A prometida auditoria às contas da Câmara de Paredes foi apresentada na última Assembleia Municipal. Mas o ponto foi só para conhecimento, o que fez com que a oposição aproveitasse o período de Antes da Ordem do Dia para fazer algumas críticas ao processo e aos resultados.

O documento aborda as dificuldades de contabilização do imobilizado, processos como o relatório do OLAF – Organismo Europeu Anti-Fraude em relação às irregularidades nos centros escolares, além dos valores da dívida e passivo, que voltaram a suscitar debate.

O primeiro a intervir foi Macedo Lemos, do CDS. “Após 614 dias da tomada de posse do senhor presidente da câmara eis que finalmente vem a esta Assembleia o relatório da auditoria que tanto apregoou e propôs ao eleitorado durante a campanha como medida prioritária. Analisando o relatório consegue-se tirar a conclusão genérica de que o mesmo ficou muito aquém do que se esperava e do que havia sido prometido”, começou por dizer, referindo que o período temporal abrangido deveria ser entre 2013 e 2017 e não apenas os anos de 2016 e 2017.

“Ficaram os auditores limitados na sua acção deixando sem resposta praticamente todos os itens estudados neste trabalho alegando falta de documentação suficiente. É caso para dizer que esta auditoria precisava de ser auditada ou pelo menos que seria necessária uma nova auditoria para esclarecer as dúvidas dos auditores”, criticou Macedo Lemos, lamentando que o tema viesse só para conhecimento e não fosse dada a “oportunidade de debate que o assunto merece”.

“Isto é uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”

Em tom irónico, Jorge Oliveira, do PSD, subiu ao púlpito para deixar questões a Alexandre Almeida. “Gostaria de lhe perguntar, senhor presidente, se se sente bem com estes resultados depois de ter difamado o executivo anterior com calúnias a respeito das contas? Diga se pretende retratar-se quanto às graves acusações que fez ao anterior executivo agora que conhece os resultados da auditoria. Esclarecidos estamos todos em relação às contas da autarquia. Reconhece que estava enganado e que faltou à verdade aos paredenses?”, provocou.

Mais à frente, foi Manuel Gomes, também eleito pelos social-democratas, a abordar o tema.

“Eis que chega o dia em que podemos finalmente conhecer o gigante Adamastor”, ironizou também, referindo-se ao relatório. “Chegado o dia afinal parece que não havia gigante e nem sequer era Adamastor”, apontou.

O representante da bancada do PSD na Assembleia Municipal questionou, desde logo, porque “não foi feita uma auditoria mais transversal”. “Uma auditoria de erros e fraudes, por exemplo”, disse.

Analisando o documento, salientou ainda que é referido várias vezes quanto ao imobilizado que a empresa que fez a auditoria não obteve toda a informação de que necessitava para elaborar o relatório. “Face às situações descritas não nos foi possível obter prova na auditoria suficiente para concluir sobre a plenitude, valorização e bens do domínio publico… (citou). Porque é que isto aconteceu? A informação não foi pedida? Não foi prestada? Ou houve indicação política para a informação não ser prestada?”, perguntou Manuel Gomes.

Passou depois à dívida e ao passivo ou “à misturada dos dois” que costuma suscitar debate entre os eleitos do PS e os do PSD. “Parece que afinal a dívida em 31 de Dezembro de 2017 era de apenas 50 milhões de euros”, argumentou. “E o passivo?”, questionou logo a bancada do PS. “À data o município de Paredes estava cinco milhões de euros abaixo do limite estabelecido pela Direcção Geral das Autarquias Locais”, continuou o social-democrata.

“Quanto ao OLAF, o relatório faz apenas um conjunto de insinuações. De objectivo diz apenas que o procedimento cautelar intentado pelo município de Paredes para suspender a decisão de limitação de acesso a fundos europeus foi julgado procedente”, sustentou Manuel Gomes, frisando que se fala apenas num “aparente fraccionamento da despesa”.

“Isto é uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Afinal o gigante Adamastor transformou-se num relatório demonstrativo da gestão preocupada que o PSD teve na Câmara de Paredes”, defendeu o eleito do PSD.

À semelhança do CDS, também os laranjas argumentaram que o ponto deveria ser para discussão. “Parece que vossas excelências querem fazer mais uma conferência de imprensa de ‘one man show’ sem qualquer tipo de contraditório. A assembleia Municipal seria o local certo para uma reflexão séria e profunda acerca do tema”, concluiu.

“Esta auditoria não pariu um rato, pariu 113 milhões de passivo”

Cristiano Ribeiro, da CDU, não deixou de lembrar que quase todos os partidos pediram a auditoria “sofregamente como se fosse questão de vida e de morte”, em campanha e que o candidato do PS e actual presidente da câmara foi um dos que centrou na promessa da auditoria a sua candidatura.

O objectivo seria “procurar na administração do PSD ilegalidades ou irregularidades de actos administrativos relevantes”. “A CDU acompanhou com a devida distância este frenesim, adivinhando limitações nessa auditoria e uma provável inconsequência dessa avaliação. O tempo deu-nos razão”, alegou Cristiano Ribeiro, dizendo que agora, que era necessário analisar o documento e tirar dele consequências “ao PS, escudado no caracter técnico da auditoria, parece não interessar a sua divulgação nem dela tirar grandes conclusões, talvez por não serem conclusivas ou para não induzir mudanças radicais na gestão administrativa do município”.

Para defender o executivo socialista, Rui Silva manteve a metáfora iniciada pelo PSD. “Os paredenses acreditam no Cabo da Boa Esperança, por isso mudaram em 2017. Trocaram as Tormentas e o Adamastor pela Boa Esperança”, disse.

“Dizem que esta auditoria não assusta ninguém, pois não, vocês não a vão pagar. Quem teve responsabilidade de fazer uma gestão deste calibre devia ser responsabilizado”, acrescentou logo de seguida apontando baterias ao PSD.

No passivo, elencou, os 103 milhões sobem rapidamente para 113 milhões quando se contabilizam os mais de cinco milhões de euros de obras que foram lançadas à pressa em 2017, e mais quatro milhões e tal de euros de benfeitorias que foram prometidas a pessoas que doaram os terrenos.

“Antes de 2017 havia 13 concelhos em Portugal que não cumpriam a lei dos compromissos. Também vem aqui na auditoria. O que interessa é falar da dívida que são 50 milhões e não do passivo e andar aqui com esta névoa”, criticou o eleito do PS.

No documento, há vários problemas que deviam ter sido resolvidos pelo PSD mas que ainda se mantém, como a concessão de água e saneamento ou o problema da OLAF. “Vocês queixam-se que a auditoria que não é debatida aqui, mas está para conhecimento. Agora o relatório da OLAF foi para debaixo da gaveta. Tiveram os paredenses de saber pelos jornais”, gracejou.

“Esta auditoria não pariu um rato, pariu 113 milhões de passivo, pariu estar aqui plasmado que vocês violaram a lei dos compromissos, que puseram o município com um processo às costas e que pode ter que indemnizar a Comissão Europeia em seis milhões de euros”, frisou Rui Silva.

“Se isto é coisa pouca e vos deixa satisfeitos a mim deixa-me preocupado e com a consciência de que temos que poupar muito”

“Não haveria realmente uma melhor alegoria do que essa para o definir. É realmente um Adamastor, é um gigante. Falaram em retratar-se, em sentir-se bem, em névoa. Vou dar-lhes alguns dos aspectos mais importantes da auditoria”, prometeu Alexandre Almeida no início da sua intervenção.

O presidente da Câmara começou por sustentar que o auditor do município também já dizia que não conseguia contabilizar o imobilizado. “Tendo em conta a quantidade de situações em que se fizeram obras em terrenos, em que não se pagou o terreno, mas depois acordou-se com a pessoa que se ia fazer um loteamento ou algo do género que foram empurrados com a barriga para a frente, é claro que isso suscita dificuldades na avaliação do imobilizado”, alegou.

Esses contratos permuta que não estão contabilizados nem nas contas terão de ser pagos. Serão no mínimo, por baixo, 4,6 milhões. Só relativos aos terrenos do parque do Rio Ferreira em Lordelo e Rebordosa serão 1,8 milhões de euros”, deu como exemplo. Outros são os investimentos feitos na zona do campo de futebol de Vandoma, tendo-se assumido fazer um loteamento em troca de 656 mil euros que falta pagar ou o loteamento prometido como troca para o campo de futebol do Sobreirense, que deverá custar 300 mil euros. “Em Cristelo chegou-se ao ponto de fazer um contrato com uma pessoa no dia 29 de Setembro de 2017, o último dia útil da câmara antes das eleições, em que se comprometia para fazer um parque de lazer a fazer um loteamento, que no mínimo custa 500 mil euros. São compromissos que não eram quantificados”, refere.

Além disso, só em ajustes directos em 2017, para obras à pressa, foram feitos mais de 100, num total de 12,2 milhões de euros. “Essas empreitadas, cuja facturação não apareceu nas contas da câmara para não ultrapassar os limites de endividamento, ascendeu a 5,5 milhões euros”, sublinha o autarca. É que só 2,2 milhões de euros foram facturados.

Assim, o “Adamastor” ajustado passa de 103 para 113 milhões de euros. “Se isto é coisa pouca e vos deixa satisfeitos a mim deixa-me preocupado e com a consciência de que temos que poupar muito”, admitiu Alexandre Almeida, lembrando que já conseguiram baixar o passivo para os 97 milhões de euros.

O presidente da Câmara afirmou ainda que a auditoria veio mais uma vez confirmar a prática de empolamento da previsão das receitas no orçamento para permitir continuar a endividar a câmara. Mostra ainda que ficaram processos por resolver, como o da água, ou o da OLAF. “Conseguimos resolver o imbróglio do Complexo das Laranjeiras. Demos 1,6 milhões de euros, mas esse valor não vai ficar por aí. Há um processo que a câmara perdeu em tribunal. A câmara vai ter de indemnizar uma empresa que tinha cedido o terreno atrás do estádio para efeitos desportivos. Poderia ir até dois milhões de euros, mas estamos a negociar”, explicou.