Foto: Vista Restaurante (direitos reservados)

Antes de a mãe falecer, prometeu-lhe que ia ganhar uma estrela Michelin, ser pai e chef de um Relais & Châteaux. Onde quer que esteja, de certeza que está muito orgulhosa do percurso do filho, porque o nome de João Oliveira é conhecido e reconhecido em todo o mundo. Figura na lista dos melhores 100 chefs de cozinha do mundo, a Best Chef Awards, já ganhou uma estrela Michelin e é pai.

João Oliveira tem 36 anos, é de Campo, Valongo, e, atualmente, é chef do Vista, no hotel Bela Vista de Portimão, um dos mais conceituados restaurantes nacionais.

Contido nas palavras, mas não naquilo que confecciona, contou ao Verdadeiro Olhar que foi à infância buscar o gosto pela cozinha. Tudo começou com a sopa branca. Nascido e criado em Luriz, Campo, os avós viviam em Outeiro. Com uma vida completamente rural, o avô criava animais e plantava tudo. Vendia fruta e tinha um café/mercearia ou tasca, como era designada na época, “onde vendia de tudo”. Na zona, as mulheres faziam as penas de lousa, porque ali havia a extração de ardósia. E era à tasca do avô que os clientes iam comer “sapatilhas”, barbatanas de bacalhau, passadas por uma espécie de polme e fritas e depois passadas por massa de pataniscas para fritar outra vez. João Oliveira recorda que, “era um petisco que também era feito na tasca do Sevilha, uma taberna antiga de Campo que já fechou, mas o meu avô foi das primeiras pessoas a fazer”. Na tasca do avô, os ‘fregueses’ também bebiam a ‘receita’ e iam comer presunto.

“Pões carne a cozer, com sal e cebola laminada e uma mão cheia de arroz”, diziam-lhe. João seguia as indicações para fazer a sopa branca para a avó

Como a avó era diabética teve que aprender a dar-lhe insulina para “ajudar a mãe”, que tinha muitos afazeres. Também começou a prepara-lhe a comida. “Pões carne a cozer, com sal e cebola laminada e uma mão cheia de arroz”, diziam-lhe. João seguia as indicações para fazer a sopa branca. Quando os avós ficaram mais dependentes, esta ajuda tornou-se uma necessidade. Dali nasceu “o gosto”.

Apesar destas rotinas de adulto, João Oliveira brincava e recorda que, à tarde, “ia até às pedreiras com os irmãos”. Quando chegava a casa, lanchava “um ovo estrelado com uma carcaça”, “era assim antigamente”, recordou o chef lembrando que vem do tempo em que o pão estava em todas as refeições, comia-se mais peixe do que carne e a comida era a tradicional portuguesa. Havia fritos e cozidos. 

Cresceu e no 9º ano queria ser médico veterinário, uma ideia que lhe veio do facto dos avós terem animais, “perus, porcos, galos”. “O meu irmão não queria saber”, mas João viveu no meio desse mundo, e conhecia-o. Depois, quando entrou para o secundário, ficou indeciso e começou a “faltar às aulas”. No 11º ano, descobriu que a sua realização e inspiração estavam na cozinha.

Com 15 anos, ia para o Porto de comboio. “Saía de casa e ia para o apeadeiro de Campo, para sair em São Bento e ir para Cedofeita a pé”, É claro que, e tendo em conta os tempos, a família não aceitou a decisão. Tanto mais que, os irmãos iam para a universidade e João Oliveira para um curso profissional. Formou-se como Técnico de Cozinha, na Escola Profissional Infante D. Henrique, no Porto

O pai tinha uma empresa que operava com eletricistas, área onde o irmão se formou. A irmã fez mestrado, doutoramento. João ficou sempre na cozinha, e ainda bem. Quando acabou o curso foi trabalhar na Casa da Calçada, em Amarante, onde ficou cerca de cinco anos. Mas no meio disso, foi chef num restaurante na Régua, onde tinha tudo, geria o espaço e ganhava bem.

Mas não estava satisfeito e decidiu que o começo de profissão tinha que ser “por baixo”. “E de 1600 euros, passei a ganhar 400 euros. Pagava 300 de renda”. Os pais nem desconfiavam, porque “estava a apenas 60 quilómetros”, mas so os visitava “uma vez por mês”.-

FotFoto: Vista Restaurante (direitos reservados)

Quando a mãe faleceu, tudo mudou. Quis ficar mais perto do pai e aceitou o desafio do chef Ricardo Costa para ir trabalhar com ele no The Yeatman. Fiquei lá quase cinco anos.

Ao fim desse tempo, percebeu que, “queria ver mais e aprender mais”. Fez as malas e rumou ao Villa Joya, em Albufeira. onde esteve sete meses. O objetivo? “Era continuar a aprender e a evoluir”. Surgiu a oportunidade de ir para o Vista, no Bela Vista Hotel & Spa, de Portimão, e foi assim que mudou toda a sua vida. A mulher acompanhou-o nesta nova aventura.

Criou uma cozinha nova, formou uma equipa e uma sala novas, onde existem “muitos pormenores, que fazem toda a diferença”, explicou ao Verdadeiro Olhar.

São um ‘Relais & Chateaux’, uma cadeia de hotéis clássicos, antigos, com história. Refira-se que, o Bela Vista foi o primeiro hotel do Algarve, é um palacete com 104 anos, com onze quartos, todos completamente diferentes, ainda com muitas peças originais, mas na cozinha, João Oliveira cria e reinventa-se.

Trabalha, sobretudo, com “peixe, marisco e bivalves, tudo o que vem do mar”, e só assim faz sentido, porque o restaurante está em cima de uma falésia. As compras são feitas na lota de Portimão e o resto vem de “uma quinta biológica”. “Não é difícil conseguir produtos de qualidade” e confeccionar menus que “são uma surpresa para o cliente”, contou.

Quando sai do restaurante, gosta de coisas simples, daquelas que “a minha mãe fazia e que todas as pessoas comem ou gostam de comer”. Aliás, quando vem a Campo, a família, porque o pai faleceu há três anos, faz questão de lhe fazer “um arroz de cabidela”, o seu prato favorito e que lhe traz essas memórias e aromas de outros tempos.

“A minha avó fazia uma sopa de feijão frade incrível, fazia comida daquela que eu vinha a 200 metros e já sabia o que era, porque ela cozinhava no fogão a lenha e acendia-o às cinco da manhã”

Recorda que a avó “fazia uma sopa de feijão frade incrível, fazia comida daquela que eu vinha a 200 metros e já sabia o que era, porque ela cozinhava no fogão a lenha e acendia-o às cinco da manhã”.

Sobre a sua profissão, considera que hoje é tudo diferente. “Há uma valorização mediática que não corresponde à valorização da profissão”, lamentou ao Verdadeiro Olhar, considerando mesmo que, em muitos casos, o “reconhecimento é negativo”, para além de as pessoas não estarem recetivas a fazerem sacrifícios.

Ao pensar nos prémios e distinções alcançados neste seu percurso, João Oliveira considera que é bom ver o “trabalho reconhecido. Dá gosto e uma grande vontade de continuar, a trabalhar e a evoluir”, tanto mais que é uma “pessoa ambiciosa”.

Já adaptado ao Algarve, porque “há qualidade de vida e bom tempo”, não deixa de ter “saudades de regressar a casa, das raízes, da família. A mulher é de Sobrado, por isso, quando podem, viajam até ao norte. “Gosto de reviver a infância, o espaço e matar saudades”.

Considera-se “feliz”, por tudo o que conseguiu e conquistou e também por ter cumprido o que prometeu à mãe. E quem sabe, um dia ganhe mais uma estrela Michelin, porque é algo que quer. Para já, vai continuar a fazer o seu caminho. E que caminho!