Quando os outros miúdos queriam ser médicos ou astronautas, Francisco Dias, talvez influenciado pela vida do pai, dizia que quando crescesse queria ter uma empresa de móveis. Acabou por assumir o negócio do pai, que transformou à sua medida e fez crescer, até que, há dois anos, recebeu, sobressaltado, a notícia de que o trabalho de uma vida estava em chamas.

Assistiu, impotente, à queda de quase tudo o que tinha construído. Mas não baixou os braços nem se deixou vencer pelo desânimo. O incêndio aconteceu na madrugada de um sábado, no domingo comprou máquinas que instalou num armazém e, na segunda-feira, 10 trabalhadores foram trabalhar normalmente para dar resposta às encomendas. Dois dias depois os 50 funcionários estavam a laborar.

Dois anos volvidos, a Francisco J. Dias, Unipessoal Lda tem novas instalações, que resultaram de um investimento de 2,5 milhões de euros, e continua a crescer. A mensagem de Francisco Dias é simples: “Não há nada que nos possa derrubar se tivermos a força de vontade de conquistar aquilo que desejamos. Não há nada que nos consiga parar”.

“Eu com 18 a 19 anos não tinha carro, o primeiro dinheiro que juntei quando fiz os primeiros móveis foi para comprar máquinas”

“Isto começou quando acabei a escolaridade obrigatória. Fui trabalhar com o meu pai que trabalhava sozinho num espaço pequenino, com 40 metros quadrados” e telhado com chapas de zinco, conta Francisco Dias. Tinha apenas 16 anos e hoje, o pacense, de 41 anos, recorda uma altura em que tudo se fazia de forma muito artesanal. “Já existiam máquinas de controle numérico, mas nós ainda estávamos a trabalhar praticamente de forma manual”, sustenta.

Trabalhou com o pai, com quem “aprendeu tudo o que sabe a nível produtivo”, cerca de seis anos. Nessa altura ele adoeceu e acabou por agarrar na empresa sozinho. O trabalho foi aumentando e foi pedindo ajuda a alguns amigos. “O produto começou a ser apelativo e com bastante aceitação no mercado, fruto de muito trabalho. Eu trabalhava das sete da manhã à uma da manhã, todos os dias, aos sábados até às oito ou 10 da noite e aos domingos de manhã, muitas vezes”, não esconde.

Tudo o que ganhava ia investindo na empresa, adquirindo novas máquinas. “Eu com 18 a 19 anos não tinha carro, o primeiro dinheiro que juntei quando fiz os primeiros móveis foi para comprar máquinas”, recorda.

Desse início da empresa relata um episódio caricato que o marcou. “Sendo eu de Paços de Ferreira, o mobiliário aqui era porta sim porta sim. Como não tinha transporte para pegar no móvel e ir mostrar ao cliente, não tinha dinheiro para tirar fotografias como se faz agora e fazer catálogos para apresentar às lojas, um dia, no desespero, peguei numa mesa de centro e percorri quatro quilómetros com ela à mão para mostrar a um cliente. Cheguei lá todo transpirado. E ele sensibilizou-se tanto com a atitude que me comprou cem mesas, o que me criou um problema: Eu não tinha madeira para fazer cem mesas”, diz a rir. Pediu então ajuda a um familiar que lhe emprestou cem contos (cerca de 500 euros) para conseguir cumprir com as encomendas. Os amigos ajudaram, fora de horas, e com o dinheiro recebido conseguiu pagar a dívida e comprar madeira para continuar com o negócio.

Foi assim, crescendo aos pouquinhos que contratou o primeiro colaborador. Continuou a crescer, comprou um terreno e fez um pavilhão com cerca de 600 metros quadrados que rapidamente ampliou para mil. “Passados dois anos ampliei para 3.000. Aí já tinha 30 e tal colaboradores”, afirma.

“Quando vi que já não havia solução nenhuma já olhava para aquilo a arder e pensava o que é que ia fazer no dia a seguir”

À medida que aumentou o número de funcionários e o tamanho das instalações a aposta de Francisco Dias não mudou. “A inovação e a criação são a parte fundamental para obter sucesso. Acho que devemos fazer sempre algo diferente. A aposta foi sempre essa e temos tido bastante sucesso no produto que criamos. Tem muita procura”, garante.

O ciclo de sucesso quase foi interrompido na madrugada do dia 12 de Novembro de 2016. “Estava em casa e eram três e meia da manhã quando me ligaram a dizer que a empresa estava a arder. Foi terrível. Quando lá cheguei a empresa já estava toda tomada”, lembra o empresário.

Um “tirar de tapete” que, não esconde, foi difícil de enfrentar. “ São situações que só quem passa por elas consegue sentir realmente a dor do que é perder o que foi durante muitos anos o nosso trabalho”, defende.

A maior parte das pessoas teria desistido, mas não foi o caso. “Foi-se o que estava de pé, mas ficou o conhecimento”, salienta. A empresa, diz, estava saudável e os fornecedores confiaram.

“Quando vi que já não havia solução nenhuma já olhava para aquilo a arder e pensava o que é que ia fazer no dia a seguir. Eram 50 pessoas que estavam à espera da minha solução para saberem o que iam fazer. Eu já não podia olhar para trás. Era aquilo que eu queria e aquilo que sei e gosto de fazer e não havia outra situação que não por os pés ao caminho e tentar resolver o mais rápido possível”, assegura, numa altura em que muitos clientes esperavam produtos encomendados para o Natal.

Assim, fez. A ardeu num sábado. No domingo foi com amigos comprar máquinas usadas. Algumas foram instaladas nesse dia num pavilhão de acabamentos da empresa, de forma improvisada. Na segunda-feira 10 colaboradores já foram trabalhar. Na quarta-feira seguinte já lá estavam os 50 e no dia em que se completava uma semana do fogo tinham construído 50 quartos.

“Quando dias depois disse aos clientes que as encomendas estavam prontas eles não acreditavam”, recorda. Conseguiu-o graças a uma “equipa fantástica”. “Tenho um grupo de colaboradores unidos e que na altura entenderam que a empresa tinha que entregar o produto e desdobraram-se. Trabalhamos 25 horas por dia, porque as 24 já não chegavam, mas foi o realizar de uma conquista quando chegamos a 23 de Dezembro e o produto com que nos tínhamos comprometido antes do incêndio foi entregue”, resume.

Aposta é no crescimento gradual e sustentado

As novas instalações já eram objectivo, mas não estavam equacionadas tão cedo. “Sempre fui a favor do crescimento gradual e sustentado”, salienta. Mas dadas as circunstâncias teve que avançar. Foi um investimento de 2,5 milhões de euros, num edifício no pólo industrial de Carvalhosa, apoiado por fundos comunitários. São quatro mil metros quadrados em que laboram 50 pessoas. “Este ano realizamos cerca de três milhões de euros de facturação e crescemos cerca de 30%”, adianta.

Trabalham sobretudo para clientes, revendedores, do mercado nacional e ibérico. Há interesse em chegar a novos mercados e esse é um dos próximos passos, mas sempre de forma sustentada. “Estamos a trabalhar também a área do interiorismo, que está em muito crescimento, e que acho que é o futuro. Queremos aumentar a produção e solidificar clientes dando-lhe novas soluções”, explica.

Francisco Dias assume que o seu percurso pode ser uma forma de inspirar outras pessoas e mostrar que “tudo é possível”: “A vida tem altos e baixos. Hoje estamos bem e amanhã podemos não estar. O importante é superar os problemas e dar continuidade àquilo que mais gostamos de fazer. É levantarmos os braços e trabalharmos por aquilo em que nós acreditamos”, defende o gerente da Francisco J. Dias, Unipessoal Lda.