Diabéticos de vários pontos do concelho de Lousada reúnem-se três vezes por semana, no Pavilhão Municipal do Complexo de Desportivo, para terem aulas de exercício físico numa iniciativa nacional a que autarquia aderiu e que visa minimizar os efeitos da doença.

Os 12 utentes, todos com diabetes do tipo II, pessoas cujo pâncreas tem dificuldade em produzir insulina, são unânimes em reconhecer que as aulas os têm ajudado a ultrapassar um doença crónica, com alterações do ponto de vista do organismo, com a qual têm de aprender a conviver.

A maioria dos elementos do grupo não tem dúvidas de que o exercício físico lhes permitiu devolver a mobilidade, ajuda-os a recuperar a funcionalidade e dá-lhes um novo ânimo para continuar a minimizar os danos provocados por esta patologia, cuja incidência, dizem os especialistas, tem vindo a aumentar.

“Com os exercícios sinto-me mais capaz, tenho mais mobilidade, melhorei significativamente dos joelhos e na coluna”

Isaura Ferreira, 62 anos, Lustosa, ex-operadora fabril, uma das utentes que participa regularmente nesta actividade realçou que hoje é uma pessoa diferente. Além da perda de peso, confessou ao Verdadeiro Olhar, em plena aula, adquiriu mais autonomia e viu a sua auto-estima aumentar.

A sexagenária confessou que foi após a primeira gravidez e quando estava a tentar engravidar pela segunda vez que descobriu que era diabética.

“Sou diabética há mais de 30 anos. Descobri quando tentei engravidar pela segunda vez. Fiz os exames e foi aí que detectaram que tinha a doença. Associado à diabetes surgiu-me o reumatismo e os médicos aconselharam-me a não ter mais filhos, pelo que me fiquei pelo primeiro filho”, disse, sustentando que já a sua mãe tinha diabetes.

“Ficou cega. Somos oito irmãs, apenas eu apanhei a diabetes. Na altura, não esperava, mas tive que me conformar com a ideia e seguir as indicações do meu médico de família que acabou por me direccionar para as aulas de exercício físico no Pavilhão Municipal de Lousada, o que foi uma decisão acertada”, adiantou, sustentando que só após ter contraído a doença passou a ter mais cuidado com os hábitos alimentares.

“Antes do diagnóstico era uma pessoa mais forte. Recordo-me que a alimentação não era a melhor. Aquando da primeira gravidez engordei 25 quilos. Depois perdi algum peso, mas não o necessário. O exercício físico tem-me ajudado bastante e mudei a alimentação. Fazia a sopa com feijão e batata, agora faço a sopa só com legumes, nada de batata nem feijão, e como sempre um prato de sopa antes da refeição para evitar comer em demasia e cortei também com os fritos. Com os exercícios sinto-me mais capaz, tenho mais mobilidade, melhorei significativamente dos joelhos e na coluna”, sublinhou, sustentando regozijando-se, também, pelo facto de ter conseguido baixar os valores da diabetes.

“Antes tinha a diabetes quase a 300, agora, nunca passo dos 150″, revelou satisfeita  com a evolução e com o apoio que tem tido quer do seu médico de família quer da família mais próxima.

“O meu médico é atleta, faz competições, e já me deu os parabéns por ter conseguido descer os valores”, concretizou, adiantando, que faz medicação diária de insulina e está a ser acompanhada no Hospital Padre Américo em Penafiel, nas consultas de cardiologia e nutricionista.

Em casa, Isaura Ferreira reconheceu que as alterações têm sido igualmente reconhecidas. “O meu marido ficou contente, tem-me apoiado, porque era algo que ele queria há muito tempo. Ele faz caminhadas, cerca de duas horas por dia, e é também um adepto do exercício físico”,avançou.

Sobre a diabetes e a incidência que passou a ter na sociedade, Isaura Ferreira asssentiu que este é um fenómeno crescente. “Há cada vez mais pessoas com diabetes. De uma forma geral. Os mais novos só comem hambúrgueres, pizzas e tudo o que faz mal”, declarou, reconhecendo que a diabetes é uma doença silenciosa, com consequências que podem trazer bastantes danos para as pessoas, mas que se devidamente minimizada não é nenhum bicho de sete cabeças.

“Quando chegava  do trabalho, sentava-me no sofá e ficava ali até me deitar. Não fazia exercício físico. Agora, tenho uma motivação diferente”

José Bessa, reformado, 70 anos, empresário têxtil, destacou, também, que o exercício físico permitiu-lhe recuperar a mobilidade, ser uma pessoa activa e mais participativa.

“Frequento as aulas há cerca de quatro meses. Sinto-me mais activo, livre e estou bastante melhor. Em casa não tinha motivação para fazer caminhadas e exercício. Já fiz, mas deixei de ter motivação para as fazer. Tinha um aparelho, mas não me dispunha a fazer exercício físico. Quando chegava  do trabalho, sentava-me no sofá e ficava ali até me deitar. Não fazia exercício físico. Agora, tenho uma motivação diferente. Sinto-me mais colaborante”, afirmou, referindo que descobriu que tinha diabetes há cerca de cinco anos.

“Sentia muita sede, acabava de beber e já estava com sede de novo. Fui ao médico e tinha os valores a quase 400. Depois que iniciei o programa os valores estabilizaram. Situam-se nos 120, mas outras vezes caem demasiado, 70, 80 e aí perco as forças, a visão, bebo um pouco de água com açúcar e a diabetes estabiliza novamente”, declarou, acrescentando que antes da doença não tinha equilíbrio e sentia-se confuso.

“Mas, hoje, sinto-me uma pessoa diferente, ganhei qualidade de vida, sinto-me mais leve, mais apto. Fui operado ao coração há cinco anos atrás, fiquei bem e agora posso fazer caminhadas e exercício físico”, acrescentou, admitindo que teve também de alterar os hábitos alimentares, embora nunca tenha sido uma pessoa de excessos.

O ex-empresário concordou que a entrada no grupo trouxe-lhe benefícios para a sua saúde e permitiu-lhe estabelecer laços com os colegas. “Somos uma família, partilhamos o mesmo programa, as mesmas preocupações e verifico que o exercício físico é, sem dúvida, um meio para controlar a doença”, atalhou, afiançando que em casa sente que o programa está a deixar a família satisfeita.

“Tenho quatro filhos e todos me apoiaram desde a primeira hora, a minha mulher estava mais céptica, mas hoje todos reconhecem que estou melhor. Mesmo os meus amigos verificam que estou mais desinibido”, referiu, admitindo que hoje há mais informação sobre a doença, o que não acontecia há alguns anos atrás.

“O meu pai morreu com a diabetes. Sofreu muito com a diabetes. Há 25 anos, a doença não era tão divulgada. Sinto-me, às vezes, culpado por não lhe ter dado apoio porque desconhecia a doença”, manifestou, salientando  que não é caso único na família com a patologia. “Tenho um irmão mais velho que já faleceu e que tinha a doença, tenho um sobrinho que toma insulina, e um irmão mais novo que tem diabetes. Isto é um flagelo”, retorquiu, confirmando que a alimentação e a falta de exercício físico, mas também o sedentarismo, são hoje uma realidade que afecta a saúde de muita gente.

“Hoje continua-se a ingerir muito açúcar, as pessoas estão mais sedentárias. Verifico que muitos pais querem fazer todas as vontades aos filhos. É mais um chocolate, é mais um sumo e por vezes os pais têm dificuldades em contrariar os hábitos alimentares dos mais novos”, anuiu.

“Em casa  cultivo uma pequena horta. É uma coisa que gosto de fazer e me dá prazer. Sou uma pessoa como as outras,  não deixo que a doença interfira no meu dia-a-dia”

Carolina Pereira tem 67 anos e é da freguesia de Cristelos. Foi chefe de produção de confecção durante 42 anos, numa empresa em Boim, e agora está reformada. Apesar da doença continua a ser uma pessoa activa, garante.

“Participo no Primeiro Plano, um espaço cultural e universidade sénior que funciona em Lousada. Temos inúmeras actividades, um professor de zumba, uma professora de música e distribuo o meu tempo entre a universidade sénior e as aulas no pavilhão municipal e isso faz com que esteja sempre ocupada. Gosto do programa. Hoje sou uma pessoa mais capaz, faço uma caminhada todos os dias de quatro quilómetros. Dantes, cansava-me muito, mas com programa passei a ter uma outra agilidade”, avançou, sublinhando que o seu dia-a-dia não acaba com as aulas nem com a universidade sénior.

“Em casa cultivo uma pequena horta. É uma coisa que gosto de fazer e me dá prazer. Sou uma pessoa como as outras, não deixo que a doença interfira no meu dia-a-dia. Na alimentação, evito apenas os doces. Sou muito ligada às sopas, consumo legumes, gosto de peixe. Não sou uma pessoa exagerada em nada”, retorquiu, assumindo que não encara a doença como uma fatalidade.

Ao Verdadeiro Olhar, Carolina Pereira admitiu nunca se ter sentido discriminada e que o apoio da família tem sido determinante. “Tenho uma filha que adoptei e ela acha que ganhei com esta actividade. Sempre senti o apoio da família. Encorajam-me, incentivam-me a continuar porque efectivamente isto faz-me bem”, afirmou, concordando que o programa deveria ser alargado a mais pessoas de forma a que pudessem beneficiar das suas vantagens.

“Temos utentes que antes diziam que não eram capazes de estender a roupa ou levantar os braços e agora já conseguem fazê-lo sem qualquer dificuldade”

Joana Tavares, Lousada, técnica responsável  pela aulas de exercício físico, manifestou que com o início da actividade, no mês de Outubro de 2019, o grupo passou a apresentar resultados encorajadores.

“Há ganhos acrescidos. Alguns utentes melhoraram ao nível da mobilidade. Tinham dificuldade em deslocarem-se e com estes meses de trabalho tem evidenciado melhoras ao nível da resistência, porque os exercícios não são apenas exercícios aeróbicos, mas ao nível da força. Temos alteres com mais carga para eles aumentarem e alguns deles já se arriscam a usar mais carga e alguns vão informando que em casa têm conseguido melhor o seu trabalho no dia-a-dia. Temos utentes que antes diziam que não eram capazes de estender a roupa ou levantar os braços e agora já conseguem fazê-lo sem qualquer dificuldade. Muito deles melhoraram os seus hábitos de vida, alguns não comiam sopa e passaram a comer”, asseverou, esclarecendo que o programa integra uma vez por mês uma sessão de educação para a saúde em que são abordados temas ligados com a alimentação, os cuidados de saúde, com a presença de uma nutricionista do Centro de Saúde, integrando, também, workshop sobre temas como doces saudáveis.

“São incutidos hábitos saudáveis, estilos de vida diária saudáveis”, assentiu, realçando que o facto dos utentes estarem ocupados faz com que se sintam motivados.

“A maioria deles não trabalha, acabariam por passar o dia sozinhos ou com as esposas ou os maridos. Um dos utentes tem dificuldades de mobilidade, queria inclusive desistir, mas acabou por não o fazer”, acrescentou.

“A mudança de hábitos é fundamental para prevenir esta e outras doenças como a obesidade”

Joana Tavares recordou, ainda, que a mudança de hábitos é fundamental para prevenir esta e outras doenças. “Existem dois tipos de diabetes, a I e a II. A I é diagnosticada  ainda na infância e essa não tem nada a ver com o estilo de vida, a diabetes tipo II é adquirida em fase adulta e essa sim, tem a ver com estilos de vida e esta deve-se ao sedentarismo, à má alimentação, o stress está também relacionado com esta patologia. A mudança de hábitos é fundamental para prevenir esta e outras doenças como a obesidade. Regra geral a doença a diabetes está associada à obesidade e daí advém outro tipo de problemas como a hipertensão, problemas cardiovasculares e é fundamental promover-se este tipo de exercícios e actividades para a população em geral e para as pessoas que têm este tipo de patologias”, afirmou, salientando que  programa ajuda a regular e a controlar os níveis de açúcar no sangue e que seria desejável que mais utentes pudessem participar e partilhar desta experiência.

Sandra Ferreira, enfermeira no ACES Vale do Sousa Norte, na Unidade na Comunidade de Lousada, assumiu que desde que iniciou o programa, os resultados surgiram com ganhos significativos para a maioria dos participantes.

“Verifico que conseguem coordenar melhor os movimentos e passaram a adquirir maior equilíbrio. Muitos isolavam-se e aqui conhecem outras realidades. Adquiriram mais auto-estima. Quando vinham para cá estavam deprimidos, mas rapidamente começam a estabelecer laços de amizade”, revelou, apontando a alimentação descuidada, o sedentarismo, a vida familiar intensa, o tabagismo, o álcool, a obesidade e o stress como os principais factores que contribuem para o aparecimento da doença.

“A tendência é para que haja mais casos tipo II pelo que esta actividade devia chegar a mais pessoas. Muitos utentes têm familiares para cuidar e nem sempre têm disponibilidade para vir, mas era óptimo que houvesse uma maior adesão. Ganhamos todos”, acrescentou.

O programa Diabetes em Movimento tem como objectivo genérico a substituição da prescrição de medicação por prescrição de actividade física. Este projecto enquadra-se numa das linhas orientadoras do pelouro do desporto, que passa por massificar a actividade física independentemente da idade, género a condição física ou mental.

Refira-se que Câmara de Lousada dispõe de um programa de actividade física dedicado aos idosos que tem por base os movimentos seniores, onde é oferecida a ginástica e boccia, sendo que esta última modalidade tem uma Liga com jornadas mensais muito disputada.

O Diabetes em Movimento é um programa específico para quem tem esta patologia.

O vereador do desporto da Câmara de Lousada, António Augusto, declarou que é expectável que quando a autarquia voltar a abrir inscrições para a próxima época o número de participantes possa aumentar consideravelmente.

O programa Diabetes em Movimento é um programa Comunitário de Exercício Físico para Pessoas com Diabetes Tipo 2 coordenado pela Direcção-Geral da Saúde, através do Programa Nacional para a Promoção da Actividade Física e do Programa Nacional para a Diabetes, com o apoio científico do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).