Alguns são conhecidos de toda a gente, outros pode já tê-los visto pelas ruas da aldeia de Quintandona, em Lagares, durante uma das dez edições da Festa do Caldo. Há ainda alguns que, tendo ajudado a pôr a festa de pé nos últimos 10 anos, ficam escondidos, nos bastidores, e o mais provável é nem ter dado por eles.

Às portas de mais uma Festa do Caldo de Quintandona, o VERDADEIRO OLHAR mostra-lhe 10 dos rostos que marcaram estes primeiros 10 anos de certame.

Para o futuro todos pedem o mesmo: que não se perca a identidade de um evento que, ano após ano, arrasta milhares de pessoas à pequena aldeia de Penafiel.

 

Alberto Santos: “Esta festa só faz sentido e só tem sucesso pelo envolvimento da comunidade”

Quintandona era um lugar desconhecido para o concelho e para a maioria da população que vivia na zona envolvente. Era um local isolado, com más acessibilidades, sem água e saneamento. “Era muito difícil um carro chegar aqui”, recorda Alberto Santos, ex-presidente da Câmara Municipal de Penafiel. Quando tomou posse para o primeiro mandato e foi conhecer melhor o concelho, encontrou a aldeia e ficou “encantado”.

“Imaginei que seria possível transformar este espaço num que transmitisse maior auto-estima às pessoas que aqui viviam e estancar a tendência que começava a existir para novas construções que começavam a desvirtuar o espírito deste lugar”, recorda.

Surgiu então a oportunidade de avançar com uma candidatura à Medida AGRIS para requalificar a aldeia. O mais difícil foi mobilizar as pessoas, lembra o autarca, agora presidente da Assembleia Municipal de Penafiel. “As pessoas desconfiavam que viéssemos entregar apoios financeiros para recuperar as fachadas das casas. Uma parte aderiu, a outra não. Mas foi o início”, conta.

Depois de recuperar o espaço público e as casas foi preciso passar a ideia à população da necessidade de ter “uma aldeia com vida”. “Estimulamos os comoDEantes que começaram a recriar os mitos próprios da ruralidade e desafiamos os privados a investir em pequenos hotéis rurais e na restauração”, diz Alberto Santos.

Os desafios foram tendo eco, mas foi sobretudo graças à criação da Festa do Caldo de Quintandona que o projecto foi bem-sucedido.

“Lancei o desafio à freguesia e associações para a criação de um evento ligado à ruralidade que pudesse ser, anualmente, o momento alto da vida cultural e gerar mobilização das pessoas em torno de um projecto comunitário, que ao mesmo tempo desse visibilidade à aldeia para que as pessoas a viessem visitar”, recorda. Formou-se a ideia do caldo, inspirado em festas gastronómicas da Galiza.

“Quando idealizamos um evento como este não conseguimos imaginar onde vai chegar. Mas idealizamos algo que tivesse esta marca identitária”, sustenta o autarca. “Hoje é uma grande festa, que marca claramente o mês de Setembro e o panorama das festas de matriz gastronómica e comunitária da região e acho que isso não se pode perder”, defende.

“Vêm aqui milhares de pessoas nesse fim-de-semana e são pessoas que ficam com a memória para voltarem em fins-de-semana mais calmos”, assegura Alberto Santos.

O penafidelense espera ver a Festa do Caldo com o mesmo charme, o mesmo encanto e o mesmo envolvimento da comunidade daqui a 10 anos. “Esta festa só faz sentido e só tem sucesso com o envolvimento da comunidade”, acredita. “As pessoas devem lutar para que este evento não se perca e seja cada vez mais forte e mais envolvente”, defende ainda.

 

Belmiro Barbosa: “Quintandona está a ser visitada como poucas aldeias do país”

Também Belmiro Barbosa, ex-presidente da Junta de Freguesia de Lagares, vê a implementação da Festa do Caldo de Quintandona como “um passo feliz”. “Foi a partir da Festa do Caldo que as coisas começaram a mexer”, assume.

“Quintandona tinha meia dúzia de pessoas, casas degradadas, um caminho que era um ribeiro e cheio de lama. Quando ficou recuperada houve pessoas que se começaram a fixar cá”, conta. Coube também a ele convencer as pessoas primeiro da importância da requalificação da aldeia e depois da necessidade de haver dinâmica. “Visitei várias aldeias de xisto no centro do país e era realmente muito triste ver aldeias lindas e muito bem recuperadas mas mortas”, recorda. “Hoje acho que atingimos o nosso sonho de criar uma aldeia viva, uma aldeia onde as pessoas gostam de estar, que gostam de vir visitar, onde os investidores podem apostar”, resume o simultaneamente presidente da Associação para o Desenvolvimento de Lagares e da CASAXINÉ, Associação para a Promoção e Desenvolvimento Cultural de Quintandona.

“Quando começamos a festa tivemos mais de 3000 pessoas e hoje temos cerca de 15 mil. Há três anos que mantemos essa fasquia. E há centenas de pessoas a visitar a aldeia todas as semanas”, salienta Belmiro Barbosa. “Quintandona está a ser visitada como poucas aldeias do país”, acredita.

A festa cresceu e com ela a logística necessária. Mas o amadorismo da organização (cada vez mais experiente) não a impede de fazer desta uma festa com plano de emergência há vários anos, uma postura de trânsito e parques bem definida, bombeiros em permanência no recinto e sistema de vigilância.

“Crescemos em termos de espaço, de gastronomia e a feira de artesanato e produtos regionais também melhorou. E alterou o tipo de público que vinha cá. Continuam a vir todo o tipo de pessoas mas hoje vem também um público jovem, com um certo nível cultural, o que é bom”, garante o dirigente associativo.

Nesta 10.ª edição do certame, uma das novidades é a criação da Confraria da Festa do Caldo de Quintandona. A entronização dos primeiros 37 confrades decorre no domingo e o objectivo é preservar e defender os interesses do Caldo de Quintandona. “Os confrades são de todos os níveis sociais e há tantas mulheres como homens”, salienta.

Belmiro Barbosa crê que, no futuro, seja inevitável abrir a festa aos privados, em termos gastronómicos, mas com regras firmes para manter a identidade do certame.

 

Rui Lobo: “O sucesso tem a ver com sermos diferentes. As pessoas da aldeia envolvem-se, gostam, ajudam e querem que isto continue”

Quem foi à Festa do Caldo de Quintandona nas primeiras edições lembra-se, com certeza, das interpretações teatrais pelas ruas a cargo dos comoDEantes. Hoje eles continuam lá, em momentos chave como na abertura da Festa, na queima da velha ou na libertação do jebo, no último dia do certame, mas a sua responsabilidade cresceu e são também responsáveis por toda a programação cultural do evento e pela logística cultural e recepção aos grupos convidados.

“Tudo começou como uma brincadeira de amigos, mas ganhou dimensão”, salienta Rui Lobo, presidente do grupo de teatro comoDEantes.

Este grupo de teatro amador com várias idades, desde os pirralhos aos preservados, e cerca de 30 elementos continua ainda responsável por manter a mística da aldeia e a tradição criada em torno do caldo.

“Este ano temos 53 espectáculos que abrangem muito mais áreas que no início quando era só o teatro e música tradicional. Agora há também robertos, marionetas, ópera, fado…”, sem nunca perder de vista a identidade da festa, explica Rui Lobo.

“Há 10 anos atrás não imaginávamos que isto crescesse tanto. Isso é bom, mas traz limitações. Queremos encontrar um equilíbrio entre a sustentabilidade da festa e uma dimensão em que as pessoas se sintam confortáveis”, refere.

O crescimento em termos culturais faz com que actualmente haja espectáculos a decorrer em simultâneo em quatro palcos diferentes. “O sucesso tem a ver com sermos diferentes. As pessoas da aldeia envolvem-se, gostam, ajudam e querem que isto continue. Estão sempre disponíveis para abrir mais uma porta”, garante o responsável dos comoDEantes.

E a dinâmica de Quintandona vai muito além dos três dias, acrescenta. Há muito trabalho cultural durante todo o ano, tendo por base a Casa Xiné e não só.

 

Maria Rodrigues: “Lá não falta trabalho”, garante a voluntária

Se até agora conheceu todos os rostos é normal que, a partir daqui, seja surpreendido. Todos os anos, mais de 150 voluntários ajudam a pôr de pé, a funcionar e a desmontar toda a estrutura da Festa do Caldo.

Maria Rodrigues tem 80 anos e é uma dessas pessoas. É a mais velha da tenda da alimentação e a “mãe” de toda a gente. Até já disse que não voltava ao certame “porque estava velha”, mas, ano após ano, acaba por ir.

Ajuda com tudo o que lhe pedem na zona de alimentação. Descasca batatas e alhos, arranja hortaliça, prepara as bifanas e as carnes para o caldo, lava panelas e louça… “Lá não falta trabalho”, garante. E Maria está habituada a trabalhar desde muito pequena. Perdeu a mãe com apenas dois anos e sempre viveu num ambiente agrícola em que a sua ajuda era exigida. Ainda actualmente, aos domingos, se levanta por volta das cinco e meia da manhã para tratar dos animais e dos campos.

Apesar de ser presença assídua no Caldo de Quintandona pouco conhece da festa. “Conheço toda a gente e gosto daquilo, é um bom ambiente. Mas não há vagar para ir ver nada”, confessa a sénior que também tem os filhos e um neto envolvidos na organização.

Da aldeia de Quintandona antes das obras poucas lembranças tem, mas Maria Rodrigues garante que hoje as paredes estão bem mais bonitas.

 

Ana Isabel Pereira: “Lagares está no mapa graças à Festa do Caldo”

Se Maria Rodrigues chegou à Festa do Caldo já com 70 anos, o caso de Ana Isabel Pereira é bem diferente.

No primeiro ano estava lá, com apenas 11 anos. Ia “arrastada” pelos irmãos e pelo pai (o ex-presidente da Junta). Era uma das responsáveis pelos jogos tradicionais e mostrava aos visitantes como se punham em prática, desafiando outras crianças e também adultos a experimentar. “Era uma brincadeira”, confessa.

Só mais tarde se foi apercebendo do que era a Festa e de todo o trabalho que a sua preparação exigia. Foi crescendo e passou a ajudar na tenda principal, na limpeza e arrumação das mesas. Até que, aos 16 anos, passou a ser um dos rostos da bilheteira da Festa do Caldo de Quintandona.

“Nem eu própria conhecia Quintandona antes. Agora Lagares está no mapa graças à Festa do Caldo”, sustenta.

Fruto da sua experiência como voluntária na Festa do Caldo, que diz ser muito enriquecedora, acabou por escolher o curso de Turismo, que está a frequentar em Viseu. “Esse contacto com os visitantes ficou-me. Recebemos pessoas de todo o país. É uma experiência única”, defende.

Por isso, desafia outros a experimentar o voluntariado no evento: “Somos muitos, mas são três dias intensos. Quando as pessoas vão embora à noite os voluntários ainda continuam a trabalhar e antes de abrir portas já cá estamos”, adianta.

 

Luís Oliveira: “É um ambiente cultural rico para quem vem cá”

Foi também muito jovem que Luís Oliveira se juntou à Festa do Caldo de Quintandona. Agora, durante três dias participa no evento como músico, voluntário, organizador… em tudo o que é preciso. “Só vou a casa dormir…”, diz com boa disposição.

É músico e vice-presidente da Banda Musical de Lagares. Quando actuou pela primeira vez em Quintandona tinha 15 anos.

No ano passado, foi um dos responsáveis pela criação do grupo “bandalhada”, com cerca de 20 elemento. Tocam música tradicional portuguesa e nasceram para animar a Festa do Caldo pelas ruas, evitando que haja tempos mortos entre espectáculos. “Houve vários projectos artísticos que nasceram aqui e sente-se o gosto de todos pelo trabalho que fazem”, sustenta.

“Fui surpreendido com a evolução e crescimento da festa. Não estava nada à espera”, refere o jovem que acompanhou de perto a recuperação da aldeia.

Na Festa do Caldo gosta da conjugação dos vários estilos musicais sempre de matriz tradicional. “É um ambiente cultural rico para quem vem cá”, defende.

“Gostava de ver a Festa do Caldo com infra-estruturas para funcionar durante mais dias e a aumentar o número de espectáculos”, afirma Luís Oliveira.

Ainda este ano, conta, a Banda Musical de Lagares foi actuar à Galiza e eram muitos os que já conheciam a Festa do Caldo e falavam em vir: “Ficamos orgulhosos. Nota-se que o esforço feito não é em vão”.

 

Miguel Campos: “Apesar da beleza da aldeia nunca achei que fosse atingir a visibilidade turística que tem. Todos os dias há aqui visitantes”

Nasceu em Quintandona e, apesar de já não morar na aldeia desde que casou, há cerca de cinco anos, é dali que se sente filho. “Costumo dizer que durmo na Lapa e moro em Quintandona”, brinca Miguel Campos.

Assistiu ao crescimento da Festa do Caldo e confessa que foi sendo surpreendido pelo aumento do número de visitantes. “Apesar da beleza da aldeia nunca achei que fosse atingir a visibilidade turística que tem. Todos os dias há aqui visitantes”, garante.

Nos primeiros anos, ele e a família mantiveram-se apenas como visitantes da Festa do Caldo, até que há cinco anos, uniram-se para abrir os pátios da casa ao evento, criando a Tasquinha Campos durante três dias.

Tentam apresentar todos os anos um espaço diferente onde oferecem produtos tradicionais. Além disso, distinguem-se porque produzem, propositadamente para o evento, cerveja artesanal.

“Não assistimos a nada. Não vemos concertos nem teatro. São três dias de trabalho”, explica Miguel Campos. Não se importam. Gostam de receber as pessoas, de vários pontos do país. “Muitas vezes pergunto porque é que vieram cá parar e respondem-me que isto é único. Já cheguei a ter pessoas mais de uma hora na fila à espera de uma tigela de caldo e de uma bifana. Às vezes eu próprio me questiono sobre o que é que a Festa do Caldo tem para atingir estes números”, conta.

Miguel Campos é defensor de que a Festa deve continuar como até aqui, mantendo as mesmas características. “Se continuar a crescer não se vai conseguir dar resposta”, acredita.

 

Ângela Silva: “Agora há imensa gente a querer ir viver para Quintandona”

Há 10 anos atrás Ângela Silva faltou à primeira Festa do Caldo de Quintandona. Mas houve um bom motivo. Tinha acabado de casar e viajou em lua-de-mel.

Mas antes disso, a actriz dos comoDEantes ajudou a preparar esse primeiro evento onde ainda não se tinha a certeza do caminho a seguir.

Não faltou a nenhuma das nove edições seguintes e tem sido uma das responsáveis pela recepção e encaminhamento dos artistas. “O trabalho começa muito antes da festa”, garante. É a educadora social quem dá o rosto e a voz e nos contactos com os grupos de artistas que actuam na Festa do Caldo.

Ainda recorda o tempo em que, apesar de ter habitantes e de não estar abandonada, a aldeia de Quintandona estava esquecida. “Agora há imensa gente a querer ir viver para Quintandona. Estão sempre a perguntar se há casas para alugar”, dá como exemplo.

Ângela Silva, agora com 36 anos, garante que a população está sempre presente e gosta do movimento gerado com o certame. “São os primeiros a ajudar e a querer que a festa continue”, diz.

No futuro, “gostava de ver a Festa do Caldo manter as suas raízes e identidade, no mesmo sítio e com o mesmo espírito”, mas não esconde que teme que pelo caminho se perca a paixão  com que os actuais voluntários se dedicam à organização do evento. “É preciso que continue esta entrega à Festa”, apela.

 

Paulo Sousa: “Temos trabalhado sempre em parceria para que Quintandona seja um bom produto turístico. Esta aldeia é um sucesso”

Em 2007, Paulo Sousa assistiu a uma peça de teatro dos comoDEantes junto ao fontanário. Passeou pela aldeia, que não conhecia apesar de ser de Lagares. E diz que ficou imediatamente “fascinado e rendido”.

Ajudou na tenda da alimentação da Festa do Caldo nesse primeiro ano e, logo aí, surgiu a ideia de criar em Quintandona um winebar. “Tinha feito uma viagem a Espanha e gostava da ideia de criar um sítio para tapas e petiscos ao fim da tarde”, recorda.

Acabou por adquirir, com sócios, a única casa à venda na aldeia. Ainda tentaram a criação de um hotel rural, mas a candidatura não foi aprovada. Por isso, acabaram por avançar apenas com a ideia do Winebar Casa da Viúva, que abriu portas em 2013.

A Festa do Caldo desse ano deu-os a conhecer a toda a gente. No resto do ano, tornaram-se num dos pólos de atracção de Quintandona, juntamente com a Casa Valxisto – Country House.

“Temos trabalhado sempre em parceria para que Quintandona seja um bom produto turístico. Esta aldeia é um sucesso”, garante Paulo Sousa.

Neste Verão, receberam uma média de 150 pessoas por dia. No Inverno a procura baixa, confirma, mas mesmo assim ao fim-de-semana é sempre elevada, lotando as salas.

Nos dias da Festa fecham portas, mas abrem um balcão que serve produtos tradicionais.

“Espero que se consiga manter a autenticidade da Festa do Caldo, mesmo que sejam feitos alguns ajustes”, defende.

 

VERDADEIRO OLHAR: Media Partner desde a primeira edição

Não temos um rosto, temos muitos. Ao longo das 10 edições do certame foram vários os jornalistas que participaram na divulgação da Festa do Caldo de Quintandona. O VERDADEIRO OLHAR é media partner do evento desde a primeira edição, quando ainda ninguém antevia o sucesso que ia alcançar.

Estávamos lá, em 2007, na primeira edição, onde cerca de 3500 pessoas passaram por Quintandona e consumiram os primeiros 1700 caldos. Anualmente, fomos-lhe dando conta do sucesso deste certame, contando as histórias que o marcaram, mostrando as fotos dos muitos rostos que animaram a festa ou que passaram por lá.