Se é de Penafiel talvez se lembre do menino que jogava à bola e andava de bicicleta na rua, na Avenida Sacadura Cabral, ou do bom aluno apaixonado pela matemática e pela química. Mas o menino cresceu. E hoje, David Carvalho, de 36 anos, trabalha no Goddard Space Flight Center da NASA, nos Estados Unidos da América, na investigação de alterações climáticas, lado a lado com alguns dos melhores cientistas do mundo.

O penafidelense, que agarrou esta oportunidade de trabalho no estrangeiro por falta de opções no país, não esconde que, no futuro, espera poder voltar a morar em Portugal e em Penafiel.

 

Criado entre a Avenida Sacadura Cabral e o Largo da Ajuda

David João da Silva Carvalho nasceu há 36 anos na freguesia de Penafiel. Passou a infância na Avenida Sacadura Cabral e no Largo da Ajuda, onde moravam os pais e os avós. “Guardo muitas e boas memórias desses tempos, onde passava muito tempo a brincar com amigos e vizinhos na rua, a jogar futebol, andar de bicicleta e a jogar as escondidas! Lembro-me particularmente de uma altura em que a Avenida Sacadura Cabral esteve fechada ao trânsito por várias semanas (ou até meses), para mudarem o pavimento. Nessas semanas sem carros, passávamos o tempo todo a andar de bicicleta e a jogar futebol na avenida inteira!”, recorda o investigador ao VERDADEIRO OLHAR.

Passou pela Escola Básica Conde Ferreira, a Escola Preparatória do Agrupamento D. António Ferreira Gomes e a Escola Secundária de Penafiel. Era bom aluno e gostava de estudar, garante, embora quase só estudasse antes dos testes. Matemática e Química eram as disciplinas preferidas.

Saiu do concelho para ingressar na universidade. Licenciou-se em Engenharia do Ambiente e Meteorologia e Ocenanografia Física, fazendo ainda um Mestrado em Meteorologia e Ocenanografia Física e um Doutoramento em Física, sempre na Universidade de Aveiro. “Sempre gostei das áreas de Ciências da Terra, Climatologia e Energias Renováveis”, explica David Carvalho.

Foi durante a passagem pela universidade, quando era bolseiro de investigação, que conheceu Slavka, natural da Eslováquia, com quem casou e que, actualmente, também é investigadora na NASA.

Com a esposa, e também investigadora, Slavka Carvalho

Emigrou devido à falta de oportunidades em Portugal

Enquanto realizava o doutoramento, foi também bolseiro de investigação no Departamento de Energia Eólica do INEGI – Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, durante cerca de dois anos e meio.

Em 2014, quando terminou o doutoramento, houve uma redução de financiamento para a Ciência e Investigação no país, tornando escassas as oportunidades de emprego. “Não tinha a mínima intenção de emigrar nessa altura, até porque o meu filho tinha nascido há pouco tempo, mas, devido à falta de oportunidades em Portugal, comecei a procurar outras oportunidades no estrangeiro”, conta.

Começou a procurar alternativas e candidatou-se a um concurso da NASA. “Quando recebi a notícia que tinha sido o seleccionado nem hesitei!! A questão de querer ou não emigrar passou para segundo plano porque são oportunidades únicas na vida que não se podem recusar”, sustenta o investigador, que trabalha no Goddard Space Flight Center da NASA.

“A poucos meses de nos mudarmos para os EUA, abriu uma vaga para Investigadora, por coincidência também no Goddard que felizmente a Slavka conseguiu obter!”, acrescenta.

Por isso hoje, no mesmo edifício, apenas a um corredor de distância de David, também a esposa, Slavka Carvalho, de 37 anos, que tem uma licenciatura e um mestrado em Química Nuclear e um doutoramento em Materiais Inorgânicos e Tecnologia, trabalha na NASA. Mais concretamente no Planetary Environments Laboratory, na equipa de análise de dados do Sample Analysis at Mars (SAM), um conjunto de instrumentos a bordo do rover MSL (Mars Science Laboratory) em Marte, mais conhecido como Curiosity.

 

“É impossível ficar indiferente ao facto de estarmos a trabalhar num local de referência a nível mundial, lado a lado com os melhores cientistas”

David Carvalho trabalha no Global Modeling and Assimilation Office, um grupo de previsão/modelação meteorológica e climática da NASA. A investigação que desenvolve passa pelas tecnologias de instrumentação meteorológica de última geração, “muitas ainda numa fase embrionária”, que seguem a bordo de satélites, e pela simulação do impacto que estas tecnologias poderão ter na previsão do tempo e outros fenómenos meteorológicos. “Nos últimos meses o meu trabalho tem-se centrado na investigação de uma geração futura de “cubesats” (satélites de pequena dimensão) meteorológicos que a NASA tem em mente, simular como serão as suas medições e avaliar que impacto poderão ter quando assimiladas no nosso modelo meteorológico”, explica.

Chegar a um país novo, sobretudo com um filho pequeno (um ano), não foi fácil no início, confessa. “Foi tudo um bocado assustador, principalmente porque iriamos emigrar com um bebé de um ano para um país completamente novo, sem nenhum tipo de apoio por lá. Não tínhamos ninguém conhecido ou um ‘amigo de um amigo’ que nos pudesse dar uma ajuda ou conselhos. Se fossemos só eu e a Slavka obviamente seria tudo muito mais simples, mas com o nosso filho ainda tão pequeno tivemos que estabelecer tudo (casa, infantário, etc.) o mais rápido possível, isto tudo no pico de um Inverno com temperaturas abaixo de 15 graus e com mais de meio metro de neve nas ruas”, recorda o penafidelense. A isso, juntam-se ainda as saudades dos amigos e da família.

Depois há o outro lado, o de trabalhar com algumas das mentes mais brilhantes do mundo. “É impossível ficar indiferente ao facto de estarmos a trabalhar num local de referência a nível mundial, lado a lado com os melhores cientistas, desde prémios Nobel a cientistas que ainda há uns meses víamos apenas no Discovery Science, pessoas realmente fora de série. É muito motivador”, refere. Num ambiente competitivo mas saudável e com espírito de equipa e entreajuda, o português diz sentir que o que faz “tem realmente impacto e valor para a sociedade”.

“Queremos ser capazes de corresponder à oportunidade que nos foi dada numa das instituições de investigação mais avançadas, competentes e famosas do mundo, onde tudo o que se faz é escrutinado e noticiado ao pormenor com grande impacto nos ‘media’ americanos e a margem para o erro é muito pequena”, descreve David Carvalho.

“Claro que gostaria de voltar a morar em Penafiel”

Também a chegada no primeiro dia ao edifício da NASA marcou o penafidelense: “Foi um impacto muito grande, pois começa logo com o facto de o Centro ser fortemente policiado e o acesso ao mesmo ser muito restrito. Depois de entrar, é impossível não ficar impressionado com alguns edifícios quase do tamanho de hangares de aviões, com inúmeras antenas gigantescas. Apesar do Goddard ser um centro antigo (foi o primeiro centro espacial da NASA, nos anos 50), o edifício onde trabalhamos é dos mais recentes, onde tudo é muito ‘high-tech’, cheio de ecrãs gigantescos onde são passadas imagens e animações fantásticas da Terra e do Sistema Solar. No átrio principal está exposta uma pedra enorme com pegadas de dinossauros que foram encontradas aquando das escavações para a construção do edifício”.

Entre os benefícios de trabalhar no maior centro de investigação dos EUA (e um dos maiores do mundo) em termos de ciências terrestres, planetárias e espaciais, David Carvalho aponta, por exemplo, a oportunidade de assistir ao vivo a diferentes fases da construção do telescópio espacial James Webb, um dos principais e mais mediáticos projectos do Goddard, ou de todas as semanas existem eventos e palestras onde “estrelas” antigas e recentes da NASA, desde astronautas das missões Apolo, cientistas envolvidos nas missões mais famosas como a Viking a Marte nos anos 70 ou a mais recente New Horizons a Plutão contam as suas histórias.

Sobre os planos para o futuro, o investigador penafidelense assume que, com a eleição de Donald Trump, tudo é, para já, uma incerteza e o sentimento da comunidade científica é de apreensão. “É sabido que a nova administração pretende reduzir significativamente o orçamento da NASA, principalmente para as ciências terrestres e do clima, onde eu trabalho. Ainda não há certezas, o novo orçamento só será divulgado e discutido nos próximos meses, mas pelo que se tem assistido até agora o panorama não é nada animador, especialmente para cientistas estrangeiros”, refere.

Se qualquer forma, tanto David como Slavka não escondem que a médio prazo, pretendiam regressar a Portugal.

“A minha experiencia profissional é muito diversificada, já tendo passado por energias renováveis e alterações climáticas, pelo que acho que poderia perfeitamente desenvolver a minha investigação científica em Portugal nestas áreas”, sustenta o investigador.

Voltar à terra natal também não está fora de hipótese. “Claro que gostaria de voltar a morar em Penafiel”, assume David Carvalho.