A Estratégia Local de Habitação de Valongo, que pretende resolver a situação de 855 famílias (1858 pessoas) que vivem em condições indignas no concelho, com um investimento de 41 milhões de euros, foi aprovada em Assembleia Municipal, por maioria. O único eleito do Bloco de Esquerda votou contra e o PSD e um elemento do CDS abstiveram-se, sendo que os eleitos do PS e da CDU, assim como os presidentes de junta, votaram a favor do documento.

A análise foi feita de críticas e de debate político. O Bloco de Esquerda considerou a estratégia “medíocre” e disse que ficava “aquém das expectativas”, enquanto o PSD alega que “pouco ou nada foi feito” nos últimos oito anos na área da habitação pública.

O PS defendeu o documento afirmando tratar-se de “uma proposta robusta, coerente e ambiciosa”.

“Este documento não contribui para a regulação do mercado e para o combate à especulação imobiliária”

“O Bloco de Esquerda considera esta estratégia medíocre. Ficamos desapontados com a ligeireza com que foi feito o trabalho”, começou por afirmar Fernando Monteiro, argumentando que não foram tidas em conta as reais necessidades do concelho e que está a ser perdida “uma boa oportunidade.

“Este documento não contribui para a regulação do mercado e para o combate à especulação imobiliária”, sustentou, frisando ainda que nos últimos 30 anos não foi construída habitação pública no concelho. “Quando há oportunidade de aumentar [o parque habitacional], com o melhor programa das últimas décadas, não se aproveita”, sobretudo quando a quase totalidade do investimento pode ser a fundo perdido, criticou, falando em falta de audácia.

Destacando a importância do Programa 1.º Direito, Fernando Monteiro sustentou que o objectivo era “que se aumente para 5% o parque habitacional público a nível nacional (que é de 2%), ou seja 120.000 habitações públicas (municípios + IHRU) no conjunto de seis milhões de fogos existentes no país”, quando noutros países, como a Holanda, a percentagem de habitação pública chega aos 35%.

“O município de Valongo atrasou-se na elaboração da Estratégia Local de Habitação (há municípios aqui bem perto, como o de Matosinhos que a elaboraram já em 2018). E sinaliza agora 855 agregados familiares com necessidades de realojamento, mas falta explicar porque indicou apenas 363 famílias necessitadas no levantamento nacional”, referiu o eleito do Bloco. “O município de Valongo não vai dar nenhum contributo sério para se chegar aos 5% de habitação pública (objectivo do actual governo). Haver uma forte oferta habitacional pública é uma das melhores ferramentas para fazer baixar os preços (proibitivos) das rendas habitacionais em Valongo, e o que acontece nesta Estratégia Local de Habitação é que aos 1.170 fogos municipais só acrescerão 357 novos fogos, passando a proporção de habitação pública em Valongo de 2,9% para 3,7%  (bem longe dos 5% solicitados pela Nova Geração de Políticas Habitacionais), criticou Fernando Monteiro.

Acrescentou ainda que “com esta escolha política do município quem fica a ganhar são os proprietários privados de habitação, que sem oferta pública de habitação ficam com o monopólio do arrendamento, com os preços exorbitantes das rendas”, ficando a perder milhares de famílias e jovens que necessitam de “habitação a preços decentes”.

O eleito do Bloco de Esquerda justificou o voto contra com o facto de esta estratégia “desrespeitar as metas e objectivos do programa 1.º Direito”.

“Confiamos no levantamento feito pelos profissionais da Câmara Municipal de Valongo”

Pela CDU, Joana Machado adiantou que iriam votar favoravelmente o documento que é “fundamental para prosseguir a negociação e posterior contratualização com o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) das verbas do 1.º Direito, que virão essencialmente do Plano de Recuperação e Resiliência”.

“Genericamente, parecem-nos números bem fundamentados, ainda que apenas a posse de um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade das carências habitacionais concelhias nos permitisse aprofundar a reflexão que se impõe, pelo que confiamos no levantamento feito pelos profissionais da Câmara Municipal de Valongo, que aponta para a necessidade de resolução da carência habitacional de 855 famílias, correspondendo a 1.858 pessoas”, explicou. “O levantamento destas carências, feito em 2018 junto do IHRU, apontava para a resolução dos problemas de 363 famílias, o que significa que a agora apresentada Estratégia Local de Habitação (2021) reviu em alta estas carências e pretende propor ao programa 1.º Direito um número bastante mais elevado de situações”, afirmou ainda.

“A falta de habitação digna é uma das formas mais violentas de exclusão social”

Do PS veio uma apreciação positiva da Estratégia. “Acabamos de ouvir duas versões que aparentemente não têm nada a ver uma com a outra. Uma é que esta estratégia não vale absolutamente nada, a segunda que talvez valha alguma coisa”, começou por comentar Agostinho Silvestre.

Para o deputado do PS, continuam a existir “carências habitacionais graves” no país, sendo que “a falta de habitação digna é uma das formas mais violentas de exclusão social”, considerou, relevando, por isso, o “significado e impacto social” deste documento.

“Não sendo a solução perfeita, porque não é, é uma proposta robusta, coerente e ambiciosa”, defendeu o socialista. “É robusta porque está sustentada num diagnóstico aprofundado, rigoroso e muito participado, cujo diagnóstico, em Valongo, aponta para 855 famílias, 1858 pessoas, que vivem em situação de grave carência habitacional, o que não nos pode deixar indiferentes”, elencou. “É coerente porque com base nesse diagnóstico e caracterização das famílias apresenta soluções ajustadas”, que serão implementadas em várias vertentes, desde a reabilitação de fogos à construção e sub-arrendamento.

E é “ambiciosa, pela qualidade e oportunidade das soluções que propõe e também porque não se limita a ser um documento cheio de boas intenções para mais tarde se fazer” e será concretizada em seis anos, disse Agostinho Silvestre, acrescentando ainda que essa ambição fica demonstrada pelo investimento superior a 41 milhões de euros previsto, que será financiado. O eleito do PS concluiu que esta é uma “oportunidade de tornar Valongo num território de inclusão”.

Em oito anos “pouco ou nada foi feito”, diz PSD

O PSD começou por acusar o presidente da Câmara de Valongo de não ter tido “a vontade política” para “fazer nada” pela habitação social nos últimos oito anos.

Estas necessidades “não nascem agora”, frisou Daniel Felgueiras. “A Vallis Habita tem conhecimento destas necessidades assim como a Câmara de Valongo, e nada ou muito pouco fizeram para dar o tiro de partida que daria esperança a estas 855 famílias numa resolução rápida e eficaz dos seus problemas”, apontou, elencando obras necessárias em vários empreendimentos do parque habitacional público de Valongo, presentes no diagnóstico traçado.

“Estas situações, conhecidas de todos, agora assumidas claramente pela câmara, podiam e deviam ter tido ao longo dos últimos oito anos um tratamento bem diferente. Mas foi mais importante usar os fundos camarários em obras efémeras de cosmética, obras de regime e festas que em nada melhoram a vida dos valonguenses”, alegou Daniel Felgueiras, sustentando que “pouco ou nada foi feito”.

O deputado do PSD questionou o executivo da Câmara como se vai financiar os cerca de 37 milhões que seriam responsabilidade do município. “Sendo este investimento muito importante e estratégico para o concelho, o PSD espera que a inclusão social e territorial tenha sido bem reflectida e integrada neste plano de investimento. Factores como o transporte inter-freguesias, construção e reabilitação de equipamentos sociais assim como a segurança tem que estar devidamente acauteladas, sob pena de não conseguirmos arrancar estes empreendimentos às garras do preconceito e sensação de gueto que muitas vezes é prevalente na nossa sociedade. Um investimento desta magnitude, mas principalmente desta importância estratégica tem que ser bem pensado e executado”, defendeu.

Deixou depois um conjunto de questões/preocupações do PSD quanto a questões práticas e ao regulamento que vai gerir a habitação pública, para concluir lembrando que é preciso criar medidas de apoio que facilitem o acesso há habitação aos agregados mais jovens, ficando-os no concelho, “seja através de isenções de taxas ou mesmo apoios à construção”. “Em Valongo temos que apoiar os mais jovens, principalmente na aquisição da sua primeira casa. Temos que apoiar a classe média, asfixiada financeiramente, com carga fiscal elevadíssima, e a ser, por isso mesmo empurrada para fora do concelho de Valongo. Temos de ter habitação social digna para todos os que dela necessitam. Temos que ter um apoio efectivo e eficaz a todos os que se encontram em situação de sem abrigo. Apoio efectivo e não só para a fotografia”, disse, apelando a que esta oportunidade seja devidamente agarrada para não ser uma “oportunidade perdida”.

“Isto é uma estratégia feita com base na lei, ninguém inventou nada”

Não satisfeito com as críticas elencadas, o presidente da Câmara de Valongo deu explicações, primeiro ao Bloco de Esquerda e depois ao PSD.

“Fico com a sensação que não leu a lei. Nós não podemos inventar famílias. Para atingir os 5% tínhamos que martelar os números”, respondeu José Manuel Ribeiro a Fernando Monteiro. “É deselegante dizer que este documento é medíocre e que foi tratado com ligeireza”, acrescentou, dizendo que em política não vale tudo.

“Tem obrigação de ser sério. Não são 3,7, são 3,9% e são 423 novos fogos, 50 em habitação própria e 382 habitações públicas”, elencou o autarca, afirmando que se tem vindo a melhorar o parque público nos últimos anos. “Vir aqui fazer este tipo de acusações é ofensivo”, criticou, afirmando que o processo é ambicioso, prevê investimento de 41 milhões de euros e tem decorrido a par do das outras autarquias.

“É um bocado estranho vir aqui alguém do PSD, do partido que acabou com o apoio à habitação pública, falar do tema. Pode falar, mas devia ter algum cuidado. Se há partido que deu contributo negativo para travar o investimento na habitação social foi o seu partido”, disse depois a Daniel Felgueiras. “Vem aqui falar de guetos. Os problemas que temos hoje foram decisões do seu partido quando governava a câmara que fez bairros sociais nos sítios mais incríveis do concelho”, alegou José Manuel Ribeiro.

“A CDU disse ‘temos as nossas dúvidas mas confiamos no levantamento efectuado’, é correcto”, afirmou, criticando a postura do BE e do PSD. “Brincar com a desinformação é complicado e não é compensador”, apontou.

O presidente da Câmara reafirmou que esta estratégia vai permitir resolver problemas graves “herdados”. “Trabalhamos todos os dias para encontrar soluções, quando encontramos e não estamos desfasados dos outros municípios está mal, tudo o que o PS faz na câmara está mal” para a oposição, criticou. “Isto é uma estratégia feita com base na lei, ninguém inventou nada”, alegou ainda.

“Com este documento vamos, nos próximos quatro anos, resolver cerca de 90% destes 855 fogos. O problema de habitação vai ser resolvido com este documento e tenho pena que fiquem presos a essas pequenas lógicas partidárias, achando que tem benefícios eleitorais”, concluiu o edil valonguense.