Com 197 anos de actividade ininterrupta, e muitos pontos altos na sua história, a Banda Musical de Freamunde assume-se como uma das instituições mais antigas do concelho de Paços de Ferreira. Mas a idade não lhe pesa. Tem um palmarés significativo e já formou centenas de músicos. Nos últimos anos reforçou a aposta na juventude com a criação de uma escola de música que tem, este ano, 74 alunos. Além da banda, conta ainda com uma tuna que já envolve cerca de 50 elementos.

Quem está na Associação Musical de Freamunde é por paixão. O grande sonho era construir um auditório.

“É a banda mais antiga do concelho e das mais antigas do distrito do Porto”

Há quase 41 anos que Luís Rego, actual presidente da Associação Musical de Freamunde, está ligado à banda. Nunca foi músico, mas a paixão pela música sempre o uniu à instituição pela qual já passaram gerações da família. “Tanto da parte paterna como materna sou de família de músicos. O meu falecido pai era um grande saxofone alto, tocou 61 anos na Banda de Freamunde. O meu avô tocou muitos anos e tive os meus tios e primos todos bons músicos”, conta o homem de 69 anos. “Tive um irmão que deixou a música. E eu que tive sempre uma paixão pela música, que estava sempre em casa ao lado do meu pai quando ele tocava e que ia atrás dele para os ensaios na antiga casa da pesca puseram-me a estudar para me dar um futuro melhor. Fiz o 5.º ano liceal, mas a minha paixão não era estudar. Comecei a andar atrás da banda e estive sempre presente”, recorda Luís Rego.

É essa mesma paixão que o mantém na direcção, agora como presidente desde 2016.  “Gosto muito de futebol, mas não deixo a banda pelo futebol. Vou sempre com a banda, sou um presidente sempre presente”, garante o dirigente.

Fundada em 1822, a Banda de Freamunde, antes Banda Marcial de Freamunde e, desde que passou a ser associação de utilidade pública (1979), Associação Musical de Freamunde, conta com 197 anos de actividade ininterrupta. “É a banda mais antiga do concelho e das mais antigas do distrito do Porto”, testemunha Luís Rego. Ao longo do seu percurso, formou centenas de músicos, sendo que muitos deles integraram ou integram as bandas da GNR, Força Aérea, Marinha ou PSP ou são professores de escolas profissionais, artísticas ou de academias musicais. “Aqui foi sempre um alforge de bons músicos”, sustenta o presidente da instituição que se dedica, desde sempre, à promoção da cultura musical.

Ao longo de quase duas centenas de anos, a Banda de Freamunde tem levado o nome da terra aos quatro cantos do país e até fora dele. “Já tivemos quatro digressões a França e três a Espanha. E é uma banda que é muito solicitada para as festas devido ao seu nível artístico e pela postura”, explica Luís Rego.

A história fez-se, claro, de pontos altos e momentos mais tristes. De destacar o elevado palmarés da associação musical. “Ganhámos muitos prémios, uma batuta de ouro, outra de marfim, diversas medalhas em ouro, diplomas de mérito e altruísmo, a medalha de ouro da junta de freguesia. E muitos prémios em confronto com outras bandas. Temos um palmarés muito rico que nos orgulha”, afirma o dirigente, sentado no pequeno museu que retrata alguns dos principais momentos da banda.

“A Banda de Freamunde neste momento não é um barquito puxado a remos, é um navio que tem que ser muito bem pilotado”

“A Banda de Freamunde neste momento não é um barquito puxado a remos, é um navio que tem que ser muito bem pilotado”, defende, comparando os tempos de hoje com a altura em que os ensaios decorriam em barracos, alpendres e casas antigas sem condições. Já estiveram instalados num pré-fabricado, até que ocuparam o edifício de uma antiga escola da freguesia, instalações que ocupam há sete anos. “Estamos mais ou menos bem servidos, mas isto está a crescer. Temos mais de 70 alunos na escola de música, temos uma tuna e isto começa a ser pequeno. Ainda assim temos uma biblioteca, uma casa de ensaios boa, uma sala de convívio, este museu. Não podemos dizer muito mal”, garante.

A grande ambição da Associação Musical era criar um auditório. O apoio ao projecto chegou a estar prometido num anterior Governo, com a ajuda da Câmara Municipal de Paços de Ferreira. A Banda angariou fundos, através de peditório, e pagou um projecto, mas acabou por não haver financiamento. “Queríamos fazer cá o auditório, mas não vemos hipótese. Também temos um terreno nosso junto ao ciclo preparatório para esse fim. A ambição era essa, mas é difícil, fica muito caro”, lamenta.

A Banda Musical de Freamunde tem apenas como receitas os subsídios da autarquia, as quotas dos associados e os fundos angariados com as Janeiras. “Temos perto de 70 elementos e temos que lhes pagar além da luz, da água, da internet, a limpeza do espaço. Tudo são encargos”, refere Luís Rego.

As festas, que já chegaram às 60 nos tempos áureos, são hoje cerca de 14 por ano. “O valor que cobramos não chega para pagar aos músicos e ainda temos o transporte. Recebemos dezenas de pedidos, mas fazer contratos, são 13 a 14. Não andamos em mais do que isso”, dá como exemplo. Além dessas romarias, fazem concertos no dia 25 de Abril, nas Sebastianas, no aniversário da Cidade e no Natal.

Banda tem 70 elementos e “muita juventude”

Até há poucos anos, a Banda de Freamunde era considerada uma banda “machista”, porque não admitia mulheres. O motivo era simples: não havia condições para isso e as mulheres abandonavam mais depressa a banda à medida que casavam e constituíam família.

Isso mudou em 2014. No concerto do 25 de Abril entraram as primeiras duas mulheres. “Costuma-se dizer que não há fome que não traga fartura e neste momento temos para aí 14 raparigas. E vão entrar mais três”, explica o presidente da Banda.

O grupo tem à volta de 70 elementos e “muita juventude”. “A média de idades andará nos 25 anos. Temos muito jovens e bons músicos, que gostam da banda. O ambiente é maravilhoso. A muitos chamo ‘os meus meninos’. Vi-os crescer”, conta com um sorriso Luís Rego.

A Banda já gravou CD’s e DVD’s, o último num concerto na Torre dos Clérigos, e os objectivos de futuro passam por “manter sempre um bom nível da banda, artisticamente, continuar com a escola e manter o prestígio alcançado”, além de melhorar as instalações.

Para Luís Rego, é o “último ano” à frente da direcção, adianta. “É preciso muita paixão para quem vier. É preciso dar lugar a outros”, diz.

José Maria Queirós é o músico mais antigo da banda

Com uma vida intrinsecamente ligada à Banda de Freamunde, José Maria Queirós é praticamente um “faz tudo”. É músico, vice-presidente e contramestre, entre outras funções.

“Entrei para a banda no dia 14 de Abril de 1966, em Louredo, Paredes. Foi num dia de Páscoa. São 53 anos de banda”, recorda. Começou pelo fliscorne e toca tuba, nos últimos 40 anos. “Entrei porque gostava de música. E um professor que me ensinou aconselhou ao meu pai que esta banda seria o melhor para mim”, conta.

Por ali ficou. “Neste momento sou o mais antigo da banda”, salienta. É contramestre há 28 anos, faz o papel de tesoureiro e é vice-presidente há dois anos. “Sempre estive disponível para a banda. Já me aconteceram coisas más e estive cá sempre presente na banda. Foi coisa que nunca abandonei a Banda de Freamunde”, garante o pacense.

Para a música puxou o filho, hoje professor em conservatórios e já trouxe também o neto. “Tenho dois netos. Não serão obrigados, mas gostava de os ver na música”, confessa José Maria Queirós.

É que a banda, sustenta, é mais que uma banda. “A banda de música não é só tocar música, deve ser um meio de educação das crianças. Gosto que todos os músicos estejam confortáveis e se sintam bem aqui dentro. Para nós é como se fosse uma família. Não é só pega no instrumento, marcha e toca, há outras coisas importantes também”, frisa.

Destaca ainda a juventude da Banda de Freamunde que lhe dá “um futuro riquíssimo”. “Temos aqui muitos músicos com futuro, que foram para a faculdade e hoje são professores de música, outros foram músicos militares, que é o meu caso. E temos bons músicos que não seguiram a música, estão aí arquitectos e engenheiros”, dá como exemplo.

O maestro que não trouxe rupturas, mas procurou dar um novo tempero

Prova de alguém que se iniciou da música em pequeno e fez da música a sua vida é a história de Carlos Silva, natural da Lixa, Felgueiras, e actual maestro da Banda de Freamunde.

“Começo na música como quase todos os músicos de sopro, comecei na banda da minha terra natal com sete anos de idade. Os meus pais e os meus avós tinham pergaminhos na banda. Sou de uma família de músicos”, refere. “Depois fiz o meu percurso normal na filarmonia. Nasci no seio da banda como muitos músicos instrumentistas de sopro e percussão deste país”, descreve.

A actividade de maestro/director artístico começou pelos 25 anos. “Nós músicos temos uma atividade muito intensa de aperfeiçoamento e performance do próprio instrumento. Depois começamos a ver a música de forma mais ampla e é uma espécie de jogador de futebol que passa a treinador, mas que continua a ser jogador. Eu continuo a ser músico, mas tenho esta forma de estar na vida dentro da música que me fascina que é a parte da direcção musical”, explica Carlos Silva.

Começou num grupo coral em Penafiel, onde adquiriu experiência, e assumiu a direcção artística da Banda de Freamunde no ano de 2007. “Foi uma grande aventura em aprendizagem”, garante, que o levou a um mestrado na direcção de sopros na Universidade de Aveiro que está a concluir.

Em Freamunde, não buscou rupturas. “Um maestro numa banda filarmónica deve enquadrar-se historicamente nessa própria banda. Há um conjunto de tradições e hábitos que já vêm detrás. A banda de Freamunde tem quase 200 anos. Nós não vimos descobrir nada, vimos só colocar mais um tempero diferente porque a comida já está feita”, defende.  O truque passa por tentar “acrescentar valor” ao que já existe, mas nunca esquecendo a tradição e o percurso histórico. “Sei que há maestros que gostam de criar rupturas, mas eu não defendo isso. Julgo que devemos acrescentar valor, irmos à procura de fazer coisas diferentes, acompanhar os tempos, mas as rupturas nunca foram positivas nem boas”, acredita o maestro.

A Banda de Freamunde tem uma grande diversidade de género, tocando desde marchas e aberturas escritas para orquestras sinfónicas como rapsódias ou música ligeira. “Às vezes não nos apercebemos, mas uma banda é extremamente rica na diversidade de géneros musicais”, sustenta.

A renovação da banda traz também desafios. “É o novo paradigma da música em Portugal. As bandas hoje vivem com essa rotatividade e a Banda de Freamunde não foge à regra”, explica, lembrando que os jovens têm muitas vezes percursos de vida fora da terra, em escolas, universidades ou mesmo pela vida profissional.

Conciliar agendas nem sempre é fácil, mas um ensaio semanal, ao fim-de-semana, é certo. O trabalho para preparar as festas e romarias já começou. “Procuramos estar no melhor nível possível. A Banda de Freamunde tem essa reputação, esse nome, e temos que dar boa réplica”, defende Carlos Silva.

Tuna é um chamariz para a Banda e Escola de Música quer ser conservatório no futuro

Mas nem só de banda se faz a Associação Musical de Freamunde. Nos últimos anos, surgiram dois novos projectos: uma escola de música e uma tuna, que envolvem dezenas de elementos.

António Brandão é músico da banda e também faz parte da direcção. É também responsável pela Tuna da Associação Musical de Freamunde e um dos directores pedagógicos da escola de música.

“Quando viemos para estas instalações havia muito espaço vazio e uma das ambições do anterior presidente era criar uma escola de música. Tivemos uma escola de música tradicional, com cavaquinhos, concertinas, acordeões e violas que funcionava à noite com pessoas mais velhas e o objectivo era criar um grupo musical”, conta. Ele, licenciado em Educação Musical, era, na altura, maestro da Tuna de Carvalhosa e foi o escolhido para iniciar ali projecto idêntico.

A Tuna arrancou em Março de 2013. Foi crescendo em repertório e faz cerca de 11 actuações anuais. “Os nossos músicos não ganham dinheiro. O objectivo da Tuna é ajudar a banda que é o ex-libris da associação. Vamos actuar a festas onde a banda foi contratada de forma gratuita, é mais um chamariz”, explica António Brandão.

O grupo é ainda um espaço de convívio entre os mais jovens e os mais velhos e, muitas vezes, há mesmo mais elementos nos ensaios da Tuna do que nos da Banda. Actualmente tem cerca de 50 elementos, entre os elementos do coro e os músicos, entre os 14 e os 75 anos, e um repertório que inclui alguma recolha das tradições de Freamunde. Já gravaram um CD que será lançado em breve.

No que toca à escola de música, existiu, durante muitos anos, uma instituição desligada da Banda que começou a entrar em declínio. “Chegou-se a um ponto em que já não havia músicos a formar-se para vir para a banda. Eram mais formados em escolas privadas”, refere o director pedagógico. Começaram com uma escola ligada à Associação Musical no ano lectivo 2013/2014. “Arrancou com cerca de 30 alunos. Foi crescendo e, no ano passado, foram mais de 50. Agora estamos com 74 alunos e 12 professores”, descreve António Brandão. Há aulas de instrumentos diversos como trompete, tuba, percussão, guitarra, cavaquinho, acordeão, viola de arco, violino ou piano. A escola teve como primeiro objectivo formar uma banda juvenil, uma orquestra com os mais jovens da banda. Tem cerca de 40 músicos e já se apresentou no concerto de Natal. “Este ano vamos participar num encontro de orquestras juvenis em Vila Franca de Xira, em Maio”, avança o responsável.

“O objectivo futuro é criar um conservatório de música em Paços de Ferreira”, afirma António Brandão. Isso implica transformar as instalações. Duas empresas já ofereceram material para insonorizarem as salas. “Queremos levar a arte musical mais longe”, garante.