Sara Silva, natural de Penafiel, é uma jovem voluntária, a trabalhar em Lisboa, que integra a bolsa de voluntários da CASA – Centro de Apoio ao Sem-Abrigo e que dedica o seu tempo disponível a dar apoio aos sem-abrigo da capital.

Recentemente, participou, ao lado do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na distribuição de refeições aos sem-abrigo numa acção que teve como objectivo alertar para a situação destas pessoas.

Ao Verdadeiro Olhar, Sara Silva, ex-jurista e inspectora tributária, destacou que desde pequena sentiu-se tocada pela causa e pela situação dos sem-abrigo.

“Lembro-me de a minha família ficar algo ‘chocada’ quando lhes manifestei a vontade de passar uma noite de consoada a distribuir a alimentação aos sem-abrigo. Isso já foi há muito tempo… Eu já tinha experiência em voluntariado, embora em moldes diferentes”, disse, salientando ter prestado durante algum tempo apoio jurídico, como voluntária, na APAV- Gabinete de Apoio à Vítima do Porto. “Foi uma experiência muito marcante, da qual retirei grandes ensinamentos”, afirmou.

Foto: site da Presidência da República Portuguesa

Com a deslocação para Lisboa, Sara Silva revelou teve que encontrar uma forma que lhe permitisse continuar a fazer voluntariado.

“Há cerca de seis anos fui colocada nas funções que actualmente desempenho, em Lisboa. Depois da fase de adaptação à cidade, que não foi fácil atendendo a que eu venho de uma pequena aldeia de Penafiel, tentei retomar o mesmo trabalho de voluntariado, que prestava no Porto, contudo, tal não foi possível devido a contingências profissionais, que se prenderam essencialmente com a necessidade de cumprir um horário de trabalho. No Porto, porque exercia funções em regime liberal, tinha maior disponibilidade. Decidi então procurar algo que me permitisse colaborar em horário pós-laboral”, acrescentou.

A paixão que sempre manteve em relação ao voluntariado continuou a persegui-la, tendo contactado duas instituições, ambas de apoio aos sem-abrigo. “Mandei e-mail a manifestar o meu interesse, sendo que apenas o CASA – Centro de Apoio aos Sem abrigo de Lisboa, deu resposta. Depois seguiu-se o processo de selecção, primeiro, um workshop a apresentar a instituição e depois uma entrevista pessoal”, sustentou.

Ao nosso jornal, a ex-jurista, avançou que está a colaborar com a CASA há cerca de cinco meses, existindo um verdadeiro ambiente de camaradagem e partilha entre os vários voluntários.

“O ambiente entre os voluntários é excelente, há entre nós um espírito de partilha. Posso contar por exemplo que, no dia de S.Martinho, cada um de nós a expensas suas levou castanhas para a CASA, que foram lá assadas e depois distribuídas ainda quentes às pessoas na rua”, adiantou.

Além de colaborar na confecção das refeições, na embalagem das mesmas, a jovem de Penafiel acompanha outros voluntários nas equipas de rua na distribuição.

Foto: site da Presidência da República Portuguesa

“Estão formados pequenos grupos de 4 a 5 pessoas por volta. A CASA tem pelo menos seis voltas e cobre grande parte da cidade. Tenho contacto com os sem-abrigo e tenho presenciado histórias incríveis, que me fazem pensar que isto pode acontecer a qualquer um de nós”, assegurou.

“A solidão é um tormento para estas pessoas”

Segundo Sara Silva, a solidão é o maior tormento dos sem-abrigo. “Devo dizer que o voluntariado que prestei na APAV – Porto me marcou muito e despertou-me para o fenómeno da violência doméstica, cujos contornos eu não tinha bem presentes. Na altura, achava que era um fenómeno social que se manifestava em determinadas classes mais desfavorecidas e vim depois a constatar que afinal é muito mais que isso, é um fenómeno de cariz vertical que engloba as várias classes sociais. Esta causa dos sem-abrigo, que agora estou envolvida, é absolutamente marcante, há pessoas com histórias de vida incríveis. Privei há dias com um senhor a quem tinha saído um grande prémio da lotaria há uns anos atrás e hoje está na rua. Verifico que a solidão é um tormento para estas pessoas. Por vezes só querem que os ouça”, conta.

Sara Silva faz voluntariado aos sábados, de quinze em quinze dias. Em média, faz cerca de 4 a 5 horas por sábado, das 18h00 até 22h00 ou 23h00, dependendo da volta a fazer.

“Disponho de algumas horas do meu sábado em prol de outros”, avançou, salientando que o voluntariado é uma forma de contribuir para melhorar a nossa sociedade e, por consequência, de nos melhorarmos a nós próprios.

“É uma experiência muito gratificante, em cada sábado que passo no voluntariado trago uma história, uma pessoa com quem falei, e isso enche-me a alma. A gratidão faz do pouco bastante”, asseverou.

A propósito do grupo do sábado, do qual faz parte, Sara Silva esclareceu que este é composto por professores, informáticos, funcionários públicos, homens e mulheres que dedicam uma parte do seu tempo aos outros e que disponibilizam os seus carros para levar a alimentação aos sem abrigo.

A penafidelense avançou, ainda, que vai passar a quadra natalícia a fazer voluntariado, nomeadamente a preparar e a servir refeições.

“Todos os anos a CASA faz um almoço de Natal com os sem-abrigo da cidade, em instalações cedidas pelo Metropolitano de Lisboa. Estima-se que este ano, compareçam cerca de 250 sem-abrigo. Há toda uma logística para preparar e servir a refeição. Eu irei participar e levo algumas pessoas comigo”, declarou.

Foto: CASA – Centro de Apoio ao Sem-Abrigo

Apesar da crise, a ex-jurista reconheceu que os portugueses continuam a ser solidários e nos momentos importantes não deixam de contribuir.

“A CASA realiza, pelo menos duas vezes por ano, uma campanha de recolha de alimentos, junto de supermercados, e os resultados têm sido bons. Para além disso foram estabelecidas parcerias com grupos económicos da área da distribuição alimentar, no sentido de recolher os alimentos excedentários, cuja data de validade está a expirar e que servem para diariamente preparar as refeições”, disse. “A compaixão, entendida como um conjunto de acções imbuídas do espírito de ajudar aqueles que mais precisam, para assim minimizar o seu sofrimento, não está fora de moda, pelo contrário, é um tema muito actual. O meu pensamento é que esta é uma realidade de que todos nós somos potenciais alvos. E por isso merece todo o meu respeito”, reforçou.

Problema dos sem-abrigo é real no Vale do Sousa 

Ao Verdadeiro Olhar, Sara Silva admitiu fazer sentido a criação no Vale do Sousa de uma instituição como a CASA. “Na região do Vale do Sousa, o problema dos sem-abrigo existe e é real, todavia, creio que é uma realidade ainda um pouco encoberta. As pessoas não estão ainda muito sensibilizadas para o problema e vive um pouco alheada.  Considerando que a zona do Vale do Sousa é uma zona de muita pobreza, que tem sido flagelada pelo desemprego, o apoio que uma instituição como a CASA poderia prestar é de enorme importância, não só ao nível de apoio primário à população em condições de sem-abrigo, com a distribuição de refeições e vestuário, mas também, no apoio a famílias carenciadas, em elevado risco de transitarem para uma condição de sem-abrigo”, expressou.

A CASA funciona, na sua maioria, através de voluntariado contando com mais de 1.400 voluntários, apoiando mais de 7.000 pessoas em condição de sem-abrigo e mais de 1.600 pessoas de famílias carenciadas. No total, em 2016, foram mais de 289.000 refeições e 53.500 cabazes distribuídos.