Ia ser um “museu a céu aberto” e prometia dinamizar a cidade de Paredes. Ao “museu” continuam a faltar visitantes e as obras, que custaram milhares de euros, foram roubadas, danificadas ou são simplesmente ignoradas pela população, que ainda hoje não entende o conceito deste projecto nem o porquê deste investimento.

O Circuito Aberto de Arte Pública de Paredes (CAAP) nasceu em 2012, integrado num projecto ambicioso que iria transformar Paredes numa “Cidade Criativa”. Conta com obras de artistas de renome, que custaram entre 25 e 65 mil euros, e foi ainda construído um posto de turismo, que é também centro interpretativo, orçado em mais de 900 mil euros.

O actual executivo municipal reconhece que este investimento não teve retorno e que não traz visitantes. Diz que a estratégia passa por criar actividades que façam as pessoas visitar os locais onde estão algumas dessas obras de arte.

Nas obras, estudos, posto de turismo e conferências foram gastos quase 1,8 milhões de euros

No final de 2011, a Câmara Municipal de Paredes, liderada na altura pelo social-democrata Celso Ferreira, apresentava, publicamente, o Pólo do Design de Mobiliário, um projecto baseado em três eixos: Art on Chairs, Cidade Criativa e Fábrica do Design. O grande objectivo era transformar Paredes, uma “cidade vulgar e igual a tantas outras”, numa cidade mais atractiva, atribuindo-lhe traços identitários que a distinguissem na região e no país, com base em iniciativas físicas e imateriais. No global, o projecto custaria mais de 15 milhões de euros, co-financiados por fundos comunitários.

Um dos eixos era a Cidade Criativa, um projecto de regeneração urbana que previa, entre outros, a criação de um Circuito Aberto de Arte Pública, com a implantação de uma colecção de obras de arte na cidade.

O circuito previa 22 intervenções artísticas, 14 delas desenvolvidas por artistas nacionais e internacionais e oito obras efémeras criadas em articulação com as comunidades, convidando escolas e instituições do concelho a participar. Junto à Estação, nasceria um Posto de Turismo/Centro de Interpretação do Circuito.

Com projecto da autoria do arquiteto Belém Lima, a implementação do CAPP ficou a cargo de uma equipa criada para esse fim – o Conselho Curadorial – coordenada por investigadores do Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (CITAR) da Universidade Católica do Porto.

Artistas reconhecidos a nível nacional e internacional, como António Olaio, Alberto Carneiro, Ângela Ferreira, António Bolota, Bruno Cidra, Fernanda Fragateiro, Henrique Neves, José Pedro Croft, Rui Chafes, Susana Solano, Didier Faustino ou o atelier Like Architects, deixaram a sua marca em Paredes. As obras criadas custaram entre 25 e mais de 65 mil euros. Segundo a autarquia adiantou, à época, o valor global das obras, incluindo a escultura de João Cutileiro que foi instalada em frente ao edifício da Câmara Municipal, rondou os 668.600 euros, sendo apenas cerca de 100 mil euros suportados pelo orçamento municipal. Já o ajuste directo para a concretização do posto de turismo ultrapassou os 914 mil euros, mostra o Portal Base. Seria a partir dali que as pessoas iriam visitar o CAAP.

A isso juntaram-se gastos do projecto relacionados com a criação do circuito e a promoção do mesmo, com a realização de colóquios, jornadas, conferências e conversas abertas, além das obras efémeras. No Portal Base constam, por exemplo, ajustes directos à Universidade Católica Portuguesa para “serviços de desenvolvimento do circuito aberto de arte pública”, de quase 72 mil euros, ou à empresa “Razão – Investigação e Acção em Marketing” para desenvolvimento do conceito de uma obra de arte, de mais quase 71 mil euros.

No total, em ajustes directos, terão sido gastos cerca de 1,8 milhões de euros.

“Não chega pôr esculturas no espaço público. É preciso fazer pedagogia constante”, alertava escultor em 2012

Em Outubro de 2012, ainda antes da abertura oficial do Circuito, durante um Colóquio Internacional de Arte Pública realizado em Paredes, Alberto Carneiro, o autor de uma das esculturas defendia o importante papel da arte pública na formação para a arte contemporânea, mas deixava um alerta: “Não chega pôr esculturas no espaço público. É preciso fazer pedagogia constante” e explicar o projecto e as obras à população. “Muitas pessoas não vão perceber. Não esteja à espera de grandes coisas senhor presidente. Só o tempo vai fazer deste um espaço com sentido. Este será um trabalho para filhos e netos”, disse, em tom de aviso, a Celso Ferreira, presidente da câmara na altura.

D.E.B.4

Mesmo assim, o presidente da Câmara Municipal de Paredes afirmou, durante a abertura do certame, que é “indiscutível que o concelho está a adquirir um valor que não tinha” e que, por isso, está preparado para “continuar a investir em arte pública”. Mas o autarca mostrava-se confiante e dizia mesmo que o caminho seria continuar a investir em arte pública. “É uma questão de tempo. A nossa cidade é pequena, não tem centro histórico e este circuito de arte pública cumpre o objectivo de começar a construir a modernidade”, afirmou.  Celso Ferreira prometia também que a pedagogia já estava a ser feita e continuaria junto das escolas e sociedade civil.

O CAAP abriria no final do ano. Os alertas cumpriam-se. A população falava em dinheiro mal gasto. Numa reportagem realizada pelo Verdadeiro Olhar, Laura Castro, uma das coordenadoras científicas do projecto salientava que este foi “um processo único no país”. “Nunca houve um concelho que instalasse tantas obras de uma só vez. Também a nível internacional é difícil encontrar algo semelhante”, argumentava a professora universitária. Por isso, Laura Castro considerava também “normal” a contestação da população. “Acredito que com o tempo, o confronto entre a contemporaneidade e o património histórico se irá interiorizar”, defendia.  A ideia era partilhada por Celso Ferreira: “A aposta em ter em Paredes uma colecção de obras dos mais prestigiados artistas contemporâneos portugueses pode ser polémica hoje, mas será certamente uma mais-valia da cidade no futuro e eu estou disponível para assumir esse risco”.

Os anos passaram, a promoção das obras deixou de ser feita, algumas foram roubadas outras vandalizadas e retiradas e a população continua sem as perceber. Apenas alguns meses depois da abertura do circuito, foi logo roubada parte da “Linha de Bronze”, que estava no muro de vedação da Biblioteca Municipal.

A população não percebeu e não sabe o que isto é e o dinheiro aqui investido podia ser usado noutras coisas”

Na Agência de Contabilidade Rocha, na rua que passa por detrás da Biblioteca Municipal de Paredes, há vista privilegiada para a obra “Un Espacio Compartido” de Susana Solano. Até hoje, António Rocha e Lucinda Manuela ainda não perceberam o significado das peças metálicas no edifício do fontanário. Foi uma das que custou 65 mil euros. “Já me tenho perguntado o que está ali na parede”, confessa Lucinda, lembrando que aquele metal já foi roubado e recolocado. “Aquela linha no muro da biblioteca também foi roubada”, recorda. Chamava-se Linha de Bronze e custou 25 mil euros. “E aqui ao lado também temos aquela que parece um piano”, acrescenta. É o “Metro” e custou igual quantia.

António e Lucinda lembram-se de ver colocar a obra na parede do fontanário e de não saber para que era. “Ouvimos falar de milhares de euros, mais de 600 mil”, comentam. “Não foi um bom investimento. Não vejo em que é que isso contribuiu para o concelho”, sustenta António Rocha. “Na altura as pessoas acharam que era gastar dinheiro mal gasto”, salienta Lucinda. “Deviam ter ouvido as pessoas, quer fosse com fundos comunitários ou não, para ver se concordavam”, concluem.

Francisco Sousa

Ali ao lado outro comerciante concorda. “Isto não trouxe benefício absolutamente nenhum. Foi zero”, sustenta Francisco Sousa, da Padaria Freitas. “Acho que custou mais de um milhão e na altura manifestei-me contra isto e contra porem o trânsito só num sentido”, recorda.

“Nunca vi ninguém a visitar estas obras. O melhor, para não nos envergonharmos mais, era retirá-las a todas”

“Nunca vi ninguém a visitar estas obras. O melhor, para não nos envergonharmos mais, era retirá-las a todas”, defende. “Não houve manutenção, algumas foram roubadas e aqui este ‘Metro’ nem metro nem milímetro. Quando há gelo cai lá muita gente”, comenta.

Para Francisco Sousa não há dúvidas: “Este investimento não fez sentido. Foi um roubo aos fundos comunitários. A população não percebeu e não sabe o que isto é e o dinheiro aqui investido podia ser usado noutras coisas”.

Sentada num banco da Praça José Guilherme, ao lado do espaço outrora ocupado por outra obra do circuito, designada “Vaso”, da qual já nem se lembra, Tânia Ferreira confirma esta ideia. “Não sabia que aquilo era uma obra de arte e passo ali todos os dias. Está tudo destruído”, diz, referindo-se ao “Metro”. “Foi dinheiro mal investido. Não há turistas a visitar isto”, sentencia.

Joaquim Fernandes

“90% das pessoas não faz ideia do que isto é”, acrescenta Joaquim Fernandes, que tinha parado a falar com uns amigos também na praça do centro da cidade. “Sei que havia ali uma barra em cobre naquela parede que já foi”, recorda para logo de seguida mostrar que não é do contra: “Há obras que estão bem feitas, mas havia outras prioridades”.

“Concordo com a colocação de obras de arte pública, dá embelezamento, mas a população de Paredes não estava preparada para este tipo de arte”

Na rua que passa atrás do Tribunal de Paredes há outras duas obras. Um espelho encostado na lateral de uma capela, “Sem título”, e uma peça chamada Funny Games que, por ter forcas reinterpretadas como baloiços, foi usada por muitos, até às cordas se partirem. Cada uma custou mais de 65 mil euros.

Perto da capela duas vizinhas conversam. “Algumas destas obras são bonitas e chamativas e dizem qualquer coisa, mas outras não fazem sentido”, comenta Laura Monteiro. “Esta foi uma das mais caras. Não percebo o que é e eu até aprecio arte”, acrescenta. Para a paredense, a obra mais bonita é a da Escola Secundária de Paredes, localizada no final da Avenida da República. “Pelo menos tem cor e ainda faz de banco”, explica, referindo que este investimento municipal não fez sentido, quando o concelho precisava de outras coisas. “Já vi ali gente a espreitar e a tirar fotografias. Perguntaram-me o que era e também não soube explicar”, diz a vizinha, Olinda Costa.

Laura Monteiro

Mais abaixo, na Papelaria Maia, Pedro Moreira lamenta a falta de divulgação e de manutenção das obras. “A que está aqui ao lado foi das que teve mais sucesso e, mesmo assim, está a desfazer-se e com as cordas rebentadas”, dá como exemplo. Defende também que devia haver mais informação junto das obras, já que as placas existentes pouco explicam e muitas passam despercebidas. “Concordo com a colocação de obras de arte pública, dá embelezamento, mas a população de Paredes não estava preparada para este tipo de arte. Tinham que ser coisas mais interactivas”, assinala Pedro Moreira, sustentando que este foi um investimento sem retorno para a cidade. Também ele já escorregou no “Metro” e já ajudou muita gente a levantar-se depois de cair nessa obra de arte pública.

“Fizeram e deixaram ao abandono. Pelo menos devia ter manutenção”

Carolina Leal mora junto à Loja Interactiva de Turismo e do “Exploratório Visual” dos alunos do Curso de Artes Visuais da Escola Secundária de Paredes. “Há obras com interesse e outras sem interesse nenhum. Algumas estragaram-se e outras foram desmanteladas, como aquela do Parque da Cidade de Paredes”, recorda. Aquela era o “(Í)cone”, dos Like Architects, e custou outros 25 mil euros. “Isto deu azo a que alguns artistas mostrassem a sua criatividade. A arte é subjectiva”, reconhece. Mas confrontada com o custo das obras, Carolina Leal argumenta que o investimento devia ter sido ponderado. “Concordo com o investimento em arte pública, mas não quando uma câmara está falida”, sustenta. Por outro lado, diz que nunca viu ninguém a visitar este circuito. “Fizeram e deixaram ao abandono. Pelo menos devia ter manutenção”, defende.

Carolina Leal

Recuperação das peças danificadas está em avaliação, diz actual executivo

Contactado pelo Verdadeiro Olhar, o actual executivo da Câmara Municipal de Paredes é peremptório: “Em 2012, se fosse o nosso executivo que estivesse a governar Paredes, não avançaria com o investimento, pelo menos na totalidade e nos moldes apresentados”.

O município liderado por Alexandre Almeida sustenta que estas obras de arte não contribuíram para a promoção do concelho e diz que não há visitantes a procurar este circuito. “Apesar de existir uma visita a Paredes que incluiu um périplo pelo Circuito de Arte Pública, ninguém se desloca de propósito a Paredes para o visitar”, refere a autarquia.

“Em Paredes, a nível cultural, poderiam ter sido tomadas outras opções em 2012, com orçamentos menos elevados. Por exemplo, só agora há a preocupação de criar uma agenda cultural que permita a criação de público, com o envolvimento das colectividades e população de Paredes, assim como a implementação de oficinas de arte, durante o Verão, disponíveis para todas crianças, independentemente da disponibilidade financeira da família, que irão permitir a aprendizagem da arte em idade muito jovem”, argumenta o executivo camarário.

Para proteger as obras, Alexandre Almeida diz ter contratualizado um seguro e que a recuperação das peças danificadas está em avaliação. Já para envolver a população, a estratégia passa por criar actividades que façam as pessoas visitar os locais onde estão algumas dessas obras de arte, como já aconteceu na Casa da Cultura de Paredes, com meditação junto à “Mandala da Paz” de Alberto Carneiro, dá como exemplo.

“Acreditamos que a população não entendeu este investimento, pois não foi envolvida no projecto, não estava preparada naquela altura. Daí a importância de criar, em primeiro lugar, o conhecimento/amor às obras de arte por parte dos paredenses, para depois poderem ajudar o município a divulgá-las”, sustenta a autarquia.