A confusão está instalada em Valongo e Ermesinde. Parece que ninguém sabe muito bem o que fazer em relação ao estacionamento pago. Há quem continue a pagar, com medo das “multas”, há quem já não se dê ao trabalho de tirar o talão e quem garanta que não vai pagar nenhum dos avisos que estão a ser colocados, deitando-os ao lixo.

Mas a empresa concessionária, a Parque Ve, garante que vai continuar a realizar as “acções de vigilância” que estão previstas no contrato de concessão e no regulamento municipal para as quais foi mandatada e que a proibição de “fiscalização” realizada pela Câmara de Valongo, no início de 2019, “é ilegal e inválida”.

Já o município, garante que a empresa “não pode continuar a fiscalizar” e que uma vez que “está proibida de exercer a fiscalização, os avisos de pagamento que emitir não são válidos”. Não deixa, no entanto, de deixar um alerta à população. Até ser concretizado o resgate das duas concessões a responsável pela fiscalização é a Câmara Municipal. “A utilização dos lugares de estacionamento nas zonas de estacionamento de duração limitada, em Valongo e Ermesinde, está sujeita ao pagamento de uma taxa, conforme estabelecido no Regulamento Municipal de Trânsito e de Estacionamento de Duração Limitada. Nesse sentido, os cidadãos que necessitarem de utilizar um destes lugares de estacionamento devem proceder ao pagamento das taxas previstas no referido Regulamento (o que não tem qualquer ligação com o resgate da concessão ou com a proibição da fiscalização por parte da empresa concessionária)”, refere a resposta enviada ao Verdadeiro Olhar.

“Não somos contra os parquímetros, mas contra esta tolerância zero”

Logo no arranque de 2019, a Câmara de Valongo anunciou que ia resgatar as concessões de estacionamento à superfície de Valongo e Ermesinde, por “interesse público”. A medida foi aprovada por unanimidade em reunião de executivo. Logo nessa altura, José Manuel Ribeiro avançou que a concessionária estava proibida de realizar a fiscalização porque os seus funcionários não têm equiparação a agentes da autoridade administrativa. O presidente da autarquia garantia ainda que a autarquia não deu seguimento a nenhum processo para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), pelo que não haverá emissão de multas relativas a 2018, e que o objectivo era passar a ser o município a gerir o estacionamento pago, que iria baixar de preço.

O processo de resgate, só estará concluído em seis meses, mas até lá, diz a autarquia, seria a própria câmara a fiscalizar o pagamento.

Mas nos últimos dias a população só tem uma certeza: nada mudou e a “caça à multa” tantas vezes denunciada no ano passado mantém-se, com os “fiscais” da empresa a não darem qualquer tolerância. Além disso, instalou-se a confusão, porque apesar da proibição os funcionários da empresa Parque Ve continuam a emitir avisos que ninguém sabe se tem que pagar.

“As pessoas vêm cá perguntar se devem colocar ou não talão. Eu esta semana não coloquei e não pago as multas”, conta Maria Loureiro. A comerciante recorda que, no final do ano passado, tinha um talão ainda válido e foi multada antes do tempo terminar. “Há muita gente a queixar-se do mesmo”, relata.

“Não somos contra os parquímetros, mas contra esta tolerância zero. Todos os dias há discussões com fiscais e pessoas a reclamar. Depois do resgate que a câmara anunciou continua tudo igual, uma marcação cerrada”, garante a valonguense.

Também no centro de Valongo, Catarina Almeida está a par da proibição do município, mas tem visto os avisos a serem colocados regularmente. “Sei que a câmara proibiu a empresa de fiscalizar. Mas isto é mesmo caça à multa. As pessoas hesitam. Ainda pus talão hoje de manhã e já os vi a multar pessoas. A câmara diz que devemos chamar a polícia, mas anda aí uma confusão”, refere a comerciante.

Nesta empresa há cerca de 180 euros de avisos de pagamento acumulados. “Aqui chegou-se ao ponto de um colaborador estacionar para vir cá dentro buscar dinheiro para gasóleo e ser multado”, dá como exemplo. “A tolerância de 15 minutos nunca foi aplicada. Às vezes esperavam à beira do carro para multar”, afirma.

Por outro lado, lamenta as influências que esta situação trouxe ao comércio local. “O comércio de Valongo morreu desde Maio. As pessoas fugiram para não apanhar multas”, descreve.

“Estas multas não são válidas. Não vou pagar esta multa, vou contestar perante a empresa”

Os relatos de “abusos” são muitos. “Há cerca de um mês coloquei o talão e fui ao barbeiro. Tinha ultrapassado só em 15 minutos o tempo quando voltei e já tinha um aviso para pagar, o que fiz de imediato. Tenho ouvido falar de alterações, mas na dúvida tiro o talão”, diz Armando Magalhães, de Gondomar.

O mesmo receio faz Dulce Martins jogar pelo seguro. “Vi nas redes sociais a dizer que não podem cobrar, mas tenho visto os funcionários a colocar as multas. Não sabemos o que fazer. Fui ali às Finanças e meti moeda por receio”, descreve a valonguense. “Já me aconteceu ir trocar moedas para colocar no parquímetro e quando cheguei ao carro ter uma multa”, afirma.

“Tenho-os visto a fiscalizar e na dúvida ponho o talão, assim não me chateio. Mas as pessoas não sabem o que fazer”, concorda Simão Silva.

Já Ana Ferreira decidiu fazer um teste esta terça-feira. Colocou o carro propositadamente num local de estacionamento pago e não pagou. “Foi dito que já não ia haver fiscalização da empresa, mas continuam a multar. Hoje estacionei aqui para ver se iam multar ou não. Estas multas não são válidas, só seriam se fossem emitidas pela PSP, GNR ou Polícia Municipal. Não vou pagar esta multa, vou contestar perante a empresa”, garante.

“A concessionária continuará a cobrar os preços devidos pela utilização dos lugares pagos que lhe foram concessionados”

Para a Parque Ve nada mudou. A empresa confirma que foi notificada da intenção do município em resgatar as concessões, tema sobre o qual ainda se vai pronunciar, cumprindo os prazos, até ao final desta semana. “Os efeitos das projectadas decisões de resgate, de acordo a comunicação feita à concessionária, apenas se verificam no prazo de seis meses a contar de tais decisões definitivas”, esclarece.

Por isso, a “concessionária continuará a cobrar os preços devidos pela utilização dos lugares pagos que lhe foram concessionados, com colocação de avisos de pagamento, de acordo com os contratos de concessão e regulamento municipal”, informa a empresa. À Câmara de Valongo já foi enviado, no dia 7, um recurso hierárquico que aguarda decisão.

Nesse documento, a que o Verdadeiro Olhar teve acesso, a Parque Ve volta a salientar que não exerce poder de fiscalização nem aplica contra-ordenações. “Nenhuma actuação ilegal ou ilegítima em termos de fiscalização de estacionamento foi levada a cabo pela Parque Ve”, alega a concessionária. Sendo assim, não encontra justificação na proibição da câmara, cuja actuação administrativa é “ilegal e inválida” e da qual a empresa exige a nulidade ou avançará judicialmente.

“A empresa tem-se cingido à interpelação de utentes para o cumprimento de obrigações pecuniárias de acordo com a lei e o regulamento municipal de trânsito e estacionamento de duração limitada”, realizando “acções de vigilância dos incumprimentos”, alega ainda.

Já sobre o processo de equiparação a agentes da autoridade administrativa dos funcionários, a empresa sustenta que foi iniciado há um ano junto da ANSR e não está concluído por razões “não imputáveis” à concessionária.

Câmara está em “incumprimento contratual”, diz concessionária

A Parque Ve acusa ainda a autarquia de Valongo de estar em “incumprimento contratual”, porque se tinha “comprometido a manter um fiscal camarário na fiscalização do estacionamento em Valongo e Ermesinde que teria como função a comunicação de infracções às entidades competentes”, nomeadamente a ANSR.

Desta forma, a concessionária considera que o comportamento do município tem representado aos olhos dos utilizadores “um apelo generalizado ao incumprimento, o que configura violação contratual grave”.

Na resposta enviada, a empresa lembra ainda que o município de Valongo tem recebido desde há cerca de seis meses as contrapartidas estabelecidas no contrato pelas cobranças dos preços dos lugares de estacionamento pagos, incluindo as respeitantes aos avisos de incumprimento, “nunca tendo rejeitado tais valores, pelo que a actuação recente é eminentemente política e fundada em razões de oportunidade associadas à decisão surpresa de resgatar as concessões”.

A Parque VE promete reagir a todas as decisões que afectem a sua actividade e que são lesivas dos seus direitos, nos locais próprios.

“Uma vez que a empresa concessionária está proibida de exercer a fiscalização, os avisos de pagamento que emitir não são válidos”, sustenta a câmara

Contactada, a Câmara de Valongo sustenta que não é legítimo a empresa manter a fiscalização. “A empresa deveria cumprir a ordem que lhe foi dada no dia 2 de Janeiro e não pode continuar a fiscalizar”, argumenta a autarquia. Desta forma, “uma vez que a empresa concessionária está proibida de exercer a fiscalização, os avisos de pagamento que emitir não são válidos”, acrescenta, garantindo que o município está a utilizar “todos os meios e instrumentos jurídicos ao seu dispor para impor o cumprimento da ordem que foi dada à concessionária, uma vez que esta não a acatou voluntariamente”.

Sobre o recurso hierárquico interposto, a autarquia diz que a resposta será proferida no prazo legal, mas que os argumentos usados pela concessionária não dão fundamento “para alterar a posição assumida”.

“Até se consumar o resgate (o que deverá acontecer no Verão de 2019) mantém-se o contrato de concessão e o regulamento em vigor. A única alteração é que a fiscalização do pagamento passa a ser feita pela Câmara Municipal de Valongo”, frisa o município.

A autarquia nega que tenha sido feito qualquer apelo “ao não pagamento”. “O município emitiu um esclarecimento à população no sentido de que a empresa está proibida de fiscalizar. Não existe qualquer violação do contrato por parte do município. Quem está a violar as disposições legais e contratuais ao manter os seus fiscais na rua a fiscalizar, a emitir os avisos e procurar cobrar esses avisos é a concessionária”, acusa a mesma fonte.

Questionada sobre os valores recebidos da concessionária nos últimos meses, a Câmara de Valongo não esclarece qual o montante em concreto, mas assume que o contrato de concessão “sempre previu o pagamento à Câmara Municipal de Valongo de uma percentagem da receita dos parquímetros, que neste momento é de 7%”.

À população, a autarquia valonguense deixa um esclarecimento. “A utilização dos lugares de estacionamento nas zonas de estacionamento de duração limitada, em Valongo e Ermesinde, está sujeita ao pagamento de uma taxa, conforme estabelecido no Regulamento Municipal de Trânsito e de Estacionamento de Duração Limitada. Nesse sentido, os cidadãos que necessitarem de utilizar um destes lugares de estacionamento devem proceder ao pagamento das taxas previstas no referido Regulamento (o que não tem qualquer ligação com o resgate da concessão ou com a proibição da fiscalização por parte da empresa concessionária)”, salienta.

Sobre o tratamento dos avisos, o município volta a garantir que, visto que a empresa concessionária não tem fiscais equiparados a agentes de autoridade administrativa, os processos não estão a ser encaminhados. “Os avisos de liquidação levantados pelo pessoal de fiscalização ao serviço da Parque Ve, nas zonas de estacionamento concessionada, não podem dar origem a qualquer processo de contra-ordenação, nem ser encaminhados para a ANSR por falta de equiparação destes a agentes de autoridade administrativa”, conclui.