José Baptista PereiraTodos os anos há incêndios florestais, todos os anos há heróis e vítimas, todos os anos se renovam as queixas e as promessas e todos os anos há quem ganhe e quem perca com estes eventos que enchem de forma fastidiosa os telejornais.

Não é um fenómeno apenas nosso mas é algo que já aborrece ver e ouvir. Ano após ano, vemos desaparecer um pouco mais do melhor que temos, as paisagens paradisíacas deste jardim à beira mar plantado. É grave. É muito grave quando o que se destrói é uma das maiores riquezas de um país à beira de um ataque de nervos. É muitíssimo grave quando nós sabemos que temos pouco e o pouco que temos deveria estar a ser aplicado na melhoria das condições para acolher turistas que são uma das principais fontes da nossa economia. Pelo contrário, estes fogos afastam-nos e para corrigir as suas funestas consequências ainda teremos que aplicar esse pouco que nos resta. Que sina. Não admira que o balanço económico deste trimestre também não nos seja favorável.

Mas então o que há de novo? De novo há a constatação de que em vez de termos progredido, regredimos. Se a memória não nos atraiçoa, já fizemos mais do que estamos a fazer para prevenir os incêndios. O diagnóstico já foi feito mais do que uma vez. Chegou a haver um debate alargado, envolvendo profissionais, políticos e universidades. Fizemos legislação, criamos grupos de trabalho, promovemos a participação pública, reforçámos o equipamento dos Bombeiros, reorganizámos a Proteção Civil. Resultou durante algum tempo mas há alguns anos que damos sinais de fadiga e de relaxe. São os ciclos políticos. Deixou de ser prioridade no governo liberal.

Apesar de tudo, nem todos os anos são iguais e este tem sido o mais fustigado por esta desgraça. E a razão não será só das condições climáticas. Dizem que há mão criminosa na sua origem. Nós acreditamos que sim, mas pirómanos e assassinos a soldo não são exclusivos nossos e quem arde somos nós. Temos a noção de que houve nos últimos dois anos, uma maior negligência na aplicação de medidas preventivas. Houve um tempo em que se efetuavam, antes dos meses quentes de verão, apelos televisivos às limpezas dos terrenos, principalmente nos que rodeiam as habitações. Alertava-se para o risco de fazer fogo e fogueiras nas matas e parques. Criaram-se os GIPS para fazer cumprir a Lei. Alguns anos atrás foram anunciadas e aplicadas várias experiências de tecnologia, vídeos e detetores de incêndio, desenvolvidos pelas Universidades de Aveiro e do Porto. Recordo-me de ter assistido à contratação de voluntários, desempregados e estudantes, para patrulharem e vigiarem as florestas. Atuavam a pé, a cavalo ou de bicicleta e fizeram desse serviço cívico uma aventura. Foram construídas torres de vigia, muitas delas dotadas de sistemas de comunicação que permitiam um alerta rápido para as corporações de bombeiros e para as forças da GNR. Em alguns concelhos criaram-se brigadas para limpeza das matas e abertura de estradões corta-fogo. Na verdade, nesses anos ocorreram menos fogos e os que se iniciaram foram mais facilmente debelados.

O que aconteceu entretanto? Porque é que esses planos de prevenção não tiveram continuidade? Pelo menos nós, os cidadãos comuns, não demos conta que tivessem existido. Lembro-me da polémica levantada pelos concursos de empresas privadas detentoras dos meios aéreos de combate aos incêndios. Lembro-me da luta de poder entre as várias entidades civis, militares e paramilitares para saber quem deveria comandar as operações. São muitas as entidades e os níveis de decisão estão cada vez mais longe do terreno. Se resolveram as ações de combate do grande fogo e a coordenação regional e nacional, descuraram as medidas de prevenção local. Para prevenir é preciso investir para não ter que gastar com o combate. Ouço com frequência dizer que as autarquias não têm meios para exercer as suas obrigações e competências. Ouvi recentemente o presidente da Câmara de Arouca confirmar que apenas controla 20% do território florestal do seu concelho. E as juntas de freguesia, nem têm dinheiro nem competência. Nas zonas rurais e urbanas há casas e terrenos abandonados onde o mato cresce e desfigura a paisagem para alem de constituírem um rastilho à espera da ignição. Porque nos admiramos? Têm dono? Responsabilizem-nos, obriguem-nos a limpar os terrenos, apliquem as coimas. Não têm dono? Então que sejam integrados no património das freguesias que zelarão para que produzam sem constituírem risco. O PM já disse que essa será uma das medidas a tomar. Já vem tarde.

O diagnóstico está feito, há que legislar e aplicar a Lei. Será necessário investir para proteger e quanto mais tarde o fizermos mais caro nos fica. É necessário ser eficiente ao nível do cidadão e da pequena propriedade e aí as autarquias têm que ter uma palavra, autonomia, autoridade e meios humanos e financeiros para proteger os seus territórios e os seus fregueses. Na era da tecnologia já não basta limpar os terrenos, como dizem. Mais do que adquirir ou contratar aviões dispendiosos é preciso investir no terreno para que não sejam necessários. Se os fogos forem detetados no seu início, a necessidade de meios aéreos será pontual. Voltem as torres de vigia, os instrumentos eletrónicos de deteção de fogos, aumentem o número de sapadores florestais e deem competências e meios às freguesias e municípios para organizarem os seus próprios serviços de voluntários nos períodos mais críticos. As estruturas regionais e nacionais são importantes para os grandes fogos mas o cerne da questão parece ser a prevenção e o combate do pequeno fogo por onde tudo começa e devia acabar. Mais uma vez concluímos que a solução está no reforço das competências das autarquias e no fornecimento dos meios financeiros para que se organizem e apliquem as medidas necessárias. E depois? Investiguem cada ignição, controlem os resultados e responsabilizem os autarcas, mas só depois de criadas as condições…