O pior está para vir?

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Dois mil e vinte, temos ouvido dizer, foi o pior ano das nossas vidas. Não pensamos assim.

Foi, seguramente, um ano cheio de coisas que nunca imaginamos ou imaginamos mas não queríamos acreditar que pudessem voltar a acontecer. Aliás, a maior parte de nós, sem dar conta disso, olha este tipo de fenómenos como marcos da História, uma coisa irrepetível, sobretudo se tivermos em conta o infindável desenvolvimento do conhecimento científico. Uma coisa que, enfim, já aconteceu, que não se repetiria e só podia ter acontecido aos outros.

Mesmo os mais estudiosos que previram a pandemia não contavam com ela tão cedo. Olhemos, então, o problema de outra perspetiva.

Afinal, quando é que a Humanidade descobriu tão depressa uma solução para uma situação desta gravidade? Nunca, nem em tempo inimaginavelmente tão curto. Porquê? Exatamente porque bastou o conhecimento acumulado para permitir a descoberta de uma, de váriassoluções. Cremos até que não será muito diferente das vacinas que usamos para combater os outros vírus ou as variantes deste.

Não, este não foi o pior ano das nossas vidas. Este foi o ano em que tivemos mais medo de morrer porque o fim da vida circulava, por aí, em “perdigotos” que nunca vislumbramos.

Este foi o ano do medo. O ano em que morreram mais uns milhões do que o costume e, como era previsível, morreram os mais fracos, os mais débeis, os mais velhos. À tona e como lição, para nós, emergiu a consciência da forma quase desumana como muitos dos nossos idosos são tratados. Pior, são abandonados.

Descoberta a vacina passou a tempestade? Não nos parece.

Os constrangimentos a que fomos sujeitos têm uma relação direta com a Economia. As soluções encontradas, se por um lado, conseguiram conter a proliferação maior do vírus e evitaram mais mortes, por outro criaram entropias que, irremediavelmente, terão consequências no futuro.

Quando a humanidade sofreu crises deste tipo, as consequências acabaram sempre por afetar mais os mais desfavorecidos. As medidas económicas e financeiras tomadas até agora foram analgésicos que diminuíram a dor, mas não curaram a outra doença. Pelo contrário.

No próximo Verão talvez possamos estar mais próximos uns dos outros para nos abraçarmos e beijarmos como se não houvesse amanhã.

É esse “day after” que nos preocupa. Estaremos mais próximos fisicamente, mas mais distantes efetivamente. Os ricos cada vez mais ricos. Os outros cada vez mais afastados, cada vez mais pobres. Não são novas as lutas que teremos de enfrentar, mas serão, seguramente, das mais difíceis. A luta pela dignificação da condição humana é perene e mantém-se prioritária.

2020 não foi o pior ano das nossas vidas. Foi só um ano de colheita.