Um agente comercial argelino está acusado de, durante pelo menos dois anos, ser o mentor de uma rede que, de forma fraudulenta, conseguiu autorizações de residência para dezenas de cidadãos, sobretudo, marroquinos. Para conseguir os vistos, que depois foram usados pelos imigrantes para circular pela Europa, o homem de 53 anos contou com a colaboração de um casal da Maia, de um contabilista de Matosinhos, de duas proprietárias de habitações na Figueira da Foz, de um empresário do Marco de Canaveses e, por fim, de uma funcionária da delegação da Figueira da Foz do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Todos estão acusados dos crimes de auxílio à imigração ilegal, falsificação de documentos e abuso de poder num julgamento que começará em janeiro do próximo ano. Entre os arguidos estão ainda 41 imigrantes marroquinos, um brasileiro e um equatoriano. No entanto, só 16 dos acusados compareceram, esta quarta-feira, no Tribunal de Penafiel, onde começou este julgamento.

 

Funcionária do SEF emitia pareceres positivos mesmo sabendo que documentos apresentados eram falsos

Abderrezk Ouzeri, argelino com nacionalidade portuguesa há vários anos, começou, segundo a acusação do Ministério Público consultada pelo VERDADEIRO OLHAR, a ser contactado por cidadãos estrangeiros interessados em obter ou renovar autorizações de residência em Portugal em 2008. Desde então, este agente comercial passou a acompanhá-los nas deslocações ao SEF, onde servia de tradutor e preenchia requerimentos. Mas Ouzeri fazia mais. Perante as intransigências legais impostas, aconselhava os imigrantes de modo a “ludibriar as autoridades portuguesas”.

E era neste ponto que Ouzeri recorria a Jorge Caldeira que, juntamente com a mulher, criou, em 2008, a Rasgo Criativo, Lda., uma empresa de construção civil que nunca teve qualquer actividade. A empresa serviu, apenas, para arranjar contratos de trabalho e inscrever os cidadãos marroquinos na Segurança Social. Apesar de nenhum dos estrangeiros ter trabalhado nesta entidade, a empresa com sede numa moradia de Águas Santas, na Maia, emitiu os respectivos recibos de vencimento e pagou as contribuições obrigatórias por lei.

Ouzeri também convenceu José Soares a alinhar na fraude. Este funcionário de um gabinete de contabilidade de Matosinhos elaborou, sem autorização, contratos de trabalho para outros cidadãos marroquinos em empresas de pesca representadas pelo patrão.

Quer Jorge Caldeira, quer José Soares recebiam uma quantia nunca inferior a 600 euros por cada contrato de trabalho efectuado.

Ouzeri pagou, ainda, a duas mulheres da Figueira da Foz para que estas realizassem falsos contratos de arrendamento em nome dos imigrantes, o que permitiu que estes conseguissem atestados de residência emitidos pelas juntas de freguesia de Brenha e de São Julião.

Na posse destes documentos, os cidadãos marroquinos dirigiam-se à delegação da Figueira da Foz do SEF, onde eram recebidos pela assistente administrativa Isabel Rocha. Esta, mesmo sabendo que os documentos eram falsos, deu pareceres positivos à emissão de autorizações de residência. A funcionária do SEF também informava Ouzeri do estado dos processos e dava-lhe informações sobre como contornar qualquer problema que surgisse.

O esquema descrito serviu não apenas para os imigrantes que chegavam a Portugal, mas também para aqueles que, com autorização para residir no país, estavam já noutro ponto da Europa e queriam renovar o visto. Foi o caso de um travesti brasileiro que, com um falso contrato de trabalho numa empresa do Marco de Canaveses, viajou da Dinamarca para Portugal apenas para se apresentar nas instalações do SEF.