O não Natal

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Fernando Sena featuredNestes dias de festa aguardando o Menino deu-me a pensar nos que vão ter um Natal triste, como o das famílias daqueles 130 assassinados em Paris ou os milhares de refugiados, uns e outros vítimas do “Estado Islâmico”. Ou o das mães que em França abortam os filhos: mais de 200 por dia. Bem se poderia neste Natal ter presentes os sem Natal, ajudando-os ao menos um pouco nas suas privações de bens materiais ou de paz de espírito. Como a mãe-menina desta história que me mandaram.

Aconteceu nos dias da Passagem de Ano do ano passado, e ficou-me gravado no coração, é uma ferida aberta. Com as férias de fim de ano à porta, tudo voltou outra vez!

A filha de uma amiga foi de férias com amigos para a Serra Nevada. Quando regressou vinha estranha, triste, calada, nervosa. Por mais perguntas que a mãe lhe fizesse, a resposta era um “não é nada, está tudo bem”. A mãe resolveu não a pressionar durante algum tempo. Mas no fim de fevereiro, uma vez que as coisas não melhoravam e a moça passava muito tempo sem sair de casa, disse-lhe que queria saber a verdade e que a queria ajudar. A filha desfez-se em lágrimas e contou tudo, perante a incredulidade da mãe.

Tinha-se envolvido naqueles dias de férias com um dos rapazes do grupo e “sem querer” apareceu grávida. Contou como mais tarde tinha tentado ajuda junto do rapaz e das amigas e como tinha recebido sempre a mesma resposta: “Ah, não te preocupes, agora fazes um aborto! Qual é o problema? As coisas estão facilitadas, é barato, em qualquer hospital te vão ajudar, é só chegar, pedir, assinar! Fechas os olhos e quando saíres já nem te lembras!” Já em casa, queria pensar, ter coragem de falar à mãe, mas hesitava – como iria reagir? Como iria criar um filho aos 17 anos? E o projecto tão desejado da entrada para a faculdade, e tantos outros sonhos que ficariam pelo caminho. Não! Não se via com um bebé ao colo tão cedo, enquanto os amigos se divertiam… Não! Não iria falar à mãe.

Resolveu então ir “lá”, ao sítio onde o namorado – que já não o era mais – lhe tinha indicado. Quando chegou o dia marcado, sentia-se mal, faltava-lhe um colo, pensava na mãe e não lhe saía da cabeça a frase “…fechas os olhos…”. Possuída agora de um vago instinto maternal, de um tremendo sentimento de culpa que lhe magoava o coração, resolveu dentro de si que não iria fechar os olhos. Queria ver como era, o que era… Tinham-lhe dito que “ainda” não era nada… Encheu-se de coragem e olhou… e viu… Viu na mão da enfermeira, de raspão, uma massa ensanguentada, informe… parecia realmente um “nada”. Mas quando a enfermeira se virou, viu que lá no meio qualquer coisa mexia, alguma coisa batia fortemente, decididamente, desafiadoramente. Horrorizada, perdida, partida e só, atreveu-se a perguntar à enfermeira o que iria fazer “àquilo”. “ O quê? A ‘ISTO’? Vou deitar fora!” E a rir, trocista, levantou a mão e atirou brutalmente com “aquilo” para o caixote do lixo.

Nessa hora, a vida desfez-se dentro dela, e o mundo parou. Tinha deitado ao lixo não só o seu bebé, mas a si própria também. Aquela massa informe e ensanguentada estava cheia de vida! Louca de dor, pensou em ir ao lixo buscá-la. Mas… para quê, como, o que iria fazer com “aquilo”? À saída do hospital sentou-se num jardim e chorou. E chorou. E chorou. E hoje continua a chorar. Finalmente pôde chorar no colo da mãe, e pôde receber o choro da sua mãe no seu colo de filha, e de mãe também. A cicatriz é funda, será que algum dia vai conseguir sarar? Aconteceu nuns dias de férias sem Deus.…