Às vezes, somos tentados a fazer comparações de estilo entre o actual Presidente da República e o anterior. Tratando-se de um cargo pessoal, influenciado pelas características pessoais de quem o exerce, traçar comparações pode ser um exercício falhado.

Assim, sendo Aníbal Cavaco Silva homem muito diferente de Marcelo Rebelo de Sousa, é natural que os dois desempenhem as funções de Presidente da República de modo bem diverso. Aníbal Cavaco Silva nasceu em Boliqueime, longe de Lisboa, numa família de origens modestas. Já Marcelo Rebelo de Sousa nasceu em Lisboa, filho de um médico que foi governador-geral de Moçambique e ministro de Marcelo Caetano, e de uma assistente social, estudou no Liceu Pedro Nunes, por onde passava a elite lisboeta. O primeiro estudou números, o segundo estudou leis. Por isso, fazer comparações entre duas pessoas com origens, formação e percursos de vida distintos pode ser uma falácia.

Cavaco Silva é um homem de aparência austera, de poucos sorrisos e muito formal. Estas características, associadas a um tempo de crise e intervenção internacional, fizeram dele, principalmente na parte final do seu mandato, uma figura impopular para muitos portugueses. Marcelo Rebelo de Sousa chega à Presidência da República como uma espécie de anti-Cavaco. Homem de sorriso fácil, afectuoso e muito popular. É esta popularidade que parece estar a transformar-se em populismo.

Em Portugal, parece não haver quem não tenha uma selfie com o Presidente da República. Além disso, o Presidente fala de tudo e está em tudo, comentando tanto a morte de um actor como um golo falhado no Mundial de Futebol. Só que este populismo, aos poucos, condicionará a acção de um Presidente habituado a receber palmas e que, por isso, poderá vir a não se arriscar a fazer nada que faça quebrar esse populismo.

Há uns tempos a jornalista Helena Matos escrevia que “os outrora tão criticados espectáculos da política e a política-espectáculo deram lugar a algo completamente diferente e muito mais perigoso: o espectáculo enquanto forma de preencher o vazio da política”. Cavaco Silva era um chato, que teimava em falar ao país para nos explicar que o país caminhava para uma falência (como falava pouco, nós ouvíamos o que ele nos dizia). O mesmo já não acontece com Marcelo.

Depois do poder de dissolver a Assembleia da República, o maior poder do Presidente é a magistratura de influência. Mas, para ser exercida, é preciso que, quando o Presidente falar, as pessoas e as instituições o ouçam e o levem a sério. Ora, se o Presidente passa a vida a falar de tudo e a comentar tudo, sempre pela rama, é pouco provável que um dia seja levado a sério.

Mas, por que me lembrei de falar do Presidente da República? Porque me parece que, esta semana, Marcelo Rebelo de Sousa ultrapassou os limites das suas competências.

A bancada parlamentar do Partido Socialista está a elaborar uma proposta para regular a nomeação de familiares para cargos públicos. Estão a tentar legislar algo para o qual bastaria honestidade e bom-senso. Fazem-no talvez como forma de tentar iludir e desviar as atenções para os escândalos que nesta matéria têm atingido o Partido Socialista.

Como o assunto está na ordem do dia, o Presidente da República decidiu elaborar um projecto diploma para ser aprovado como lei, que impede a nomeação de familiares na Presidência da República. Isto levanta duas questões.

Primeiro, a atitude de Marcelo Rebelo de Sousa é populista. Aparentemente, o Presidente da República está a tentar tirar partido da onda de indignação na sociedade contra as nomeações de familiares em cargos públicos.

A segunda questão é mais grave. O Presidente da República não legisla. O poder executivo é restrito à Assembleia da República e ao Governo. Em bom rigor, o Presidente da República já por diversas vezes excedeu os seus poderes ao comentar actos executivos que são exclusivos do Governo. Mas, ao elaborar um projecto diploma, Marcelo Rebelo de Sousa parece ter ultrapassado todos os limites, dando a ideia de que Portugal tem um regime presidencialista, quando na verdade, não tem. Diz o povo: “cada macaco no seu galho”.