“O prejuízo mensal da Misericórdia de Paços de Ferreira era de 14.200 euros mensais”

Entrevista, Augusto Bismarck, presidente da Mesa da Assembleia Geral da Santa Casa de Paços de Ferreira e antigo provedor da instituição

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Numa altura em que a Santa Casa da Misericórdia de Paços de Ferreira (SCMPF) viveu eleições, Augusto Bismarck, o ainda presidente da Mesa da Assembleia Geral e antigo provedor da instituição, vem desmentir e “desmascarar” várias afirmações da actual provedora, Ana Monteiro, em entrevista ao Verdadeiro Olhar.

Segundo Augusto Bismarck, “é enorme a discrepância entre o conteúdo da entrevista de Ana Monteiro e a realidade”.

Na entrevista que deu ao nosso jornal, Ana Monteiro fez várias acusações, usa expressões como “golpe” e “gestão danosa” e lembra que era um dos principais credores da instituição. Como comenta isto?

A Dra. Ana Monteiro tem a fantástica capacidade para “gerir 350 empresas” (ou 351?), e declarou à Mesa Administrativa da SCMPF que “decidiu apresentar uma lista para os seus órgãos sociais, já que diziam por aí que havia gente a desviar dinheiros da instituição”, o que não é verdade.

Dois exemplos: emprestei 300 mil euros para evitar a paragem das obras de recuperação da Casa de Coqueda – Villa Maria, pois se a obra não fosse terminada tal facto implicaria a devolução, ao ON-2, de todo o financiamento a fundo perdido já investido; de igual sorte, para evitar a manutenção da situação de incumprimento da SCMPF em relação a uma livrança por esta subscrita, no valor de cerca de 117 mil euros, paguei esse débito ao Banco Montepio… Eu e outros Mesários pagamos do nosso bolso certas despesas da responsabilidade da SCMPF, não consideradas essenciais. Tudo questões de somenos importância, para Ana Monteiro, que por isso mesmo omite estas realidades.

Mas houve ou não “gestão danosa”?

Jamais existiu “gestão danosa”, bem como o “golpe” a que alude, sendo que este apenas se concretizou porque Ana Monteiro, continuando a mostrar-se incapaz de negociar a dívida com o casal Gomes, credor da SCMPF, quando este o pretendeu fazer, através do seu novo advogado, Dr. Eiras, o levou a requerer a insolvência da SCMPF. Verificou-se então que a SCMPF “não tinha pago nem um cêntimo ao casal Gomes”. O Dr. Pinto de Almeida, vice-provedor e, em simultâneo, advogado do referido casal, não tinha afinal negociado acordo algum, o que provocou o sobredito pedido de insolvência.

Na qualidade de presidente da Mesa da Assembleia Geral solicitei a Ana Monteiro informação sobre o paradeiro da verba de 29 mil euros, que havia sido entregue ao Dr. Pinto de Almeida (mandatário do casal), para negociar um pagamento a prazo. Após meses de espera sem resposta, em que o silêncio da Provedora da SCMPF não fica bem na fotografia, foi instaurado o processo-crime que se impunha, no âmbito do qual foi já proferido despacho de acusação do Ministério Público contra o Dr. Pinto de Almeida, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado e de três crimes de falsificação de documento. Uma simples leitura deste despacho, permitirá entender quem praticou um golpe, em desfavor da SCMPF… Certo é que este “golpe” quase passava despercebido, não fosse o zelo e competência do Dr. Eiras, ao suscitar a insolvência da instituição. Parece que, entretanto, o Dr. Pinto de Almeida penhorou a “Maternidade”!

Apesar de dizer que está mais preocupada em salvar a Santa Casa, Ana Monteiro não deixa de culpar os antigos provedores, como é o seu caso, pelo actual estado da instituição.

É fácil atirar culpas, mas também é fácil demonstrar, através da realidade dos números, como funciona actualmente a SCMPF e a evolução que poderia e deveria ter sofrido sem “castigar” os utentes. Senão vejamos, em 2015 o lar tinha 52 utentes e uma despesa global mensal de 44.200 euros. Os proveitos mensais da Segurança Social para 44 utentes (500 euros cada) eram de 22 mil euros e os proveitos particulares de oito utentes (mesmo a 1.200 euros cada) eram de 9.600 euros. Isso dava um resultado negativo de exploração do lar de 12.600 euros.

A redução substancial e até a inversão deste passivo só poderia alcançar-se com a rentabilização dos quartos da Casa de Coqueda, incluindo o aumento do refeitório (24 camas), bem como dos quartos já construídos do edifício do “Hospital” (16 camas). Aí a despesa global do lar, com 80 utentes (850 euros cada), passava a 68 mil euros, os proveitos da Segurança Social (40 utentes) seriam de 20 mil euros e os de particulares (40 tentes) 48 mil euros. Com o resultado de exploração de zero euros.

Neste caso (casa de Coqueda), acresce mais uma dificuldade: o financiamento é de uma entidade (ON2), que exige que a obra fique concluída e aprovada no prazo fixado. Caso tal não suceda, todo o financiamento já utilizado terá de ser restituído, pelo que a direcção fez o mesmo que eu já tinha feito, arranjar dinheiro para acabar a obra.

Apesar de constar do Plano de Atividades para 2016, aprovado em Assembleia Geral, o aumento de capacidade das valências existentes, a verdade é que a Mesa Administrativa se deu ao luxo de prescindir, logo em princípios de 2016, dos dois financiamentos a fundo perdido: no montante de 50 mil euros, já então disponível e destinado ao aumento do refeitório e cozinha e condição para aumentar quase para o dobro a capacidade em quartos particulares; e da Santa Cada da Misericórdia de Lisboa, do fundo Rainha D. Leonor, no valor de 90% de 300 mil euros, em aprovação para construção de mais 15 quartos…

Ana Monteiro diz que enquanto presidente do conselho fiscal do Definitório encontrou resultados líquidos negativos muito elevados, mas sempre devidamente justificados com facturas.

Tentei encontrar financiador (com mútuo e hipoteca), mas só um Mesário tentou ajudar. Deparámo-nos com juros excessivos, ligados a operações complicadas ou ilegais. Pedi financiamentos a Bancos e até a Mesários, que, no entanto, alegaram “não ter dinheiro para isso”; quanto a Utentes, só um, o senhor Leão, aceitou emprestar 75 mil euros à SCMPF, como se concretizou após donativo de cerca de 56 mil euros.

Tive então de alienar rapidamente património imobiliário meu para financiar o acabamento da obra da SCMPF. Todo este endividamento foi devida e previamente autorizado pela Assembleia Geral de Irmãos e gerido com toda a transparência.

Mas a provedora falava num défice negativo anual de 300 mil euros. 

É fácil atirar pedras, mas também é fácil demonstrar o funcionamento. O prejuízo mensal era de 14.200 euros, a que acresce o investimento obrigatório nas obras, para evitar a restituição do financiamento a fundo perdido da ON 2, superior a 250 mil euros.

Ana Monteiro diz ter realizado uma auditoria que apresentou aos Irmãos para mostrar os resultados dessa “gestão danosa”. Não concorda com ela?

Pergunta-se: quais os resultados oficiais da propalada auditoria? O que foi “feito de errado” nessa gestão? A minha actuação enquanto provedor está devidamente documentada, inclusivamente com elaboração das decisões da Mesa a propósito da negociação da dívida ao casal Gomes – com entrega ao Dr. Pinto de Almeida (vice-provedor) de cheques no valor global de 29.080,00 euros e também o meu empréstimo pessoal no valor total de cerca 300 mil euros, a que acresceu o pagamento do montante da livrança, para, com o aumento do número de camas, viabilizar uma exploração tranquila que permitiria obter empréstimo a prazo e pagara todos os credores em bem menos de dez anos.

A provedora aponta ainda que havia vários problemas a resolver e indisciplina, assim como o facto de a sua namorada trabalhar no lar, de a sua filha pagar apenas 100 euros por mês e do seu genro, com uma deficiência, receber uma remuneração da instituição para supostamente fazer de guarda. Como comenta isto?

A diretora administrativa exercia as suas funções ao serviço da SCMPF há mais de vinte anos, sempre com enorme zelo e competência. Afirmar que a mesma não sabia ligar um computador, além de insulto, não deixa de ser bem revelador da baixeza de carácter de quem produz tal afirmação. Além disso, na sequência de processo que aquela colaboradora intentou contra a SCMPF, por assédio moral, esteve isolada, fechada num gabinete vazio e impedida de realizar qualquer tarefa durante cerca de oito meses, por ordem de Ana Monteiro. Foi-lhe dada razão e negociada uma indemnização.

A Inês, portadora de deficiência de 85%, pagava a mensalidade de 150 euros por força de contrato celebrado entre o irmão Cândido Ribeiro de Barros e a SCMPF em 5/6/1992, alterado em 3/12/2012 e assinado pela Mesa, em que propus que em vez de zero, pagasse a sua alimentação, os tais 150 euros. Quanto ao seu namorado, Rui (também deficiente), jamais recebeu qualquer remuneração. Entregava a mensalidade contratualmente estabelecida (mil euros), e apenas se pagasse antes do fim do respectivo prazo mensal, beneficiaria de um desconto de 400 euros, justificado por prestação de pequenos serviços de segurança. Logo que regressou de férias, por ordem da senhora provedora, foi pura e simplesmente impedido de entrar no Lar, apesar da hora tardia e da mala pesada que carregava, sob falsa alegação de que não tinha qualquer contrato.

Entre os actos de gestão danosa, Ana Monteiro dá o exemplo de uma central telefónica alugada por 60 mil euros. Não foi assim?

A “central telefónica” é um sistema integrado de comunicações sem fios entre os três edifícios com quartos prontos ou quase e, nos três edifícios, sistema de alarmes em todos os quartos, sistema de comunicações em todos os quartos e telemóveis para todo o pessoal, sem necessidade de centrais. Como no resto da entrevista, a senhora provedora não conhece os valores. Claro que com “150 dias no estrangeiro” e “350 empresas” para gerir …

Ana Monteiro afirma que só avançou com um PER em resposta ao seu pedido de insolvência.

Eu não pedi insolvência, o Dr. Eiras estaria aberto a uma negociação, mas a senhora provedora, foi incapaz de negociar, o que certamente evitaria o pedido de insolvência e traria paz à SCMPF.

Pormenores: “meteram” um PER para dez anos + dez anos, em que os meus créditos, com 78 anos de idade, assumem o carácter de “subordinados”, como se tal me trouxesse vantagens, ou seja, reembolsáveis dentro de 10 a 20 anos. Além disso, só recebo se houver dinheiro, a provedora também disse “se vendêssemos tudo dava para pagar a todos os credores”.

Acusa-o ainda de querer ficar com o património da Santa Casa.

Mais uma invencionice de Ana Monteiro. Se o objectivo fosse causar a insolvência da SCMPF, bastaria não a ter financiado… e com verbas tão avultadas. O único “golpe” que se conhece, para além do estranhíssimo secretismo nas negociações do património da instituição, é o do senhor vice-provedor.

Existe um crédito, não subordinado, de cerca de 117 mil euros que adquiri ao Montepio, para retirar a SCMPF da situação de incumprimento, com conhecimento do Banco de Portugal. Embora toda a documentação para reformar a livrança estivesse assinada (também por mim, fiador exigido pelo banco) e pronta, a senhora provedora não a entregou ao banco, pelo que, como avalista, tive de os pagar a sua totalidade.

A exploração da SCMPF com 30 quartos e 52 camas sempre deu prejuízo da ordem de 14.200 euros mensais.

Para haver transparência, como tem de ser, o património vende-se por partes e só na medida do indispensável, em leilão aberto, com total conhecimento de todos, não permitindo “comissões” encobertas, nem negociatas escondidas.

Também diz que Augusto Bismarck fez queixa contra a instituição na Polícia Judiciária. Não é verdade?

Pura invenção, uma vez mais. A única queixa que conheço à PJ resulta da tentativa de impugnação do testamento do Irmão Cândido, acto notarial que o tesoureiro da SCMPF assinou, na qualidade de testemunha! E depois não se lembrava ….

Na altura da entrevista todo o património da Santa Casa estava à venda. E que, por exemplo, caso vendessem o hospital deixavam de ter um pagamento de cinco mil euros de empréstimo mensal. Não concorda com esta política?

E perde o “Hospital” com nove quartos prontos, sala de estar e refeitório, que até em alojamento local podia render bem mais de cinco mil euros. Perdem também o “Hospital”, Casa dos Tanques e Maternidade, uma implantação com área suficiente para ser rentável, junto ao Centro de Saúde e bem no centro da Cidade, favorecendo a integração social dos utentes.

Foi decidido em reunião de Mesa Administrativa que não deveria ser vendido património, e muito em especial o “Hospital, Maternidade e Casa dos Tanques”, “Casa dos Templários” e “Lar António Barbosa”.

Definimos os critérios que indicam o património a vender e a não vender, a fim de pagar a credores e não perder a possibilidade necessária de crescer. Podemos promover a venda pelos leilões da Ordem dos Solicitadores, com transparência e devidamente preparada.

É fácil compreender que tendo Paços de Ferreira 56.000 habitantes, com 2.800 idosos vivendo em solidão ou com outros idosos (Sensos INE 2011) e sendo a média nacional de 1% de camas de lares oficiais deveríamos ter em Paços de Ferreira 560 camas. Temos 52, agora mais algumas. Não acredito que com os comportamentos demonstrados até agora consigam um funcionamento com “bons tratos” que chame utentes e que lhes consigam agradar.