A socióloga Fátima Alves, autora do livro “A Doença Mental nem Sempre é Doença – Racionalidades leigas sobre saúde e doença mental” e de uma tese de doutoramento em Sociologia da Saúde, defendeu, hoje, no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em Penafiel, o fim da institucionalização do doente mental.

Na sua intervenção, no dia em que se assinala o Dia Mundial da Saúde Mental, Fátima Alves, professora na Universidade Aberta e coordenadora e investigadora no CEF da Universidade de Coimbra, referiu que a desinstitucionalização é o objectivo da política de saúde mental, sendo  necessário continuar a apostar na criação de serviços mais próximos  das necessidades das pessoas com doença mental.

Fátima Alves defendeu, também,  a possibilidade de articulação de diferentes visões sobre o entendimento que se tem da saúde e da doença, que condicione o tipo de serviços e e respostas que se podem criar no apoio que se deve desenvolver às pessoas que têm diagnósticos psiquiátricos e aos seus cuidadores informais. “É esta visão, esta partilha e esta articulação e visões distintas que nos podem ajudar a construir um sistema distinto, que ponha em causa o actual sistema, mas fazendo propostas que sejam relevantes do ponto de vista das necessidades que estas pessoas apresentam. Isto levar-nos-ia a uma grande discussão sobre o que é a doença mental para percebermos que tipo de necessidades é que se podem identificar. Uma coisa é falar do sofrimento. Todos nós sofremos, sofrer faz parte do humano, mas isso não é doença mental. Temos de saber distinguir e perceber que a psiquiatria é uma resposta especializada para as situações em que existe a necessidade de intervenção psiquiátrica, seja utilizando psicoterapia seja  utilizando medicação ou ponderar outro tipo de respostas que se tem de construir a partir desses recursos leigos que as pessoas mobilizam no dia-a-dia e que complementam esses itinerários que vão fazendo desde que entram em contacto com a saúde mental”, disse.

Fátima Alves realçou, ainda, que os hospitais psiquiátricos já não têm razão de existir. “Ainda bem que estamos a acabar com eles porque a desinstitucionalização implica isso mesmo, encerrar os hospitais psiquiátricos porque se percebeu que a resposta que o hospital dá, não a resposta apenas em si, mas a representação que a própria resposta que o hospital dá ao nível social e cultural acaba por afastar, isolar essas pessoas, estigmatizá-las”, expressou, frisando que os hospitais gerais dispõem  de departamentos de psiquiatria, que acabam por integrar a psiquiatria com outras especialidades, permitindo uma abordagem mais integral das pessoas.

“As pessoas podem precisar de uma consulta de psiquiatria mesmo não tendo um diagnóstico de doença mental ou por estarem internadas por outras doenças”, assegurou, admitindo, no entanto, que as respostas comunitárias continuam a estar centradas no hospital que reproduz a lógica hospitalar e não responde às exigências de uma abordagem mais comunitária que se requer nos dias de hoje.

Falando das políticas de saúde mental e da lei de saúde mental, a socióloga realçou que há falta de profissionais, existe um isolamento social das pessoas com este tipo de problemas, a articulação com os cuidados primários é fraca, os cuidados continuados integrados de saúde mental continuam por implementar e o sistema de informação não existe, não tendo sido feito o investimento necessário.

“Fazem falta serviços e respostas para os cuidadores, mas, também, uma formação diferenciada, um investimento noutro tipo de formação que possa dar resposta às necessidades destas populações”

“Fazem falta serviços e respostas para os cuidadores, mas, também, faz falta uma formação diferenciada, um investimento noutro tipo de formação que possa dar resposta às necessidades destas populações e que não passa apenas pelo atendimento no sentido de médico. A comunidade exige outras competências, exige outros profissionais. Exige que haja uma abertura maior para outra formação para os técnicos que já existem nos serviços. Temos de reflectir se, efectivamente, temos as pessoas com as competências todas”, afiançou.

Fátima Alves ressalvou, também, que as respostas institucionais se têm  mostrado insuficientes para fazer face às novas exigências e às novas abordagens, cada vez mais complexas, em torno da saúde mental. “Desde os anos 70 até aos nossos dias, a desinstitucionalização ainda não foi conseguida. O funcionamento dos serviços, a criação de sistemas mais próximos das comunidades não têm sido suficientes para resolver os problemas. Não é criando mais leis porque de facto já temos muitas”, asseverou.

Durante a conferência “Para abrir a Saúde Mental ao mundo da vida”, Orlando Doellinger, director do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, reconheceu que a doença mental continua a ser estigmatizante, embora a saúde mental já não seja um tabu e esteja até na moda falar sobre o assunto.

Em termos de patologias psiquiátricas na região do Vale do Sousa e Tâmega, Orlando Doellinger revelou que as perturbações depressivas estarão ao nível da percentagem encontrada no resto do país.

O responsável pelo departamento de Psiquiatria e Saúde Mental apontou, ainda, dois problemas cujos números estão acima dos verificados para o todo nacional e que se prendem com a taxa de doenças psicóticas e a taxa de perturbações ligadas ao consumo do álcool.

“A taxa de doenças alcoólicas tem a ver com características culturais da população.  Em termos de patologia psicótica não tenho explicações científicas, mas temo que o facto de os concelhos que constituem a área de referência do Tâmega e Sousa estarem algo isolados e existir uma deficitária rede de transportes crie dificuldades em termos educacionais e relacionais que poderão estar implicadas nesse tipo de patologia”, avançou.

Orlando Doelinger advertiu, também, que as condições sociais são preponderantes e podem explicar  o aumento das doenças mentais conforme um estudo recente publicado pela Faculdade de Medicina da Universidade Nova parece comprovar.

“Temos de pensar nas condições mentais em que as pessoas vivem e na disponibilidade económica dessas pessoas. Não existindo ou sendo deficitárias vai haver sofrimento psíquico que poderá ser diagnosticado como doença mental. Esses números traduzem o deficit social e económico que temos no país”, adiantou, reforçando que o Centro Hospitalar  tem procurado minimizar esta situação, disponibilizando tratamento a quem procura os seus serviços.

“Neste momento, estamos a cumprir essa função e dentro dos prazos protagonizados pelos dispositivos legais e temos feito a promoção da saúde e temos através da unidade de psicologia que tem feito sessões de formação para a promoção da saúde, da unidade de infância e adolescência que também tem fomentando essas iniciativas e o próprio serviço de psiquiatria que está a desenvolver a unidade de psiquiatria comunitária para ir de encontro desses objectivos”, constatou.

O presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, Carlos Alberto, realçou que  departamento de Psiquiatria e Saúde Mental está bem organizado, sendo uma referência em termos de assistência à comunidade. O responsável pelo Centro Hospital relevou, ainda, que a área de intervenção do centro hospitalar é uma área em que a prevalência de doenças deste foro é elevada. “Tem existido da nossa parte uma preocupação, quer no pólo de Penafiel quer em Amarante, seja do ponto de vista da consulta, dos tratamentos em hospital de dia e ao nível do internamento quando necessário”, afirmou, sustentando que tem sido realizado um trabalho no sentido de fomentar a interacção com os hospitais centrais e as universidades.

CHTS precisa de reforço de meios ao nível das doenças mentais

Carlos Alberto reconheceu que apesar do apoio da tutela o hospital carece de um reforço de meios ao nível das doenças mentais, lembrando que o centro hospitalar serve uma população de 520 mil pessoas. “A crescer, cada vez mais, a prevalência deste tipo de doenças, o esforço dos profissionais acaba sempre por não ser suficiente. Temos que ir crescendo nos vários domínios de contratação para que a população não fique a descoberto. Temos que dar apoio de proximidade, também, com os centros de saúde e só com algum reforço e meios é que vamos conseguir lá chegar”, anuiu.

“Não sou dos que estão permanentemente a reivindicar injustamente. Reivindico o reforço de meios porque a população merece. Produzimos todos os anos, para além do contrato programa, nas várias áreas. Tenho de reconhecer que tem havido colaboração da parte da tutela, no sentido de disponibilizar apoio dentro dos parcos recursos que o país tem. Temos recursos limitados, mas temos conseguido fazer um esforço para renovar os nossos equipamentos, melhorar a qualidade assistencial e introduzir mais humanização nos cuidados”, aludiu.

Carlos Alberto garantiu, também, que a formação tem sido uma aposta da sua administração hospitalar. “Tem sido nosso objectivo promover projectos de investigação. Lançamos este ano um projecto de investigação em enfermagem e temos vindo a aproximar-nos das universidades porque esta é a única maneira de fazer crescer o centro hospitalar no sentido de fixar profissionais”, precisou.