assegura que manterá a actividade política e não coloca de parte a candidatura à Comissão Política Concelhia do Partido Socialista (PS) de Paços de Ferreira. Até porque não poupa nas críticas ao actual presidente Paulo Sérgio Barbosa, que acusa de não ter sabido capitalizar a vitória autárquica de 2013.

Amiga de José Sócrates, Glória Araújo defende ainda que o ex-primeiro-ministro foi “a melhor coisa que aconteceu ao Vale do Sousa”.

 

Depois de dez anos no Parlamento deixou de ser deputada. Porquê?

Há sempre um fio condutor na carreira política das pessoas, mas também há ciclos e eu passei  por esse ciclo de ter sido deputada dez anos. Foram três mandatos e acho honestamente que, do ponto de vista pessoal, cheguei ao fim de um ciclo, até porque a 4 de Janeiro farei 40 anos, que é sempre uma altura de balanço para qualquer pessoa.

Também julgo que a minha vida pessoal se alterou. Tenho duas bebés de 20 meses em casa e não posso esconder que foi altamente conveniente poder prescindir de passar a semana em Lisboa.

Ficar de fora da última lista de candidatos a deputado foi, então, uma opção pessoal?

Nunca foi uma opção pessoal integrar ou deixar de integrar as listas. Gosto de contar sempre isto: decidi ser do PS com 13 anos após a leitura de um livro do Mário Soares. Logo aos 16 anos, que era a idade mínima exigida, militei-me na JS e, também mal pude, aos 18 anos, militei-me no PS. Portanto, já lá vão mais de 20 anos de militância no partido e a minha postura foi sempre de total disponibilidade para aquilo que me fosse solicitado. Eu nunca pedi para pertencer a nenhuma lista, nunca fiz nenhuma diligência nesse sentido, mas também nunca neguei quando me foi solicitado que o fizesse.

É evidente que eu não contava que o Vale do Sousa ficasse sem representante na Assembleia da República e se me tivessem dito que se eu não integrasse a lista ninguém me substituiria, isso criar-me-ia um problema de consciência. Seria difícil para mim negar o convite sabendo que o Vale do Sousa perderia um representante no Parlamento. Acho muito importante que o tenha.

E porque não há nenhum deputado da região?

É público que a Federação do Porto não teve a capacidade de aprovar uma lista. Foi a primeira vez na história do partido que isso aconteceu. Foi um mau momento e percebo que não tendo a Federação do Porto a capacidade de aprovar uma lista de nomes para serem candidatos a deputados essa incumbência tenha sido exclusivamente do secretário geral, que tinha e tem apoiantes no distrito do Porto que, com certeza, lhe sugeriram nomes. Foi uma falta muito grave por parte desses apoiantes não terem indicado ao secretário geral nenhum nome desta região. É injusto para a região e é injusto para a própria Federação do Porto.

A ausência de deputados do Vale do Sousa é culpa dos dirigentes locais ou é incompetência do presidente da Federação?

A incompetência do presidente da Federação resumiu-se a não ter conseguido aprovar uma lista que ele tinha proposto e que incluia bons nomes do Vale do Sousa. Desde logo, o André Ferreira e o actual presidente da Concelhia de Penafiel [Fernando Malheiro], que são pessoas com dimensão política.

Então de quem foi a culpa?

Eu julgo que temos de atribuir a culpa à direcção nacional do partido, que se esqueceu de uma região que representa uma larga percentagem de economia do distrito, que tem graves problemas sociais e continua a ser uma das subregiões mais pobres da Europa. Se há região que precisa e merece ter representantes no Parlamento é o Vale do Sousa.

O que perde o Vale do Sousa por não estar representado na Assembleia da República?

Acho que a região perde, sobretudo, representatividade política. Há várias questões que estão agora a ser tratadas relativamente a fundos comunitários e espera-se que o actual primeiro ministro faça alterações no sentido de favorecer positivamente aquilo que foi a distribuição dos fundos comunitários para esta região. Esses fundos foram manifestamente escassos e este é o pior de todos os quadros comunitários para a nossa região e, portanto, era necessário que o trabalho que foi feito por mim e por outros deputados de vários partidos, de acompanhar e de chamar atenção para os problemas desta região, de dar visibilidade política, de constantemente trazer a debate os problemas da região continuasse.

Conseguiu dar visibilidade política ao Vale do Sousa?

A minha última iniciativa enquanto deputada foi precisamente a de apresentar o projecto de resolução para que o Vale do Sousa fosse descriminado positivamente na distribuição dos fundos comunitários. O deputado Mário Magalhães, do PSD, apresentou outro projecto de resolução no mesmo sentido e julgo que a região só lucrou por uma das últimas temáticas a ser debatida em plenário ter sido precisamente o Vale do Sousa, os seus problemas sociais, a emigração, a escolaridade, a formação, as próprias prestações sociais das quais muita gente é dependente e que foram diminuidas pelo anterior Governo. Foi importante, e continuaria a ser importante, que esses assuntos fossem trazidos a debate no plenário da Assembleia da República, que é o sítio ideal para discutir isso.

Em dez anos, o que mais ganhou a região em ter Glória Araújo no Parlamento?

Sempre que alguém se fecha em si próprio e imagina que é ele e não o colectivo a peça fundamental inicia o primeiro passo para o caminho da tragédia. E isso, infelizmente, tem acontecido em alguns momentos no PS e na política local. Por ter tido muitos e bons representantes, a região conseguiu captar investimento como o IKEA, diversos equipamentos, as auto-estradas… a A42 era uma reivindicação de a décadas.

Outras coisas ficaram por fazer, como a reabilitação da estrada para Entre-os-Rios, o IC35, mas foi feita a electrificação da linha do Douro. Acompanhei muito de perto aquilo que foram os programas PARES e muitas IPSS da região criaram creches, lares de terceira idade, equipamentos que eram fundamentais e que eram muito escassos.

Também ninguém tenha dúvidas que o programa Novas Oportunidades não foi uma nova oportunidade, mas foi a primeira oportunidade para muitas mulheres que nunca tinham estudado, pessoas de avançada idade que aprenderam a ler e a escrever.

O complemento solidário para idosos também fez toda a diferença na região.

“José Socrates foi a melhor coisa que aconteceu ao Vale do Sousa”

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A boa relação que mantém com o ex-primeiro-minstro beneficiou o Vale do Sousa?

Não tenho a menor dúvida que o José Socrates foi a melhor coisa que aconteceu ao Vale do Sousa. Aliás, se dúvidas houvesse da isenção desta análise, basta ver que os melhores elogios à sua governação sempre vieram de autarcas do PSD e eu nunca me esquecerei que Paços de Ferreira tem, por exemplo, uma Avenida Manuel Pinho. Sócrates é, até hoje, o melhor primeiro-ministro que conheci e o único que conquistou a maioria absoluta para o PS. Mas não tenha a menor dúvida que a política não se faz com amizades, faz-se também com muito trabalho e houve muito trabalho feito junto dos ministérios e de várias instituições do Estado.

O que está a acontecer a José Socrates tem contornos políticos ou é uma questão que se cinge, exclusivamente, à esfera judicial?

Inevitavelmente, tem contornos políticos. E julgo que é preocupante, porque aquilo que lhe aconteceu pode acontecer a qualquer cidadão. A justiça tem que ter um método de funcionamento mas, e principalmente no caso de pessoa públicas, tem que ser compreensível o que se passa e porque se está a passar dessa maneira. Não me parece que seja aceitável que se passe tanto tempo sem haver uma acusação formada a um cidadão que, ainda por cima, esteve preso durante quase um ano. Isso é algo inconcebível e sem paralelo na justiça portuguesa. Estamos todos ansiosos para perceber qual é a justificação para isso acontecer.

O que pensa que vai acontecer?

Que José Socrates ser completamente ilibado de qualquer suspeita, de qualquer comportamento menos próprio no desempenho das suas funções. Tenho tanto direito de ter fé disso, como quem o acusa de ter fé no contrário.

Acompanhou de perto o período em que José Sócrates esteve preso. Como é que ele enfrentou esse momento? 

Eu não tenho a menor dúvida que deve ter sofrido imenso. É um ser humano. Mas não me compete a mim fazer considerações de natureza pessoal sobre a situação que ele passou. Agora, também não tenho a menor dúvida que José Sócrates é uma pessoa com uma extraordinária força interior e, em todos os momentos, sempre o vi com muita vontade, nunca teve a menor hesitação, nunca teve a menor falta de vontade em demonstrar a injustiça que lhe estava a ser feita e em lutar com todas as suas forças para que a verdade, não a sua verdade, mas a verdade fosse reconhecida. Creio que no final é isso que irá acontecer: não será a sua verdade, mas a verdade, que será reconhecida por todos.

Já esteve com José Sócrates depois de ele sair da cadeia? 

Já.

E como é que ele está? 

Está bem, está bem.

Acredita que José Sócrates ainda pode ter futuro na política portuguesa? 

Não há motivo nenhum para que assim não o seja, se tudo acontecer da forma que eu acredito que vai acontecer.

“Acordo com o PCP e o Bloco de Esquerda não é a situação ideal”

Como é que viu o processo de sucessão de António José Seguro? António Costa teve a atitude certa, no momento certo? 

Eu fui apoiante de António Costa com toda a convicção. Achava que ele era o melhor candidato e que devia ser ele a disputar o cargo de primeiro-ministro com Passos Coelho. Mas se me perguntar se preferia que ele se tivesse candidatado um ano antes do momento que o fez, claro que preferia. Eu e outros camaradas.

Também é uma defensora de que a maioria parlamentar lhe deu legitimidade para formar Governo? 

Do ponto de vista estritamente legal, não há dúvidas nenhumas sobre isso. Tanto é que foi essa a interpretação do Presidente da República. Agora, esta não é a situação ideal. Eu preferia aquilo que muitos camaradas meus também prefeririam, que o PS tivesse ganhado as eleições.

A oposição diz que este é um Governo ferido de morte e que está refém do Bloco de Esquerda e do PCP. Também acredita nesta tese? 

Todas as teses são legítimas e a realidade é que o PS não depende de si próprio para que o Governo tenha sucesso. Considero que esta não é a situação ideal e não vale a pena fingir que o melhor que nos poderia ter acontecido na vida era termos esta oportunidade histórica de fazer um acordo com o PCP e o Bloco de Esquerda. Não, não é o melhor que nos podia ter acontecido, o melhor que podia ter acontecido era ter ganhado as eleições.

“Paulo Sérgio Barbosa ainda vai a tempo de evitar de me surpreender pela negativa”

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Diz-se que defendeu outro candidato à Câmara de Paços de Ferreira que não Humberto Brito. Hoje, está arrependida dessa posição? 

Essa é uma acusação injusta e o próprio pode desmenti-lo a qualquer momento. Eu fui das pessoas que apoiou, contra a vontade de muitos camaradas do partido, a candidatura de Humberto Brito. E não foi há dois anos, foi há seis quando ele se candidatou pela primeira vez. Nunca lhe faltou apoio da minha parte e sempre estive disponível para resolver os problemas que havia para resolver, para contribuir de todas as formas que foram necessárias para a candidatura dele ter sucesso. Aliás, um dos momentos altos da primeira candidatura do Humberto Brito foi um almoço com o próprio José Sócrates. Estive presente em todos os momentos, fui sempre defensora dessa solução.

E hoje continua a acreditar que essa foi a melhor opção?

O Humberto Brito conseguiu surpreender até mesmo os que acreditavam nele. Revelou ser um político de grande dimensão, é alguém que tem cumprido as promessas que fez em campanha e, sobretudo, tem conseguido criar na sua acção diária uma empatia muito grande com a população.

Humberto Brito é um grande político, com um grande futuro que, com certeza, não se limitará a Paços de Ferreira.

Mas ainda será o candidato do PS nas eleições autárquicas de 2017?

Com certeza que sim e seria uma estratégia suicida pensar noutras opções. Agora, acho é que, para além daquilo que é acção autárquica, o PS em Paços de Ferreira tem perdido ao longo dos últimos anos.

Não é contraditório que assim seja?

É contraditório e é inexplicável. O PS tinha obrigação de através daquilo que é a acção política de Humberto Brito engrandecer-se e impor-se na sociedade pacense, granjeando cada vez mais apoios e identificação com a população. Mas o resultado das últimas legislativas demonstra que nada disso aconteceu. O PS não soube capitalizar aquilo que foi a grande vitória de Humberto Brito e o sucesso diário que é a sua acção como presidente de Câmara. E, portanto, há muito a fazer na estrutura local do PS, que não se pode resumir à vida autárquica. O PS de Paços de Ferreira sempre existiu noutros planos.

A culpa do PS não ter capitalizado esta vitória autárquica é da actual estrutura e do seu presidente Paulo Sérgio Barbosa?

Sim, não pode ser de outra pessoa. O actual presidente da Concelhia não conseguiu pelo menos manter aquilo que sempre foi a projecção do PS local a nível distrital e a nível nacional. É certo que eu continuo a ser dirigente nacional do partido, mas isso é muito pouco para uma estrutura como a do PS de Paços de Ferreira, que sempre teve vários representantes a nível distrital, nacional e que sempre teve uma grande influência dentro do partido. Não conseguir capitalizar uma grande vitória como a de Humberto Brito e fechar-se em torno de si próprio é algo que não é aceitável.

E porque razão aconteceu isso?

Isso só ele poderá responder. Aquilo que eu acho fundamental é, desde logo, que o partido reúna para debater todas estas questões e mais algumas que os militantes queiram colocar. Tenho falado com várias pessoas e há uma vontade grande por parte dos militantes da Concelhia em que haja reuniões do partido.

Mas as reuniões não têm acontecido regularmente? 

Seria normal que acontecessem e é necessário que aconteçam rapidamente.

Então são os estatutos desse órgão que não estão a ser cumpridos? 

A minha intenção não é dramatizar a situação, até porque acho que ela pode facilmente ser resolvida. A minha postura dentro do PS local foi sempre de ajudar e o actual presidente da Concelhia, ao longo de todo o seu percurso político, ao qual eu assisti desde o primeiro dia, nunca rejeitou a minha ajuda. Bem pelo contrário. Portanto, não haveria justificação nenhuma para que agora a rejeitasse.

É preciso que o PS tenha a capacidade de capitalizar noutras áreas aquilo que foi a sua grande vitória autárquica, até porque também tem a obrigação de ter um relativo distanciamento em relação ao executivo municipal. O PSD de Paços de Ferreira perdeu quando também perdeu essa capacidade de crítica em relação ao executivo municipal. Quando foi necessário um PSD local que soubesse representar uma massa crítica que indicasse os erros que estavam a ser cometidos pelo executivo municipal da época ele não existiu.

E um vereador que também é vice-presidente da Câmara tem condições para ter esse sentido crítico? 

A crítica não tem necessariamente de ser negativa e, como digo, a actividade do PS de Paços de Ferreira não se esgota na autarquia. O executivo municipal não é o Alfa e o Ómega do PS de Paços de Ferreira e se o fosse tornar-se-ia absolutamente inútil, seria uma delegação do executivo municipal e não é isso que o PS é. Entendo é que o actual presidente da Concelhia, pelos resultados que apresenta, demonstra que tem necessidade de ajuda para conseguir fazer mais e melhor. Quanto a isso não tenho dúvida.

Noto que está desiludida com esta Concelhia e que se sente afastada deste órgão. Confirma esta leitura?

Não é verdade. Nunca estive à espera que me chamassem e tudo aquilo que fui na minha vida política consegui-o com o meu trabalho e com o meu mérito. Não devo particulares compromissos de solidariedade a ninguém, a solidariedade que devo é a todos os militantes do PS numa medida igual.

Não tem padrinhos…

Não tenho e não fico à espera de ser chamada para participar.

E de que forma essa participação será feita neste momento? Poderá candidatar-se à liderança da Comissão Política de Paços de Ferreira?

Essa questão não se colocará tão cedo, porque o que está previsto estatutariamente é que as próximas eleições para as comissões políticas concelhias só se realizam após as eleições autárquicas. Esse não é um objectivo que oriente a minha acção política, mas evidentemente que não rejeito qualquer papel no partido se esse for o entendimento dos meus camaradas. Se entenderem que sou a militante mais indicada para me candidatar, pois obviamente não vejo motivo para que não o faça.

Se o PS não arrepiar caminho poderá avançar com uma medida que evite que o partido perca a oportunidade?

A medida tomo-a todos os dias. Pretendo, nos próximos anos, intervir na sociedade pacense, onde quero criar as minhas filhas, e julgo que o PS precisa de mais militantes, mais massa crítica e a minha acção passará por trabalhar para o engrandecimento do partido a nível local. Reúno-me com pessoas, discuto, sensibilizo-as para as questões políticas e desafio-as para aderir ao PS.

Mas se a Comissão Política continuar no marasmo que diz estar será difícil atingir esses objectivos. Não seria melhor provocar eleições antecipadas?

Onde há uma vontade, há um caminho e quando temos uma vontade, que eu tenho, o caminho torna-se evidente e mais fácil. Tenho recebido de muita gente o maior apoio e tenho tido bastante sucesso na sensibilização para a discussão da política local.

Mas o actual presidente do PS de Paços de Ferreira nunca rejeitou a minha ajuda, bem pelo contrário, e seria incompreensível para toda a gente que agora o fizesse. Não acredito que o faça.

Qual será então o seu futuro?

O meu papel nos próximos anos será bastante activo e dificilmente deixarei de pertencer à estrutura do PS de Paços de Ferreira. A forma como ela está organizada não me perturba, o que me perturba é o sucesso que ela tem no plano local, distrital e nacional. Sempre achei que a condição necessária para participar era ser militante de base.

Se Humberto Brito a surpreendeu pela positiva na presidência da Câmara Municipal, Paulo Sérgio Barbosa surpreendeu-a pela negativa na liderança da Comissão Política?

Ainda vai a tempo de evitar que isso aconteça.