“Algum de vocês casava com o Miguel Sousa Tavares ou com o José Alberto de Carvalho?”. A pegunta foi lançada por Rita Blanco a Júlia Pinheiro, Rui Zink e Manuel Serrão, num episódio gravado ao vivo da ‘Noite da Má Lingua’, que aconteceu em Penafiel, no âmbito de mais uma edição do Escritaria.

Quando se ouviu a interpelação da atriz, ecoaram também aplausos e risos, vindos de uma plateia repleta de público que não quis perder um episódio especial do programa de crítica e mal dizer da actualidade nacional, que foi para o ar na SIC, entre 1994 e 1997 e que, atualmente, deu origem a um podcast.

“José Alberto de Carvalho é muito novo para mim”, para além de que “sou casada”, tratou logo de dizer Júlia Pinheiro. Rui Zink referiu que o apresentador de televisão “ainda não é um homem, é uma criança”, acrescentando que, se calhar, Miguel Sousa Tavares, “já não é um homem, portanto não casava com nenhum deles”.

Para obter essa certeza, Manuel Serrão teria que acordar e sentir-se mulher, mas “como não foi o caso”, não conseguiui responder.

Esta abordagem de Rita Blanco veio na sequência de uma conversa entre o jornalista da TVI e o comentador que fez estalar a polémica. Foi no âmbito da rubrica ‘5ª Coluna’, do ‘Jornal Nacional’ da TVI, que, a dada altura, os dois falaram da vitória de Marina Machete, no concurso Miss Portugal, por se ter tornado a primeira mulher transgénero a consegui-lo.

“Não foi ela que ganhou o concurso, foi uma operação – ou várias – de cirurgia plástica e medicina molecular. É por isso que foi eleito. O júri apreciou o resultado de sucessivas operações plásticas que correram bem e tratamentos moleculares ou celulares. E é esse o resultado“, disse Miguel Sousa Tavares, antes de lançar uma questão ao pivôt: “Tu casavas-te com esta mulher?“.

Numa primeira reação, José Alberto Carvalho mostrou-se um pouco atrapalhado com a pergunta, mas acabou por responder. “Não, não. De todo. E tu também não”, atirou. “Eu também não“, confirmou Miguel Sousa Tavares.

Sentado no “palco” principal do Escritaria, e ainda sobre este assunto, Manuel Serrão defendeu que ambos têm direito à sua opinião, pondo apenas em causa a forma como o fizeram: “o ar de cavaqueira com que estavam” a dialogar é que é criticável. Acabou por ser interrompido pela atriz que não só discordou com as palavras do empresário, alegando que as opiniões podem ser dadas em casa. Ali apenas demonstraram que esta é a forma como ambos “tratam as outras mulheres”.

O tom entre os dois comentadores subiu ligeiramente e Rui Zink conseguiu travar a conversa dizendo que é do tempo em que “Manuel Serrão não era a voz da razão” entre o grupo de comentadores da Noite da Má Lingua.

Mas a emissão, transmitida diretamente de Penafiel, visava homenagear Miguel Esteves Cardoso que deveria estar sentado no palco, porque era um dos elementos que faziam parte do antigo programa, só que “declinou o convite”, optando por ficar na plateia. E foi mesmo ali, no centro do público, que ficou sentado o escritor, cronista e jornalista a assitir a algo que talvez o tivesse feito viajar para outros tempos, onde não havia medo de nada e se acreditava em tudo.

E como não podia deixar de ser, todos os intervenientes falaram sobre o homenageado: “Era nosso, muito nosso, o menino de sua mãe. Sempre foi nosso (…), mas foi de outros também”. “O abençoado e eterno petiz”, “o Miguel assertivo, mesmo quando fazia asneiras”.

MEC, como é carinhosamente tratado, riu e sorriu, ladeado pela mulher e pelo autarca de Penafiel, ao mesmo tempo que iam passando momentos da Noite da Má Lingua em que o “menino” foi protagonista”, com ideias ouvidas numa época em que era permitido ter “pensamentos desgrenhados”.

Penafiel optou por prestar distinguir Miguel Esteves Cardoso, Rui Zink discordou desta opção. “”Há pessoas que mereciam mais esta homenagem”. E são estas pessoas “que têm mau gosto que não me merecem”. E voltaram a ouvir-se gargalhadas na sala, ou todos não soubessem como é o Rui, irónico e sério e que intercala as conversas com pausas e piadas.

Aliás, e olhando para Miguel Esteves Cardoso, insistiu no assunto que abriu esta conversa ao dizer que Miguel Sousa Tavares “vivia com a cabeça no século XIX”. E depois de uma pausa lembrou que Penafiel o homenageou há cinco anos”. Ora, “o que vais dizer daqui a cinco anos?. Esta é a maldição do Escritaria”. vaticinou Rui Zink, que aproveitou o encontro para explicar porque veio vestido com roupas modestas: “era para vir bem vestido, mas podiam estar aqui aqueles rapazes que gostam de atirar tinta verde às pessoas. Assim, podem estar à vontade”.

Manuel Serrão agarrou a deixa para fazer a leitura destes úlitmos comportamentos dos ativistas em Portugal, “há meia duzia de semanas, uma portuguesa atirou um soutien a um rapper nos EUA e ficou famosa”. E é isso que estes jovens pretendem, se bem que o empresário preferia que atirassem estas peças de roupa e não tinta.

Rita Blanco discordou, justificando que “não pretende ser famosos, porque ninguém nunca ouviu falar de ativistas que dessem palmiers ou croissants às pessoas”. É, é, atirou Manuel Serrão, acrescentando que “por causa da pegada de carbono vieste a pé para Penafiel”.

No livro “Amores e Saudades de Um Português Arreliado”, Miguel Esteves Cardoso escreveu que “viver não é a melhor coisa que há: é a única”. E foi a viver intensamente que se passaram estes dias de Escritaria em Penafiel. A Noite da Má Lingua foi um dos pontos altos que terminou com o painel de comentadores a entoarem “”O Barquinho da Esperança”, escrito em 1984 pelo homenageado, e que as Doce levaram ao Festival da Canção.

Rita Blanco, Júlia Pinheiro, Rui Zink e Manuel Serrão cantaram desafinando a música que dedicaram ao amigo e companheiro de vida. Miguel Esteves Cardoso voltou a rir e a sorrir e, no final, foi ao palco e abraçou-os, um a um. E também nos abraçou a nós que, por momentos viajamos a outros tempos. E ficamos rendindos. Agora, resta-nos esperar que escreva sobre Penafiel. Prometeu-o durante esta visita, até porque “há casas que parecem romances à espera de serem escritas”.

1 Comentário

  1. Ninguém antes de mim comentou esta página? Mas se fosse uma página como tantas outras que há na internet para criticar Marina Machete e apoiar a opinião do transfóbico que foi a TV dizer absurdos e do jornalista que naquele momento concordou (talvez irrefletidamente) com os mesmos, aí sim, esta página já estaria inundada de comentários preconceituosos, discriminatórios, ignorantes, insultuosos e banais. E criminosos! A homofobia e a transfobia são crimes e devem ser punidos como tal. Mas como a esta página é para satirizar e criticar os protagonistas dos comentários absurdos que passaram há dias na TV neste caso ninguém aparece para comentar. O mundo anda torto.

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