A Fábrica de Biscoitos Doceneves nasceu em 1978 pela mão de dois irmãos, numa altura em que as biscoitarias proliferavam em Valongo. As instalações mudaram e cresceram e quem lidera a empresa que produz os biscoitos da marca JONEVES é já a segunda geração da família, mas de resto pouco mudou. As receitas são as mesmas, a produção é artesanal e a embalagem mantém-se igual à sua origem. E sempre que participam em feiras há quem ainda recorde os sabores da infância.

“Isto faz parte a minha vida”

Os irmãos José e Serafim aprenderam cedo o que era o trabalho e as receitas dos tradicionais biscoitos de Valongo. “Isto nasceu há 40 anos. O meu pai e o meu tio foram trabalhar com nove a 10 anos, quando acabaram a quarta classe. Aprenderam e, mais tarde, formaram a empresa e lançaram-se por conta deles”, conta Vítor Neves, filho de um dos fundadores. “As receitas ainda são as mesmas, estão guardadas num cofre muito forte”, garante com um sorriso.

Começaram com três funcionários e a empresa foi crescendo. “Lembro-me de estar na antiga fábrica, onde ainda trabalhei dois anos, e se sermos para aí 10 pessoas. Já se produzia muito biscoito”, recorda o biscoiteiro. Cerca de 20 anos depois, a Fábrica de Biscoitos Doceneves mudou de instalações para umas construídas de raiz onde continuou a ter sucesso.

Pelo caminho, muitas outras se perderam. “Havia em Valongo, naquela altura, umas 20 fábricas deste género. Algumas fecharam, outras as pessoas morriam e não tinham a quem deixar. Felizmente eu fui lá parar e aqui estou para dar seguimento”, diz Vítor Neves. Trabalha na empresa há mais de 30 anos.

“Aprendi tudo com o meu pai e o meu tio. Vinha com eles às 7h30 da manhã amassar. Até que chegou a uma altura em que fui eu que comecei a fazer tudo. Os sacos de farinha já eram pesados para eles”, brinca o valonguense.

“Estou aqui porque não gostava de estudar. Mas se não gostasse de fazer biscoitos não estava aqui. Não me via a fazer mais nada. Isto faz parte a minha vida”, assegura.

Mais de uma tonelada de farinha e açúcar por mês e 15 caixas de ovos (com 360) por semana

Há cerca de três anos, a segunda geração da família tomou conta do negócio. Além de Vítor Neves, que além de sócio trabalha na empresa, são sócios Ana Paupério e José Neves.

Além de manter o carácter familiar, a marca JONEVES continua a apostar no fabrico artesanal.

“É tudo feito de forma artesanal. Houve uma altura em que se trouxe uma máquina, mas verificamos que não servia para as nossas receitas. E não íamos alterar a receita, isso era matar o produto”, defende Vítor Neves.

Das mãos dos sete funcionários saem 22 referências de biscoitos diferentes. “Temos os barquinhos, doce branco, os de champanhe, os fidalguinhos, os digestivos, os sonhos, os biscoitos de milho, os coquinhos, os mal-feitos… Os seminaristas e os cacos são os que se produzem mais diariamente, e normalmente nunca chegam para as encomendas. Há alguns em que não conseguimos produzir aquilo que é necessário, quanto mais fazer stock”, afirma o empresário. Dependendo dos biscoitos, são cerca de 800 a mil as embalagens produzidas diariamente. “Se for fidalgos faz-se menos, que é mais trabalhoso, se for os de milho faz-se mais, que é mais rápido”, dá como exemplo. Só de seminaristas são sempre umas 300 sacas por dia.

Para produzir tudo isto, são necessárias mais de uma tonelada de farinha e outra de açúcar por mês e cerca de 15 caixas de ovos, com 360 ovos cada, por semana.

A empresa trabalha de acordo com as encomendas. “O cliente dá a encomenda e depois há clientes que têm o dia certo a carregar há 30 anos. Já estamos a contar com esses”, explica. Tem clientes em vários pontos do Norte do país.

As bonequinhas do saco azul que lembram a infância

Outra das coisas que também não mudou é a imagem. Os sacos ostentam, orgulhosamente, duas bonecas a comer biscoitos em tons de azul, retrato dos miúdos de antigamente que comiam biscoitos pela rua.

“Ainda hoje, quando fazemos feiras (a Feira da Regueifa e do Biscoito e a ExpoVal), muita gente não se lembra do nome, mas reconhece o saquinho azul com as bonecas. E muita gente me diz ‘eu cresci a comer destes doces’ ou ‘eu todos os dias comia um barquinho’. Há saudade e é um produto bem aceite no mercado”, sustenta Vítor Neves. “O nosso prémio é as pessoas virem de longe procurar-nos. Dizerem ‘podem mandar aqui um vendedor’ é o melhor prémio que a gente pode ter, é o reconhecimento que as pessoas gostam e preferem os nossos biscoitos”, assume o filho de um dos fundadores da empresa valonguense.

Apesar de ser empresário o que gosta de fazer é preparar biscoitos. “Eu faço de tudo, desde preparar as massas, atender clientes, tudo o que é preciso fazer”, resume. Mas é só das suas mãos que saem os seminaristas, um dos produtos mais vendidos. “O que eu gosto de fazer é o seminarista. Às vezes digo que faço já com os olhos fechados e é verdade. Estou ali a pensar noutras coisas e estou a fazer. Mas tem alguns truques”, reconhece. Sobretudo ligados às voltas que se dá à massa e à textura com que fica. “Só com os anos se vai aprendendo e aperfeiçoando, pode-se deitar tudo dentro da masseira, mas não sai sempre igual todos os dias”, garante.

Chega todos os dias às 7h30 para preparar as massas e muitas vezes sai tarde, não esconde. E também não esconde que gostava que o negócio continuasse na família. Mas dos três filhos, só o mais novo, com nove anos, mostra, para já algum gosto pelos doces. “Mas não se sabe o futuro. O meu pai também queria que eu estudasse. Para ele foi um choque. Somos seis irmãos, todos estudaram e estão todos bem. Eu fui o único que não quis estudar. E se calhar ele agora não está nada arrependido, porque senão não tinha quem seguisse isto”, lembra.

Os projectos para o futuro passam por continuar a crescer e a melhorar. Até porque, acredita “num bom futuro para os biscoitos de Valongo. “O biscoito tem muita importância cá e esta divulgação da Feira do Biscoito e a criação da confraria trouxe um novo ânimo. Houve muita gente que relembrou os tempos de infância”, diz Vítor Neves.