Manuel Maia, residente na freguesia da Seroa, concelho de Paços de Ferreira, é um dos últimos representantes da arte da tanoaria no concelho e na região do Vale do Sousa. Esta quarta-feira, dia em que completa 87 anos, vai apresentar o livro “Eternizar Memórias, o Tanoeiro Manuel Maia” um reportório de memórias do autor, a sua relação com a tanoaria, entre outros aspectos.

Além da apresentação do livro, Manuel Maia, bisneto de tanoeiros, vai inaugurar um mini-museu que o próprio fez em casa, um espaço que integra peças e artefactos manufacturados que atestam a importância que esta arte teve num passado não muito distante.

Ao Verdadeiro Olhar, Manuel Maia realçou que tanto a apresentação do livro como a inauguração do seu míni-museu são o corolário de um sonho, de uma ambição que tinha que vai ser amanhã concretizada, numa iniciativa que irá contar com a autora do livro, uma jornalista e professora de música de Paços de Ferreira, com o presidente da Câmara de Paços de Ferreira, Humberto Brito, e o presidente da Junta de Freguesia da Seroa, Rui Barbosa, entre outros convidados.

Livro fala da sua vida e da evolução da profissão

Foto: Miguel Sousa/Verdadeiro Olhar

Falando do livro, Manuel Maia realçou que a obra traduz a sua relação com a profissão, está recheada de pormenores da sua vida, as várias deslocações à Venezuela, e contém vários registos fotográficos quer das ferramentas que herdou dos seus antepassados e com as quais  chegou a trabalhar e desenhar as peças, mas também artefactos que fazem parte do seu vasto espólio.

“Grande parte do livro foi feito na minha residência, no espaço onde vai ser inaugurado o mini-museu. Já vi o resultado final e estou satisfeito. Era aquilo que tinha idealizado e julgo que a obra traça com exactidão  os contornos da profissão, da forma como esta evoluiu ao longo dos tempos”, frisou.

Quanto ao mini-museu, o artesão assumiu que este espaço é, também, a menina dos seus olhos e espera que possa funcionar como um pólo de conhecimento e aprendizagem, mas também de valorização de um acervo cultural que fez parte da família e que o octogenário quer, agora, partilhar com a comunidade.

“Inicialmente foi difícil convencer os meus filhos, mas meti mãos à obra, reconverti o espaço de forma a adequá-lo aos fins que pretendia e aproveitei a adega para lhe conferir um cariz autêntico. Cheguei a ter neste espaço sete pipas de vinho. Aproveitei para colocar de um lado, a parte, digamos, mais emblemática do espaço, tudo o que era antigo, as panelas de ferro, as dornas, ferramentas de meter o pão no forno, de malhar o milho, um crivo, um regador, a máquina de sulfatar, as escadas de madeira, a prensa, o cesto entre outros artefactos. A restante parte integra ferramentas que eram do meu bisavô e do meu avô e tem tonéis, pipas, barris, vasilhas em madeira entre outros artefactos”, acrescentou, salientando que o espaço estará aberto para iniciativas das juntas de freguesias do concelho, para os idosos e para os alunos dos vários estabelecimentos de ensino.

Caneco de ir buscar água à fonte é a peça que prefere

De entre o seu vasto acervo cultural e a parafernália de objectos que vai ser possível ver a partir de amanhã, Manuel Maia assumiu que tem uma preferência especial por um caneco que era usado pelas mulheres para ir à fonte buscar água.

“Tem um valor simbólico porque foi todo feito por mim, de forma artesanal e era uma das peças mais usadas e que mais venda”, expressou.

Falando da arte da tanoaria, Manuel Maia, natural da Maia, a residir há 50 anos em Paços de Ferreira, revelou que aprendeu a arte com o avô, mas já antes o ofício era exercido pelo seu bisavô, que não chegou a conhecer.

“Já sou bisneto de tanoeiro. O meu bisavô já exercia este ofício. A firma Tanoaria Maia deve ter cerca de 150 anos e sempre manteve o cariz familiar”, disse, salientando que a morte prematura do seu pai obrigou-o a ter de começar a trabalhar, assumindo os pergaminhos do pai e a responsabilidade de dar continuidade ao negócio.

Era o mais velho de cinco irmãos e foi aprender a arte de tanoeiro para casa do avô, tendo estado em aprendizagem durante quatro anos, abrindo depois uma oficina e aproveitando as ferramentas e os clientes do pai.

“Como tinha a ferramenta do meu pai e conhecia os clientes dele comecei a trabalhar com os lavradores, aproveitava a festa S. Miguel, as vindimas, altura em que ia para casa dos lavradores preparar as pipas. Trabalhei nesta arte até aos 20 anos. Depois emigrei para a Venezuela, onde permaneci vários anos, sem nunca ter deixado de me deslocar várias vezes a Portugal”, concretizou.

Já após o casamento, Manuel Maia, construiu a sua actual casa na freguesa da Seroa, voltou à Venezuela, país pelo qual tem um carinho especial e aonde tem ainda vários primos, mas regressou e abriu junto ao cemitério da freguesia uma oficina onde trabalhou vários anos.

“As minhas peças  eram feitas de forma artesanal, com ferramentas antigas, embora mais tarde tenha optado por comprar algumas máquinas. Uma pipa que demorava  dois a três dias a fazer com a mecanização  e as novas tecnologias passou a fazer-se em apenas uma dia”

Foto: Miguel Sousa/Verdadeiro Olhar

Manuel Maia, apesar de já ter deixado a sua actividade, ainda hoje é conhecido no concelho pela sua mestria para a tanoaria e a arte de trabalhar artefactos.

“Conheço a região como as minhas mãos. Fiz as feiras de artesanato de Paços de Ferreira, Paredes, Lousada, Valongo, Vila do Conde, Famalicão, Santo Tirso, a Agrival, durante 17 anos, entre outras”, acrescentou, sustentando que os seus artigos sempre foram apreciados, sendo procurados por emigrantes e estrangeiros que conheciam os seus produtos e apreciavam a sua forma de trabalhar as peças.

“Tudo era feito de forma artesanal, com ferramentas antigas, embora mais tarde tenha optado por comprar algumas máquinas. Uma pipa que demorava  dois a três dias a fazer com a mecanização e as novas tecnologias passou a fazer-se em apenas uma dia”, expressou, avançando que foi com as ferramentas que herdou do seu pai e do avô que trabalhou e desenhou muitos dos artefactos que constam do seu vasto espólio que além de candeeiros, integra fusas, bares, bancos, o balde de porco, o balde do poço e canecas, entre outros artefactos.

“No concelho e na região não conheço nenhum tanoeiro”

Foto: Miguel Sousa/Verdadeiro Olhar

Com a modernização e o decréscimo da agricultura, Manuel Maia confessou que a arte de tanoeiro acabou praticamente por desaparecer.

“Há poucos tanoeiros já. No concelho e na região não conheço nenhum. Conheço alguns tanoeiros em Esmoriz, a terra dos tanoeiros, mas a arte tem tendência a extinguir-se porque não há quem a queira seguir. Tenho três filhos, todos formados. O rapaz nas férias chegou a ajudar-me a raspar pipas e a transportá-las mas nunca quis seguir a profissão”, asseverou, salientando que o seu sonho era ter conseguido dar formação de forma a salvaguardar o ofício.

“Cheguei a falar com um presidente de câmara e vários presidentes de junta de freguesia alertando-os para a necessidade de preservar este legado, mas apesar da boa vontade manifestada, nunca consegui concretizar esse desejo. Hoje, reconheço é muito difícil sobreviver apenas desta arte”, atalhou.