Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Já me senti discriminada. Olham para a minha aparência, vêem que sou cigana e dizem-me que já não precisam de ninguém”. O desabafo é de Laura Augusto, de 19 anos, mas a queixa é comum a muitos dos elementos da comunidade cigana que reside no concelho de Paredes. “A nossa fama é tão ruim que as pessoas julgam-nos sem nos conhecerem”, justifica Alberto Vilela, de 47 anos, que também tem dificuldades no acesso ao emprego.

Mais do que uma vez, já viram as portas do mercado de trabalho fechar-se apenas por serem de etnia cigana ou dizerem que moram num acampamento.

A Câmara de Paredes e a Santa Casa da Misericórdia de Paredes estão a desenvolver um projecto co-financiado, sendo o grande objectivo do “(Pa)Redes de Inclusão” melhorar a qualidade de vida e “quebrar barreiras e estereótipos” da comunidade cigana, preparando-a para o realojamento previsto.

Uma das vertentes passa por potenciar a inserção profissional da comunidade cigana que reside no concelho e sensibilizar as empresas para a sua contratação. Nesse sentido, um grupo de ciganos visitou o Centro de Formação Profissional da Indústria das Madeiras e do Mobiliário (CFPIMM), em Lordelo, para conhecer as oportunidades de formação ligadas ao sector.

A autarquia acredita que podem ser encaminhados para emprego na área do mobiliário onde a mão-de-obra é escassa.

“Mando currículos e na hora da entrevista sou excluído. As pessoas julgam-nos pela aparência”

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Em 2021 passaram pelo CFPIMM cerca de 500 formandos, adultos e jovens, para obter formação profissional em áreas ligadas à indústria do mobiliário, assim como mais de 1800 pessoas activas que quiseram obter ou renovar conhecimentos em regime pós-laboral. Este centro de formação tem uma taxa de empregabilidade acima de 90%.

Por isso, foi com curiosidade que um grupo de 18 ciganos, com idades entre os 18 e os 47 anos e escolaridades do 4.º ao 12.º ano, inseridos neste projecto e beneficiários do rendimento social de inserção, ficou a saber o que faz um marceneiro, um estofador ou como funciona uma máquina de CNC.

A área dos estofos, onde há actualmente muita falta de mão-de-obra, despertou particular interesse. Laura Augusto, de 19 anos, mora em Sobrosa e tem o 9.º ano. Desde que parou de estudar ainda não conseguiu emprego. “Costumo ir às empresas e já me senti discriminada. Olham para a minha aparência, vêem que sou cigana e dizem-me que já não precisam de ninguém. Sinto que é por ser cigana”, testemunha a jovem que ficou interessada na formação de estofos. “Estou à procura de emprego, de qualquer coisa e estou disposta a fazer formação nesta área”, admitiu.

Também Manuel Esteves, de 27 anos, que vive no acampamento em Paredes acha que pode estar aí uma oportunidade profissional. Tem uma formação na área de restaurante/bar que lhe deu o 12.º ano, mas não arranja trabalho. “Quando procuramos emprego a nível geral somos discriminados porque somos de etnia cigana. Quando vêm que somos ciganos dizem logo que a vaga está preenchida”, garante. Mas, com este projecto já viu algumas alterações. “Ainda agora se mandaram dois currículos, fui a entrevista e não fui aceite. Mas, desta vez, não me senti discriminado, só já não estavam a precisar de funcionário” acredita, sustentando que, em Paredes, a comunidade cigana está integrada na sociedade.

Alberto Vilela tem 47 anos e também está desempregado. Ao longo da vida foi trabalhando em feiras e dedicou-se também aos trabalhos agrícolas. Casado e com quatro filhos criados tem como morada o acampamento na cidade de Paredes. E isso traz um rótulo. “Há discriminação. Não em todos os lados, onde nos conhecem já não, mas nos locais que frequentamos menos ainda nos olham com aqueles olhos de despachar depressa e com desconfiança”, afirma. “A nossa fama é tão ruim que as pessoas julgam-nos sem nos conhecerem”, acrescenta ainda.

Depois da visita, Alberto mostrava-se esperançado. “O que eu vi aqui foi uma maneira de termos uma oportunidade, de nos integrarmos na sociedade, de aprendermos e mostrarmos que somos capazes às outras pessoas. Além de sermos ciganos temos qualidades que queremos mostrar aos outros”, defende. Ele que fez também um curso de restaurante/bar durante mais de dois anos nunca viu frutos na procura de emprego. “Mando currículos e na hora da entrevista sou excluído. As pessoas julgam-nos pela aparência. Fico triste porque os colegas são chamados a entrevista e eu não. Pergunto-me ‘porquê?’”, confessa.

“Não é por não quererem trabalhar, muitas vezes é não surgirem as oportunidades e não lhes abrirem as portas”

Foi em Novembro do ano passado que arrancou o “(Pa)Redes de Inclusão”. Já foram realizadas várias acções no sentido de trabalhar competências psicossociais, de saúde, educação, habitação, procura de emprego e para a integração desta comunidade.

Na área da empregabilidade, esta visita ao CFPIMM foi a primeira sessão de esclarecimento deste género realizada a propósito das oportunidades de formação existentes para facilitar o processo de adaptação e integração dos indivíduos, com a perspectiva final de inserção profissional. As empresas têm sido sensibilizadas para a integração de ciganos nos quadros de pessoal e os candidatos têm sido orientados para a elaboração de currículos e preparação de entrevistas. Fruto deste trabalho já houve ciganos chamados a entrevista de emprego. “Ainda não há ninguém que tenha sido colocado”, lamenta no entanto a vereadora da Acção Social da Câmara de Paredes. Mas todo o trabalho feito neste sentido já é inédito, sustenta Beatriz Meireles. “Estas não são entrevistas através do centro de emprego, são fruto da sensibilização junto das empresas”, explica.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Já esta visita é justificada pelo interesse que notaram nas pessoas envolvidas. “Paredes é um concelho exportador ao nível do mobiliário e tem muita carência em postos de trabalho na área. Notamos por parte da comunidade cigana que havia muito interesse na área dos estofos e estamos certos que vamos conseguir trazer algumas pessoas para esta formação”, declarou a autarca. O trabalho passa por “colmatar as necessidades das empresas e integrá-los no mercado de trabalho e desmistificar que as pessoas ciganas não podem trabalhar como todas as outras”.

Mas Beatriz Meireles não doura a pílula: “Há desconfiança das pessoas de pessoas que usufruem do rendimento social de inserção e são ciganas”. A meta é continuar a sensibilizar para o facto de os ciganos fazerem parte da comunidade, num “trabalho moroso, lento, sem grande visibilidade”.

A vereadora sustenta que são muitos os obstáculos a ultrapassar no acesso ao emprego. “Não é por não quererem trabalhar, muitas vezes é não surgirem as oportunidades e não lhes abrirem as portas. Quando diziam que moravam no acampamento, ou davam a morada, retiravam a oferta de emprego”, dá como exemplo. Acredita, no entanto, que a resolução do problema da habitação vai influenciar todas as outras questões, desde a higiene à saúde, educação e emprego.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Todas estas intervenções servem um propósito de os incluir na comunidade onde pertencem e acabarmos por fazer história, trabalhando como nunca se trabalhou”, garante.  

No âmbito deste projecto há ainda mais acções previstas, entre elas uma semana da multiculturalidade que vai mostrar um pouco dos costumes e alimentação dos ciganos. Uma realizadora do concelho vai também fazer um filme sobre a realidade em que vivem.

A comunidade cigana de Paredes conta com cerca de 90 elementos. A maioria reside no acampamento do centro da cidade. A Câmara pretende realojá-los em habitação social.