Tudo começa com o copo de água, com convidados, empregados de mesa, músicos e família. Todos aguardam os noivos. Sérgio de Brito, o actor de Astromil, Paredes, que, recentemente ganhou uma bolsa para novos criadores em teatro da Fundação Calouste Gulbenkian, e Ana Sampaio e Maia, actriz, natural de Mindelo, Vila do Conde, fazem parte desta cerimónia que, à medida que o tempo passa, começa a parecer condenada. Porquê? Porque os noivos nunca aparecem.

A dupla Sérgio e Ana, talvez em nome do teatro que, independentemente das adversidades, não pode morrer, acabam por fazer deles próprios, e dos noivos, e dos músicos, e dos empregados de mesa e dos familiares.

Ao longo de 70 minutos, juntam-se em cena “artistas, amantes e rivais”. Sampas, como é carinhosamente chamada Ana Sampaio e Maia, e Sérgio de Brito, disputam o palco pela primeira vez e surgem “ao estilo de Bette Davis e Joan Crawford”, e são duas divas que têm a missão de animar um casamento.

Sérgio será Sampas e vice-versa, “numa tentativa desenfreada de saber quem é a verdadeira diva de uma aldeia chamada Portugal”, lê-se na sinopse.

Há “música, há gritos, há comédia e terror”, numa alusão a uma sociedade que é a nossa. Vestem-se, despem-se e encarnam inúmeras personagens, numa eximia analogia à sociedade actual.

‘As Divas da Aldeia’ é um espectáculo escrito por Ana Sampaio e Maia e Sérgio de Brito, em co-produção com a Escola de Mulheres, uma companhia de teatro que nasceu há quase 30 anos em Lisboa.

Em entrevista ao Verdadeiro Olhar, Sérgio relata a história da performance à velocidade dos próprios acontecimentos. “Fazemos uma analogia aos tempos de hoje”, com uma família à mesa que quer despachar a “filha encalhada”. O palco nada mais é do que um espelho onde nos vemos reflectidos, porque “vivemos de aparências”. Neste caso, há quem projecte o que é melhor para uma filha. “E o que idealizam é bom para todos, menos para ela”, sublinha o actor que é também astrólogo e tarólogo.

E a dupla “revolta-se e encarna o papel de noivos e decidem casar um com o outro”. E até fazem votos de casamento que chegam recheados de “ódio”, porque “o casal já não se suporta”. E, nessa altura, despejam naquele manuscrito onde deveriam existir juras de amor eterno, acusações como “não me dás orgasmos, não te suporto, sonho com a separação”, relata Sérgio de Brito. E é este crítica à instituição do casamento que os actores quiseram mostrar, “um país que, em 2023, ainda é quadrado” e que “não permite que noivos tenham voz”.

Para além do que se passa na sala onde estão os convidados e decorre a festa, ambos servem de megafone a quem fala entre dentes ou a quem está na cozinha.

E ao longo dos 70 minutos que dura a encenação, vemos Portugal em palco, um país “que é uma aldeia e onde todos querem ser divas”.

Mas conseguirão os dois actores multiplicar-se? É claro que sim! É cansativo? “É”, responde prontamente Sérgio de Brito. Mas esta ideia também tem nas entrelinhas o mundo do espectáculo, do teatro, onde duas pessoas assumem vários papeis de “produtores, actores, criadores e até cantores”. Sim, cantores, porque em ‘As Divas da Aldeia’ vamos ter oportunidade de ouvir vozes como de Simone de Oliveira e Ney Matogrosso, relata o actor.

E é desta cansaço que vivem os actores no nosso país, porque têm que lutar, e inovar, e fazer e sobreviver.

Actores criaram a associação com mesmo nome da peça, As Divas da Aldeia, que tem sede em Astromil

Entretanto, Ana Sampaio e Maia e Sérgio de Brito criaram uma associação, com o mesmo nome da peça, ‘As Divas da Aldeia’, com sede em Astromil. A ideia passa por “desenvolver a cultura a norte do país”, sobretudo aquelas terras que quase ninguém ouviu falar. Aliás, os dois actores residem, actualmente, em Lisboa, mas quando são questionados sobre as suas origens, dizem sempre que são de “Astromil e Mindelo”.

A peça vai estar em cena na Sala de Teatro do Clube Estefânia, no espaço Escola de Mulheres, em Lisboa, de 23 de Fevereiro a 5 de Março. Depois, faz as malas e viaja até Vila do Conde, onde se vai apresentar no auditório local, a 17 de Março. No final do ano, estará na Madeira. E entre estes dias livres, quem sabe se não poderá ser vista em Paredes.

Porque tanto Ana como Sérgio querem “espicaçar consciências”, como o actor revelou ao Verdadeiro Olhar. E “mostrar ao mundo o que não é permanente”, sendo certo que não vão dar respostas, vão preencher vazios e “divertir”, mas, sobretudo, “ajudar a pensar”.