Quem vê hoje o Centro Comercial do Vale do Sousa, em Paredes, talvez não recorde os corredores apinhados, as lojas cheias de gente, as filas de trânsito que gerava ou até a dificuldade que era arranjar um bilhete para ir ao cinema.

Agora, são poucas as pessoas que percorrem os corredores e são mais as lojas vazias ou à venda do que as que resistem de portas abertas lutando por dias melhores.

Quando abriu portas, há 33 anos, o Centro Comercial do Vale do Sousa assumia-se como um espaço comercial de vanguarda que atraía a Paredes pessoas de toda a região. A grande maioria dos comerciantes ainda acredita que esses dias podem voltar.

As obras, há muito ansiadas, poderão estar prestes a arrancar com o objectivo de dar a este centro comercial uma nova vida. A administração do condomínio está a ultimar o processo para apresentar aos condóminos uma recuperação total da fachada do edifício e do interior do espaço comercial que deve rondar os 1,1 milhões de euros. Com as lojas fechadas novamente a funcionar poderiam ser criados cerca de 100 postos de trabalho.

“Em 1981 começou a construção do que haveria de ser uma revolução para o comércio”

Concentrava no mesmo espaço, distribuídos por uma cave, rés-do-chão e primeiro andar, num total de 9.529 metros quadrados, vários serviços e tinha como âncora o cinema, o maior supermercado do Vale do Sousa, um restaurante de luxo, vários cafés e lojas de qualidade, que iam do vestuário à perfumaria e ourivesaria, passando pelas lojas de bombons, de fotografia ou louças, entre outras. Havia até um grande salão de jogos que ocupava grande parte da cave.

No total, o edifício conta com 60 habitações, 103 lojas e 62 garagens. Terá começado a ser construído em 1981 e, quando abriu, no final de 1984, tornou-se rapidamente no maior foco de atracção do concelho de Paredes. As lojas encheram-se com comércio e os corredores encheram de clientes. Assim foi durante alguns anos até que um conjunto de circunstâncias – muitos atribuem o surgimento de vários hipermercados ou a chegada da auto-estrada a Paredes como parte delas – deu início à queda do Centro Comercial do Vale do Sousa.

Hoje ainda há lojas que persistem, algumas delas criadas há mais de 30 anos, mas são também muitas as que já fecharam portas, por falta de negócio, falecimento dos proprietários e questões ligadas a partilhas ou porque os empresários foram tentar a sorte numa loja de rua.

Jorge Malheiro presidia à Câmara Municipal de Paredes no período em que nasceu o centro comercial e lembra um período em que o concelho se assumia como pioneiro na região. “Naquele local havia uma poça, um buraco sempre cheio de água putrefacta. Um amigo, o António Cardoso, costumava dizer ‘aqui mora a cólera’”, conta o ex-autarca, lembrando o espaço onde havia de nascer o edifício. “A Avenida Comendador Abílio Seabra tinha que ser dignificada e, em 1981, começou a construção do que haveria de ser uma revolução para o comércio”, sustenta Jorge Malheiro.

A obra, não foi só para Paredes foi para todo o Vale do Sousa que via nascer o seu primeiro centro comercial, salienta o ex-presidente da Câmara: “Depois de aberto aquilo tornou-se uma atracção, porque não havia mais nada desse género no Vale do Sousa”.

Isso trouxe muita gente ao concelho até que começaram a surgir outros espaços comerciais, noutros concelhos, e houve uma divisão de públicos, acredita o paredense. “A chegada do nó da auto-estrada a Paredes também levou as pessoas, que passaram a ir para o Porto”, acrescenta. Uma ideia partilhada por muitos dos comerciantes.

“Era impossível contar o número de pessoas que passava pelo centro comercial, eram centenas. E, ao fim-de-semana, milhares”

José Pereira, há 14 anos proprietário da pastelaria Toque de Mel, será uma das pessoas que há mais tempo trabalha no Centro Comercial do Vale do Sousa. Não chegou na abertura, em Novembro de 1984, mas chegou em Julho do ano seguinte, quando arranjou emprego como motorista do supermercado Silcarnes, “o maior do Vale do Sousa”, à época. O negócio, recorda o ex-funcionário, chegou a ocupar 10 fracções, sem incluir a zona de restauração.

Juntamente com o cinema, o supermercado era um dos grandes chamarizes ao espaço comercial, defende José Pereira, que testemunhou os anos dourados do comércio naquele edifício. “Era impossível contar o número de pessoas que passava pelo centro comercial, eram centenas. E, ao fim-de-semana, milhares. Não havia hipermercados aqui à volta. Fazia-se muito negócio. Havia movimentos na ordem dos três mil contos (15 mil euros) ao fim-de-semana”, recorda o empresário, embora em 1985 abrisse o primeiro Continente em Matosinhos.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Seguiu-se o nó da auto-estrada em Paredes. E, já noutra altura, o encerramento do pavilhão e campo de futebol, que José Pereira também acredita ter afastado as pessoas do centro comercial. “Isto agora é um deserto ao domingo”, lamenta.

A auto-estrada colocou tudo a meia hora de distância. Cinemas com mais salas. Shoppings com mais lojas e mais modernas. “As pessoas pegavam no carro e iam. Os clientes mais velhos ainda foram ficando, mas os mais jovens foram à procura de coisas novas. Tudo isso teve influência directa na queda disto”, defende.

Ainda assim, quando outros espaços semelhantes a este centro comercial desapareceram, como o Paços Shopping, dá como exemplo, em Paredes continuou-se a trabalhar. Com diferenças, reconhece José Pereira. “Houve uma grande quebra de investimento ao longo do tempo, muita gente que faleceu e problemas com herdeiros que também influenciaram o futuro das lojas”, afirma. Por outro lado, defende que houve falta de capacidade de adaptação dos horários às necessidades dos clientes, com as lojas a não estarem abertas à hora de almoço e até mais tarde ao final do dia, algo que aconteceu no passado.

“Houve pessoas que ganharam muito dinheiro neste centro comercial, mas ninguém reinvestiu”, confirma. Em muitos casos, essas fortunas evaporaram quase tão rápido como surgiram.

Fazer obras, constata José Pereira, é necessário, e não seria tão complexo não fosse a falta de entendimento entre os muitos proprietários da zona habitacional e comercial. “Se tivermos em conta os anos que isto tem e as pessoas que já passaram por aqui isto até nem está assim tão mau. Há falta de união e falta de boa vontade”, argumenta. Na sua visão bastaria modernizar o espaço com alguma cor, colocar bancos e vasos, no fundo “dar vida”. É ainda necessário fazer promoção às lojas na rua para as pessoas saberem o que existe dentro do centro comercial e entrarem.

“Tenho fé que se entendam para fazer a reforma necessária e acredito que as pessoas voltam”, assegura.

“Este centro comercial ainda pode ser um grande centro de emprego. Podemos criar aqui até 100 postos de trabalho”

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Duarte Nuno já perdeu a conta aos anos em que está no Centro Comercial, mas estima ter chegado um ano e meio a dois depois da abertura. Foi aí que instalou o Bazar do Centro, com brinquedos e brindes. “Foi aqui que tive o meu primeiro negócio e gosto daquilo que faço”, realça.

Na altura, escolheu um espaço conhecido por fazer negócio. “Trabalhava-se de dia e de noite. Toda a gente das redondezas vinha ao centro comercial a Paredes. Alguns desses clientes ainda hoje cá vêm”, revive. “Ao fim-de-semana era invadido. As pessoas enchiam os corredores. Havia filas de trânsito e pessoas a estacionar lá em baixo à beira do campo de futebol. Ao domingo, os maridos iam à bola e as mulheres vinham às compras”, recorda ainda o empresário. O sucesso era o conjunto de lojas a que se juntava o cinema, o supermercado e a restauração.

Muitas vezes se falou em obras, mas tudo foi sendo adiado e começou a faltar a manutenção. Isto quando começaram “a proliferar os hipermercados com poder de atracção, com dinheiro e que apostavam na publicidade e criaram boas condições”, diz Duarte Nuno. Mas, sustenta, “a quebra de clientes não afectou só o centro comercial mas todo o comércio tradicional, que se ressentiu com os hipermercados”.  “Todos nos debatemos com o mesmo problema: a falta de estacionamento”, sentencia.

Duarte Nuno está expectante com a possibilidade de avançarem para obras. “Não tenho a menor dúvida de que se este centro funcionasse ia voltar a trazer muita gente a Paredes”, defende.

O empresário acredita ainda que, com melhores condições, a maioria das lojas agora fechadas voltará a abrir, dando trabalho a muita gente. “Este centro comercial ainda pode ser um grande centro de emprego. Podemos criar aqui até 100 postos de trabalho”, garante, adiantando que, nesta altura, o espaço já dá emprego a cerca de 60 pessoas.

“As pessoas atropelavam-se nos corredores e o cinema tinha quatro, cinco ou até seis sessões por dia, sempre cheias”

“Não havia espaço para tanta gente no centro comercial. As pessoas atropelavam-se nos corredores e o cinema tinha quatro, cinco ou até seis sessões por dia, sempre cheias”. A memória é de Inácio Santana, à época sócio da empresa que explorava o cinema e hoje dono de um videoclube no Centro Comercial que, confessa, é mais um passatempo do que um negócio. “Já não vale a pena estar de porta aberta. Não é rentável. É mais um passatempo. Há muitos dias em que não entra um cliente”, reconhece.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

O cinema era uma “âncora” naquele espaço comercial e, ainda hoje, Inácio Santana acredita que foi o seu encerramento que acelerou a queda do comércio neste centro. Tinha 342 lugares e teve o primeiro sistema de som surround do país, conta o empresário. “O filme Titanic deu lucro de 15 mil contos (cerca de 75 mil euros) num mês”, recorda. “Isto tinha tanto movimento que tínhamos que fazer as pessoas que acabavam de ver o filme sair pelas traseiras porque não iam conseguir passar pelas que estavam à espera para entrar na sessão seguinte”, acrescenta. Hoje, o antigo cinema, fechado há mais de 12 anos, é casa de um Centro de Ajuda Espiritual da Igreja Universal do Reino de Deus.

Do início, Inácio Santana recorda a grande inauguração que obrigou a cortar estradas, das filas de trânsito, das lojas todas preenchidas e das muitas pessoas, de todo o Vale do Sousa, que acorriam ao centro comercial. A auto-estrada e as grandes salas de cinema começaram então a levar as pessoas até outros destinos.

“Agora isto está tudo fechado, com muita pena minha. E acho difícil recuperar. Os comerciantes passam dificuldades e será difícil fazer obras, mas também não basta. Não há condições. Este centro comercial está ilegal há mais de 20 anos. Não tem licença de utilização porque é preciso alterar a propriedade horizontal”, sustenta.

Por isso, diz não acreditar que, algum dia, este espaço comercial regresse aos tempos áureos de outrora.

“Acho que se lavarem a cara a isto vai ser mais fácil atrair gente, mas é necessário criar alguma animação”

Foi há 30 anos que Zeferino Pacheco escolheu o centro comercial para instalar a sua loja de fotografia. Chamava-se Foto Zeferino e ficava numa pequena loja do primeiro andar. Tinha acabado de cumprir o serviço militar e resolveu abrir o próprio negócio na única área em que tinha experiência, já que ajudava o irmão na sua empresa desde os 13 anos. “Quando surgiram as máquinas de revelação em 30 minutos fui o primeiro em Paredes a adoptar o processo”, lembra. Eram os tempos áureos da fotografia.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Havia muito trabalho”. Tanto que teve que deixar a loja no primeiro piso e trocá-la por uma maior, no rés-do-chão, no início dos anos 90. Hoje a ZIAP Fotografia ocupa três espaços nesse piso (a loja, um espaço de divulgação de fotografia de casamento e um estúdio), dois deles logo à entrada do centro comercial.

“Havia diversidade de negócios. Vários cafés que atraiam as pessoas. O cinema também atraia muita gente”, recorda Zeferino Pacheco. “Arranjar aqui uma loja naquela altura era difícil e as rendas eram caras. Agora estão a oferecer lojas”, lamenta.

O empresário não esconde que já pensou em deixar o centro comercial muitas vezes. “Já ando a pensar sair do centro comercial há muito. São várias promessas de obras e começo a ficar cansado”, reconhece.

Também Zeferino Pacheco acredita que as obras não chegam. “Também é preciso haver empenho de toda a gente. Pôr as restantes lojas a funcionar. Acho que se lavarem a cara a isto vai ser mais fácil atrair gente, mas é necessário criar alguma animação”, defende.

“As pessoas que vêm cá costumam dizer ‘olha quem viu o centro comercial e quem o vê’”

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Na altura não havia lojas vazias e havia muita procura. Vendia-se muito bem”, recorda Conceição Ribeiro que tem uma loja de artesanato no Centro Comercial há 32 anos. Já viu abrir e fechar muitas lojas. “Ultimamente só fecham. São mais as lojas fechadas e vazias do que as cheias”, constata.

“Gosto do que faço. Já considerei ir para a rua, para um lugar com mais visibilidade, mas as rendas caras afastaram-me”, conta.

Conceição Ribeiro corrobora da ideia de que a renovação é importante mas que é preciso fazer mais. “Se não enchermos as lojas não vale a pena fazer obras. Umas lojas atraem as outras. E a falta de estacionamento gratuito também prejudica. As pessoas estão sempre com a preocupação de ser multadas”, salienta a comerciante.

“As pessoas que vêm cá costumam dizer ‘olha quem viu o centro comercial e quem o vê’”, explica Conceição Ribeiro.

“O centro comercial é que dava ser a Paredes e trazia as pessoas cá. É uma vergonha tê-lo deixado chegar a esta figura”

“Estou cá desde o tempo em que isto funcionava tudo e estava tudo cheio, desde a cave até ao primeiro piso”, lembra Maria Augusta Mesquita, que há 25 anos que explora uma loja de perfumes e lingerie no primeiro piso.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“O centro pode estar velhinho, mas falta também o espírito que havia há uns anos atrás. Éramos unidos e isso trazia clientes. O ambiente de agora não atrai pessoas”, acredita a empresária.

Se antes o Centro Comercial tinha boas lojas que persistiam no tempo e atraíam clientes, agora existem só pequenas lojas que vão abrindo e fechando, durando pouco tempo, refere.

“Custa-me deixar o investimento que tenho aqui, senão também ia para a rua”, adianta Maria Augusta Mesquita.

Houve tempos em que teve funcionárias a trabalhar com ela na loja. Hoje é só ela e os dias são passados sobretudo a convencer o cliente habitual a voltar.

Maria Augusta é arrendatária e não acredita que as obras avancem. Mas isso não ia chegar, concorda. “É preciso uma lavagem a bem feita a isto cá dentro. Se se mantiver como está ninguém vem. Aqui dentro existem melhores lojas do que na rua. Mas nem a cobrar só 100 euros de renda as pessoas as querem”, aponta.

A comerciante continua a acreditar que o centro está bem localizado e tem estacionamento suficiente. Faltam-lhe lojas variadas para atrair as pessoas. “Ia ganhar outra dinâmica comercial”, afirma.

“O centro comercial é que dava ser a Paredes e trazia as pessoas cá. É uma vergonha tê-lo deixado chegar a esta figura, deviam obrigar-se os proprietários a fazer obras”, defende a arrendatária.

Administração do condomínio vai propor obras nas fachadas do edifício e dentro da zona comercial

Obras. Essa palavra tem marcado os últimos anos do Centro Comercial do Vale do Sousa. Muito se tem falado dessa necessidade. Várias vezes houve vontade de as realizar, mas nunca houve entendimento dos condóminos para isso.

Agora, Joaquim Ventura, responsável pela administração do condomínio, vai chamar os proprietários a votar um projecto de recuperação das fachadas do edifício, na parte habitacional e comercial, e no interior da parte comercial. “A avançar seria uma renovação total do prédio e as obras devem chegar a 1,1 milhões de euros”, diz, referindo que já existe uma isenção da Câmara Municipal de Paredes sobre a licença de obras. Um valor que poderia ser mais baixo caso o prédio, de 37 anos, tivesse tido as obras de manutenção devidas ao longo dos anos, sustenta.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Estamos a recolher orçamentos. Caso os proprietários aceitem as condições o objectivo era candidatar a obra ao IFRRU 2020 – Instrumento Financeiro de Reabilitação e Revitalização Urbanas. Seria um empréstimo. As pessoas teriam que pagar esse valor ao longo de cerca de 20 anos, com os primeiros quatro anos de carência. 50% do empréstimo não paga juros e os outros 50% teriam um juro baixo”, explica Joaquim Ventura. “Mas quem manda são os condóminos. A administração do condomínio só está a tratar de arranjar alternativas”, salienta.

Os diferentes orçamentos serão apresentados em breve em reunião de condomínio e, se a ideia for aceite, o objectivo é começar as obras “o mais rápido possível”.

“Na zona comercial será preciso substituir toda a electrificação, tectos falsos, chãos. Na zona habitacional é preciso analisar o telhado e há fracções que metem água. A fachada seria totalmente renovada”, pormenoriza o responsável pela administração do condomínio do Centro Comercial.

“Se as pessoas me autorizarem creio que o prédio irá atrair muito comércio e criar dezenas de empregos. Vamos conseguir devolver ao centro comercial o esplendor de antigamente. Noto que grande parte das pessoas quer que isto vá para a frente”, conclui Joaquim Ventura.