Adriano RibeiroUma abordagem séria sobre as opções que neste momento estão em cima da mesa acerca do futuro da STCP, exige uma análise, ainda que superficial, à tentativa de privatização que o governo PSD/CDS procurou impor.

Tratava-se de entregar integralmente a STCP a capitais privados, subordinando um serviço público desta importância à lógica do lucro. Este processo foi ainda mais grave por assentar num caderno de encargos que punha em causa a sua função social

Tinha razão a CDU quando manteve, até ao fim, a confiança na possibilidade de travar a privatização e no papel decisivo da luta dos trabalhadores e utentes para alcançar esse objectivo.

Num quadro, apesar da intervenção revanchista de PSD e CDS, de hesitações do PS e de uma intervenção negativa do Presidente da República, valorizamos o acto de ter sido possível aprovar na Assembleia da República alterações aos estatutos da STCP que reforçam a sua condição de empresa pública.

Esta proposta surge num momento de grande fragilidade da STCP e os seus defensores tentam explorar demagogicamente justos descontentamentos que existem, tendo em conta a STCP que se encontra profundamente afectada pelas consequências das opções impostas por governos anteriores, e que levou à diminuição da oferta de serviço público e consequente diminuição da procura.

A situação actual da empresa é calamitosa, e pode ser caracterizada por um número insuficiente de veículos no terreno, por uma quebra muito significativa na sua/ manutenção, pela diminuição da frequência média das linhas – que é agora de cerca de 30 minutos -, pelo aumento do número de viagens perdidas e, mais recentemente, por uma nova agudização do défice de pessoal.

Atendendo à gravidade da situação descrita, torna-se evidente que a municipalização não resolverá os problemas da empresa e que os objectivos anunciados pelo Governo PS – “promover a gestão e o uso eficiente dos recursos públicos”, a “universalidade do acesso e da qualidade dos serviços”, a “coesão económica, social e territorial”, o “desenvolvimento equilibrado do sector dos transportes e a articulação intermodal” – são parte integrante de um discurso vazio que visa ocultar as reais consequências de um processo que conduzirá a STCP num sentido diferente do necessário e do desejado pelos trabalhadores e utentes

A análise dos documentos que estão em discussão hoje e que serão levados à reunião do Conselho Metropolitano do próximo dia 7 de Dezembro reforçou os motivos das críticas já veiculadas anteriormente pela CDU.

Quanto à acusação de desresponsabilização da Administração Central – porque a capacidade e responsabilidade de assegurar o financiamento deste serviço público é do Estado Central e não de algumas câmaras endividadas –, esta fica plenamente confirmada com a leitura do Contrato de Delegação de Competências. Nele o governo delega quase todo o poder na Área Metropolitana do Porto (AMP) e na Unidade Técnica que fará a gestão operacional.

Os municípios ficariam responsáveis pelo tarifário, definição da rede e do serviço público a prestar, tendo a possibilidade de recorrer a serviços de transporte “complementares” e “afluentes” (por outras palavras, a contratar privados para substituir carreiras da STCP ou canalizar passageiros para a STCP).

O governo demite-se, portanto, de quase todas as responsabilidades, permitindo que a AMP possa alterar o serviço público como melhor entender, bastando que para isso que lhe dê conhecimento.

A única área em que fica claro que o governo não prescinde do seu poder é no que concerne a decisões que tenham impacto na dívida histórica da empresa.

Neste ponto, em particular, torna-se evidente que todo o processo fica subordinado à chamada “sustentabilidade económica”; essa parece ser, aliás – e apesar do floreado dos objectivos referidos anteriormente – a prioridade do processo.

Está bem definido, por exemplo, quem não paga: o Estado Central e os demais onze municípios integrantes da AMP. No entanto, no que concerne à regulação do pagamento das compensações financeiras por obrigações de serviço público (as Indemnizações compensatórias), a definição desses mecanismos fica remetida para o futuro num contrato a celebrar entre a AMP e os seis municípios envolvidos.

Para já o que o contrato define é o seguinte: cada município paga proporcionalmente ao nº de Veículos*km produzidos na sua área, o que admite a possibilidade de, no futuro próximo, os serviços variarem de acordo com as condições financeiras de cada um dos municípios.

Esta opção é ainda mais grave conhecida que é a situação financeira da maioria dos municípios envolvidos, que se encontram profundamente endividados e com a sua capacidade de investimento comprometida. Este é infelizmente o caso da Câmara Municipal de Valongo.

A leitura dos novos documentos acrescenta novas contradições, ambiguidades e motivos de preocupação.

Por exemplo, sobre o destino a dar à dívida histórica da STCP aquando do final do contrato, nada é referido. Não bastam declarações, é necessário que não haja qualquer margem para dúvidas.

Admitamos que antes de entregar a STCP às autarquias, terá lugar a aquisição de nova frota sem custos para as câmaras municipais. Daqui por 10 ou 15 anos como será realizado um novo investimento cujo montante se estima rondar os 80 a 90 milhões de euros? Será que as câmaras municipais têm condições para tal?

Dá-se ainda a situação “peculiar” da AMP passar a ser a responsável pela gestão da STCP e, simultaneamente, pela sua fiscalização.

Acrescentamos ainda que:

  1. O município de Valongo se encontra numa situação financeira complexa, que condiciona seriamente a sua capacidade de investimento. Por responsabilidade do PS, do PSD e do CDS vários dos principais serviços da autarquia, como Águas e Saneamento, Estacionamento e Limpeza foram entregues a privados, com o pretexto de que a Câmara não dispunha de meios. Assumir agora a responsabilidade pela operação da STCP levanta muitas e fundadas dúvidas.
  2. A participação das autarquias em decisões sobre a rede da STCP não deve corresponder a transferir para estas uma responsabilidade social que sempre foi da competência da Administração Central.
  3. As autarquias que gerem transportes públicos, como Coimbra, Braga e Barreiro, exigem que a Administração Central as apoie. No Grande Porto, paradoxalmente, parece que as autarquias pretendem facilitar o caminho de alijamento de responsabilidades por parte do Governo do PS.

Pelo exposto, a CDU vota contra a proposta.