O paredense Joaquim Alves Faria, um empreendedor que se notabilizou em domínios como as cooperativas de habitação com várias construções na região e no Grande Porto, com provas dadas na economia social e no desporto, nomeadamente pela ligação ao União Sport Clube de Paredes, é homenageado, esta quinta-feira, pelo Rotary Club de Paredes.

A distinção faz parte da actividade anual do Rotary Club e pretende premiar Joaquim Alves Faria pelo sua competência, mérito e pelo seu percurso profissional ímpar em domínios que vão para além da sua actividade empresarial.

Sobre a homenagem que lhe vai ser conferida, Joaquim Alves Faria, empresário natural da cidade de Paredes, assumiu, com a frontalidade e simplicidade que lhe são reconhecidas, que não a esperava.

“É uma distinção que me coloca algumas dificuldades, primeiro porque não estou habituado a este tipo de distinções, estes formalismos dos discursos. Na minha longa vida poucas vezes falei, evito fazer discursos, não é uma questão de jeito, é mesmo inibição. Ouço mal o que é uma dificuldade acrescida. Em todo o caso, encaro esta homenagem como um reconhecimento”, disse, salientando ter as suas raízes em Paredes, apesar de de ter residência em S. Mamede de Infesta, e manter ligações afectivas ao concelho, onde criou inúmeras amizades.

Joaquim Alves Faria é conhecido pela sua capacidade empreendedora e dinamismo. Ainda antes do 25 de Abril iniciou-se no cooperativismo de habitação. Fundou a Nortecoope, uma empresa que é ainda hoje uma referência nacional, tendo criado, em Paredes, a primeira cooperativa concelhia, a Paredescoope, em 1984, junto aos Bombeiros de Paredes.

“Esta cooperativa foi criada por mim por uma questão sentimental. À data surgiram outras localidades para acolher a cooperativa de habitação, nomeadamente Guimarães, cidade onde vivi, também, uma grande parte da minha vida, mas acabei por escolher Paredes, precisamente por essa ligação afectiva que mantenho ao concelho”, disse, frisando ter criado posteriormente outras cooperativas de habitação económica, em Matosinhos, Felgueiras, Porto e Guimarães.

No seu conjunto, entre as habitações construídas sob a sigla Nortecoope ou em subsidiadas, construiu cerca de 2.300 habitações na região, mas, também, na cidade do Porto, S. Mamede de Infesta, Maia, Prelada, entre outras localidades.

Trabalhou em várias áreas

Joaquim Alves Faria nasceu no dia 20 de Março de 1932, viveu em Paredes, Castelões de Cepeda e Lordelo, Guimarães e S. Mamede de Infesta, Matosinhos, a sua residência actual, embora tenha, também, casa em Paredes.

Depois de ter concluído a terceira classe na escola primária de Lordelo fez a quarta classe no exército e frequentou o terceiro ciclo.

Em 1974, com a chegada do 25 de Abril, passou a viver em S. Mamede de Infesta, terra onde foram criadas diversas “escolas populares”, com aulas ministradas por jovens universitários, coordenados pelo Professor Walter.

No campo profissional, começou por trabalhar como “marçano” numa loja de retrosaria, em S. Mamede de Infesta, aos 14 anos, curiosamente no local onde 28 anos depois, veio a viver e a implementar a sede das actividades e que foram as mais “marcantes” da sua longa vida. Seguiram-se outros trabalhos nos estabelecimentos do pai, primeiro de electrodomésticos e depois padarias.

Casou em 1953 e pouco depois, assentou “praça” no Regimento de Engenharia 2, já com a sua filha mais velha nascida, facto que lhe permitiu antecipar a saída aos sete meses de tropa.

Depois de ter estado algum tempo numa padaria de Penafiel, acabou por “arranjar” emprego como motorista, numa empresa agrícola, na Quinta de Puços, em Penafiel, propriedade do Rodrigo de Abreu, emprego que veio a influenciar fortemente o seu futuro profissional e político.

Trabalhou numa casa de pronto-a-vestir, propriedade de um irmão do cunhado, Cardoso da Saudade, passando a viver em Guimarães e aqui, com a ajuda de políticos oposicionistas locais, logrou “estabelecer-se” com o mesmo ramo, por “conta própria”, até à chegada do 25 de Abril.

Com a Revolução dos Cravos, Joaquim Alves Faria enveredou pela “profissionalização” na economia social, com pleno êxito e no cooperativismo habitacional e de apoio à infância, tendo fundado, nessa altura, a Nortecoope, a cooperativa-mãe, que já vinha “de trás” e que levou à criação de novas cooperativas concelhias.

““As crianças iam nascendo, obrigaram à implantação de vários equipamentos de apoio: os “Jardins-de-infância e creches”

Através da cooperativa de habitação Portocoope em “parceria”, com outras, construiu a “Cidade Cooperativa da Prelada”, com cerca de mil fogos e criou um “Jardim de Infância”,obra que ficou conhecida pela qualidade técnica da sua gestão e que continua a ser um equipamento de referência na cidade do Porto.

Além da vertente da cooperativa de habitação, Joaquim Faria Alves foi um empreendedor que deixou marcas no fomento do cooperativismo de solidariedade social, tendo construído cinco jardins-de-infância e ter criado a Fundação Nortecoope.

“As crianças iam nascendo, obrigaram à implantação de vários equipamentos de apoio: os jardins-de-infância e creches”, expressou, sustentando que a criação da Fundação Nortecoope teve como propósito apoiar os cinco equipamentos de apoio à infância, com cerca de 500 crianças diárias.

“De relevar que se encontra consolidada com adequada capacidade financeira”, acrescentou, sublinhando ter sido um dos fundadores e também membro dos seus órgãos sociais, do organismo de cúpula, a nível nacional, das cooperativas de habitação: a FENACE.

O empresário paredense declarou, também, que foi por uma questão “sentimental”, que escolheu a sua “terra”, para construir uma fábrica de fabrico de “cartão canelado”, que sendo já “líder” do mercado, esta em plena laboração, na Zona Empresarial de Baltar.

Sobre o cooperativismo económico de habitação confessou que sempre esteve ligado às cooperativas, tendo sido sócio de algumas. “Sempre simpatizei com o cooperativismo. Em 1973 fui sócio de uma cooperativa de habitação, fiz parte da direcção, mudei o nome para Norteccope. Fizemos muitas obras e aproveitamos as condições que o 25 de Abril trouxe às cooperativas”, avançou.

No domínio da político, Joaquim Alves Faria foi, igualmente, uma figura que privou com  nomes importantes da cultura democrática e até intelectual avessa ao regime de Salazar, assumindo-se sempre como independente, tendo iniciado a sua formação política possível, em 1951, com apenas 19 anos, com a denunciada, mas “inocente”, colagem de uns poucos cartazes da gorada campanha presidencial do Almirante Quintão Meireles.

Em 1957 acompanhou de perto a campanha eleitoral para as legislativas de 1957, que tiveram como ponto alto na rádio o “quarto de hora da verdade”, em que o seu “patrão” foi candidato. Em 1958 participou na campanha eleitoral do General Humberto Delgado, tendo, inclusivamente, conduzido o General sem Medo, por diversas vezes durante a campanha eleitoral.

Das muitas viagens que fez com o General Sem Medo, Joaquim Alves Faria recorda-se de estado em Paredes, numa passagem que não estava prevista, com Humberto Delgado a ser engolido literalmente pelas pessoas e do discurso do democrata António dos Santos Grácio que improvisou uma recepção, saudando o general, com seus conhecidos dotes oratórios.

“Mercê do meu emprego tive a oportunidade conduzir o Humberto Delgado por muitos pontos do país. Passei pelas situações mais incríveis que se possa imaginar. recordo-me de uma outra situação com o General Sem Medo no regresso de uma visita à Povoa, para embarcar no comboio que o levaria para Lisboa, o obrigou a uma pausa, para, com a sua caneta de ‘tinta de cor violeta’, que sempre usava, escrever num cartão: “ao Joaquim Faria, pela sua dedicação pró-pátria, pró-liberdade e me ter oferecido uma gravata”, afiançou, confirmando ter vivenciado com entusiasmo os tempos que se seguiram, até ao exílio do General, facto que motivou a Pide para as suas prisões, em 1959 e 1960.

Ao Verdadeiro Olhar, o empresário recordou, também, os tempos que esteve em Guimarães durante mais de uma década, enquanto desenvolvia a sua actividade profissional, onde acompanhava e desenvolvia em paralelo as actividades politicas que as circunstâncias permitiam e privou com homens como Santos Simões, que se dedicaram às causas das liberdades democráticas e foi autor do livrinho “A Nova Cartilha do Povo” e outros como Eduardo Ribeiro. “A “cartilha” de Santos Simões passou a ser avidamente disputada, agora já em todo o país, contribuindo para o “agitar” com sucesso das massas populares”, avançou.

Em 1969, as “eleições” para a Assembleia Nacional agitaram o país, surgindo duas tendências: a Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD) de Mário Soares e a Comissão Democrática Eleitoral (CDE) unitária, de que Joaquim Alves Faria fez parte.

O empresário de Paredes chegou a fazer parte da Comissão Distrital de Braga.

“Nunca estive ligado, antes e depois de Abril, a qualquer partido político, o que foi um milagre face a todas as solicitações que me foram feitas em todos estes anos”

Nas lutas em que participava, foi muitas vezes “referenciado” pela Polícia, como aquando da célebre reunião conhecida pela “Plataforma de S. Pedro de Moel”, como sendo um dos vários “sitiados”, com a matricula do carro “anotada”.

“Nunca estive ligado, antes e depois de Abril, a qualquer partido político, o que foi um milagre face a todas as solicitações que me foram feitas em todos estes anos”, disse. A excepção foi uma leve “passagem” pelo efémero PRD, em que foi candidato independente a vice-presidente da Câmara da Maia, referiu, sublinhando ter sido eleito nas listas do Partido Socialista como membro da Assembleia Municipal de Matosinhos e depois como suplente ao executivo da Câmara. Participou nas campanhas eleitorais de Maria de Lourdes Pintassilgo, assim como do General Otelo Saraiva de Carvalho.

Depois do 25 de Abril fez parte da Comissão Nacional do PRD, pelo qual foi candidato à Câmara da Maia em segundo lugar da lista e, depois disso, sempre como independente, foi eleito nas listas do Partido Socialista como membro da Assembleia Municipal de Matosinhos e ao executivo da Câmara de Matosinhos.

Outro dos episódios que faz de Joaquim Alves Faria uma figura transversal e com um percurso de vida inigualável foi a sua ligação ao célebre processo que haveria de levar o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes ao exílio e ao homenageado aos calabouços da Pide, onde esteve detido, por duas vezes, em 1959 e 1960, tendo sido depois libertado.

“Nunca privei com o ex-bispo do Porto, no entanto, fui encarregue de lhe entregar uma carta fechada, que à data não li. Entreguei ao secretário dele na Torre da Marca, próximo do Palácio Cristal, onde era a residência do Bispo. Não sei se a carta que entreguei teve ou não alguma influência na carta que D. António Ferreira Gomes escreveu ele próprio a Salazar na famosa ‘Carta a Salazar’, em que o ex-Bispo do Porto, na sequência das eleições anteriores escreveu uma carta amavelmente critica para o regime de Salazar”, aludiu, sustentando que, à data, tal facto criou uma efervescência grande no país, com os acólitos afectos ao regime a desancar no Bispo assim como alguma comunicação social.

“Isso conduziu ao seu exílio durante mais de dez anos”, atestou, reconhecendo que após este episódio decorreram factos subsequentes que acabaram por o envolver neste trama.

“Fui alvo de uma especial vigilância policial na década de 60, ligada entre outros, com a célebre ‘Carta do Bispo do Porto a Salazar’. Fui em dos que dactilografamos e tipografamos milhares de exemplares”

“Fui alvo de uma especial vigilância policial na década de sessenta, ligada entre outros, com a célebre ‘Carta do Bispo do Porto a Salazar’. Fui em dos que dactilografamos e tipografamos milhares de exemplares. Entretanto, fui preso. O General Humberto Delgado exilou-se na embaixada do Brasil e passado algum tempo Rodrigo de Abreu exilou-se na embaixada de Cuba, tendo sido levado por mim num Ford. Regressei ao Porto e apanharam-me numa mercearia. Estive 111 dias preso e 38 horas da chamada estátua. Não posso dizer que tenham sido de uma violência atroz para comigo. Não foi fácil, mas não foi tão execrável como o fizeram a outros”, confirmou.

Joaquim Alves Faria  foi, igualmente, uma figura marcante no desporto, foi dirigente desportivo, foi presidente da Assembleia Geral do União Sport Clube de Paredes, sendo através da Fundação Nortecoope o maior benemérito do clube.

“Recordo-me de uma altura em que o clube passou por uma crise financeira, com processos judiciais, o campo das Laranjeiras é levado à hasta pública para ser vendido em leilão em carta fechada. Não vi movimentação nenhuma, apatia grande, e convenci a fundação de que sou presidente a comprar o campo com a condição de que o campo seria sempre do União”

Através da Fundação Nortecoope, Joaquim Alves Faria sempre esteve presente nas dificuldades da sua União, mormente na crítica situação das Laranjeiras, influenciando a Fundação para a licitação, de modo a que o União lá continuasse a jogar, tendo cedido o campo à câmara municipal, sem qualquer lucro.

“Recordo-me de uma altura em que o clube passou por uma crise financeira, com processos judiciais, o campo das Laranjeiras é levado à hasta pública para ser vendido em leilão em carta fechada. Não vi movimentação nenhuma, apatia grande, e convenci a fundação de que sou presidente a comprar o campo com a condição de que o campo seria sempre do União através de um protocolo de amizade que seria estabelecido”, confessou, admitindo ter comprado o campo por mais de 75 mil contos, tendo sido cedido à câmara pelo mesmo preço sendo que o preço de venda à autarquia seria aquele que a câmara conseguisse com a venda em hasta pública de duas lojas que tinha em frente ao cemitério, onde presentemente se encontra um banco.

Sobre este facto, Joaquim Alves Faria referiu ainda: “As lojas eram da câmara e trocamos o campo pelas lojas. A câmara tinha de fazer um concurso público e o dinheiro que aquilo desse era para nós. Foi tudo combinado com o Granja da Fonseca que, diga-se ao contrário do que muita gente pensa, teve sempre uma atitude correcta. Estou certo que com o Granja da Fonseca as coisas não teriam ocorrido conforme vieram a ocorrer. Não tendo ficado escrito qualquer documento vinculativo, tacitamente assim foi entendido pelos dois”, expressou, assegurando que as lojas foram vendidas por mais de 250 mil euros, tendo o saldo sido doado ao União Sport Clube de Paredes.

“Tenho a fotocópia desses cheques e para que o clube pagasse dívidas aflitivas que tinha”, concretizou, lamentando a cidade desportiva seja hoje um “simulacro”, encontrando-se numa situação “vergonhosa”.

Joaquim Alves Faria foi um dos primeiros subscritores do “Manifesto pelas Laranjeiras”, facto que admite ter influenciado as deliberações camarárias do actual executivo, chefiado por Alexandre Almeida, tendentes a que, finalmente, a União de Paredes volte à casa que foi sua, utilizando-a ao serviço do desporto concelhio.

“Este executivo da câmara desde a primeira hora nunca recusou a ideia que era necessário o União voltar a jogar no Estádio das Laranjeiras. Muito recentemente fomos surpreendidos com deliberações da câmara municipal que vêm comprovar que a autarquia cumpriu aquilo que prometeu aos subscritores do Manifesto das Laranjeiras e deu passos significativos em termos documentais para que o União Sport Clube de Paredes volte a jogar num Estádio que foi seu”, enunciou.

Ainda no domínio do desporto, o empresário paredense fundou a equipa de Hóquei em Patins Nortecoope, que disputou o campeonato Nacional em vários escalões e foi por várias vezes campeão nacional em femininos e criou a equipa de hóquei em patins da Nortecoope masculino que militou na segunda e primeira divisão.

As equipas femininas de hóquei em patins alem da conquista durante anos dos campeonatos nacionais foram vencedoras, por várias vezes, da “Taça Mundial de Clubes”, aglutinou atletas de alto gabarito, que além da sua capacidade técnica, eram, sobretudo, estudantes aplicadas, hoje gente academicamente qualificada.

Promoveu a construção do Pavilhão Desportivo da Maia, tendo doado este equipamento à Câmara da Maia, sem qualquer contrapartida, apenas que o hóquei lá continuasse, compromisso tácito que sempre foi respeitado.