Nulidade ou método proibido de prova?

0

Tem sido frequente a alegação, por parte do arguido, da nulidade a que o artigo 134.º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP) faz referência: “a entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento”.

Contudo, urge esclarecer:
– Para que regime nos remete o artigo 134º, nº 2, do CPP? Para o regime geral das nulidades (artigos 118.º e seguintes do CPP) ou para o regime dos métodos proibidos de prova (artigo 126.º do CPP)?
– Até quando pode o vício ser invocado?
– Quem possui legitimidade para o invocar?

No que respeita à primeira questão, importa desde logo verificar qual o interesse que o artigo 134.º do CPP pretende salvaguardar. Ora, a razão de ser da norma em análise é “poupar a testemunha ao angustioso conflito entre responder com verdade e com isso contribuir para a condenação do arguido, ou faltar à verdade e, além de violentar a sua consciência, poder incorrer nas sanções correspondentes” (vide Ac. do STJ – processo nº 356/17.6GACSC-A.S1, de 21 de Março de 2019). Não está em causa evitar a tortura, a coacção, a ofensa da integridade física ou moral das pessoas, nem a violação da vida privada. Até porque, para haver “intromissão” na vida privada da testemunha teria que haver uma ação do tribunal violadora desse bem jurídico. O que está em causa não é a violação da vida privada, mas a omissão de uma formalidade que a lei comina com nulidade. Deste modo, dúvidas não restam de que o regime aplicável é o regime geral das nulidades (artigos 118.º e seguintes do CPP).

Para responder à segunda pergunta, cumpre primeiramente clarificar que, dado que a nulidade dali decorrente não consta do elenco configurado pelo artigo 119.º do CPP (nem consta, como tal, noutra norma), a mesma assume a natureza de nulidade sanável ou relativa. De tal modo que, é por isso dependente de arguição até à conclusão do depoimento, nos termos do disposto no artigo 120.º, nº 3, alínea a), do CPP.
Por fim, a resposta à terceira questão. Só a própria testemunha ou a/o assistente, no caso do artigo 145.º, n.º 3, do CPP, têm legitimidade para invocar a nulidade, pois que só estes podem ser considerados interessados. Deste modo, ainda que se considerasse que o regime aplicável era o do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, sempre o consentimento teria de ser dado pela testemunha ou assistente e não pelo arguido.

Note-se que, quando está em caso o depoimento do assistente, a atitude assumida por este, quando depõe, de não invocar a nulidade e ainda se constituir assistente, demonstra inequivocamente que é seu interesse colaborar com o Ministério Público na descoberta da verdade. Permitir que a nulidade fosse invocada pelo arguido seria subverter o sistema.
Esta foi a orientação seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº 356/17.6GACSC-A.S1, de 21 de Março de 2019.

Em sentido oposto Paulo, Pinto de Albuquerque, em comentário ao Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 362, em anotação ao artigo 134.º do CPP.

Lígia Costa Santos, advogada