Quando tinha cinco ano foi com a mãe ao Norteshopping, em Matosinhos, e desapareceu. Soaram os alarmes e a situação foi comunicada à segurança do espaço. Pouco depois, Miguel Ferreira foi encontrado junto aos cinemas, a tentar, quem sabe, descortinar que mundo vivia para lá daquela entrada imponente. E as fugas repetiam-se. Apesar de não se lembrar, porque era muito pequeno, estas histórias foram-lhe contadas pela mãe. Naquela altura, parece que estava escrito no guião da vida deste jovem, que nasceu em Penafiel, mais concretamente na Termas de São Vicente, que a sétima arte estaria traçada no seu destino.

Cerca de 20 anos depois do episódio do centro comercial, Miguel Ferreira conquistou uma nomeação para a categoria de “Melhor Curta-Metragem Portuguesa de Terror 2023”, no Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, o MotelX.

Além do enorme “orgulho” por esta conquista, só consegue ler nas entrelinhas que está “no caminho certo”, confessou o realizador ao Verdadeiro Olhar.

Refira-se que, o MoltelX é um dos maiores festivais de cinema do país e o maior do género, dando posteriormente acesso ao vencedor de integrar os internacionais Méliès D’or.

Foto: Maria Moreira (direitos reservados)

A produção aterrorizante que este jovem de Penafiel vai estrear na tela do festival, a “Our Tell-Tale Heart”, foi inspirada no livro ‘Os melhores contos de Edgar Allan Poe’, uma edição apresentada no MotelX, em 2017.

Foi naquele certame que adquiriu o livro, leu-o e guardou-o. Anos depois, voltou a pegar na obra daquele que foi um dos maiores escritores do século XIX e se tornou mais conhecido por contos de terror e mistério. E esta leitura mais recente “já foi feita com outros olhos”, explicou ao Verdadeiro Olhar, acrescentando que foi a partir daí que surgiu o pequeno filme agora nomeado. Curiosamente, é distinguido no MOTELX, mas se não fosse este certame não haveria filme. “Terminou no lugar onde tudo começou”, disse, a sorrir.

O “Our Tell-Tale Heart”, um monólogo dilacerante inspirado na short-story de Edgar Allan, foca-se no duro e controverso mundo dos tempos da ditadura portuguesa do Estado Novo, no século XX, foi feito por uma equipa de “22 pessoas”, sendo que o cenário desta curta foi construído por Penafiel, “em casas de famíliares e amigos e também na Clínica PerCur”.

Cartaz do “Our Tell-Tale Heart” da autoria de Diana Garrote

Miguel Ferreira estudou na Escola Secundária de Penafiel. Licenciou-se em Cinema, na ESAP, a Escola Superior Artística do Porto, fez ainda uma pós graduação em argumento e dramaturgia.

Atualmente, é freeelancer, onde faz captação e edição de imagens, mas também escreve e realiza. Instado sobre o seu género cinematográfico preferido, refere que não tem “uma dinâmica ou categoria de eleição”. Mas, o que o fascina está centrado no “fantástico e no terror”. Porquê? “Porque faz as pessoas sentirem-se de maneira peculiar” e aflora “sentimentos únicos”.

Quanto aos realizadores, demora a pensar, mas, depois, atira nomes como Damien Chazelle e também Steven Spielberg, entre outros. Já os filmes, não pode deixar de referir o “Oppenheimer”, “Babylon, “Parasitas” e, claro, “O Exorcista” que faz 50 anos e é um clássico de terror que foi restaurado e vai ser exibido no MotelX, em setembro.

O “La La Land”, lançado em 2016, também merece o enfase deste realizador de Penafiel, porque “agrada a mundos muito diferentes, que passam pelo musical, a comédia e o drama”. Foi um filme que “marcou a sua década e foi feito de adulto para adulto”.

Este apaixonado pela sétima arte e fascinado pelo cinema americano, também gosta de escrever e de fotografia, porque ambas as expressões artísticas “criam memórias”. Congratula-se com o facto de o cinema já se ter livrado das amarras do “elitismo” e, agora, começa a ser dirigido “para todas as pessoas” ou públicos, com uma “elaboração narrativa” transversal.

Se Miguel Ferreira pudesse escrever o guião da sua vida futura, gostava que incluísse “escrever e realizar. Seria fantástico”. Ao rol de cenas poderíamos juntar “viajar pelo mundo”. E daqui a uns anos, quem sabe, “vencer a estatueta dourada”.

Para já, vai manter-se por Penafiel, uma cidade que gosta muito e “é uma das mais avançadas da região ao nível cultural”. Aliás, foi o facto de ter uma “sala de cinema a dez minutos de casa” que lhe permitiu assistir a tantas e tantas peliculas. Por isso, contou, todas as semanas vai ao cinema, um previlégio que a maior parte das pessoas de outros municípios não têm.

A 17ª edição do MotelX volta a assombrar o Cinema São Jorge, em Lisboa, entre 12 e 18 de setembro, e vai ser, de certeza, um evento repleta de sucesso para este jovem de Penafiel que, aos cinco anos, já era fascinado pela sétima arte. Luzes, câmara, ação, o filme “Our Tell-Tale Heart” promete assombrar e ficar na história e para a história. Assim esperamos!