Mais que o orçamento para 2022, o tema maior da última Assembleia Municipal de Lousada, foi o ponto dois da ordem de trabalhos, a aprovação do regimento da Assembleia para o quadriénio 2021-2025, aquele que originou um debate mais aceso.

A coligação Acreditar Lousada considerou o documento “anti-democrático” e afirmou que se está a seguir um caminho que pretende “calar” e “controlar” a oposição.

A bancada do PS alegou que até cedeu tempo aos eleitos do PSD/CDS-PP. “Se somos assim tão anti-democráticos e até vos queremos cortar a voz não entendo muito bem porque é que tiramos do nosso tempo de intervenção para vos ceder a vocês”, apontou Eduarda Ferreira.

“Votei contra porque não aceito ser condicionado nesta Assembleia. A maioria impôs regras que condicionam a liberdade democrática. A mim nunca me calarão”, avisou Leonel Vieira, em declaração de voto.

“Querem controlar as intervenções da oposição e isso é intolerável”

O debate ainda começou ameno, mas foi escalando à medida que se esgrimiam argumentos de parte a parte.

Leonel Vieira, pela Acreditar Lousada, começou por dizer que, em reunião com a presidente da Assembleia Municipal e com a líder de bancada do PS, não conseguiram chegar a acordo em dois temas.

O PSD/CDS-PP não concorda que o presidente da Câmara só seja chamado a esclarecer a oposição no final da segunda volta de intervenções, o que devia acontecer para “favorecer o debate democrático”. Também discorda que tenha sido estabelecido como prazo para apresentação de moções e recomendações o dia anterior à sessão. “Querem controlar as intervenções da oposição e isso é intolerável, não podemos aceitar. Esta assembleia tem de ser um espaço de liberdade, a casa da democracia. Não tenham medo do debate”, sustentou o eleito do PSD/CDS-P. “Se a vossa proposta for aqui aprovada não estranhamos que um dia destes nos vão impor, pelo voto da maioria, que as nossas intervenções sejam remetidas por escrito ao senhor presidente da câmara com uma semana de antecedência para ele as autorizar ou para as alterarmos em função da sua opinião ou interesse”, ironizou ainda.

Algo que não foi discutido, mas que a bancada da oposição também queria que fosse alterado, era que a intervenção do público passasse a acontecer no início das sessões. “Se queremos mesmo que os munícipes possam participar temos de criar condições. Na situação actual, dificilmente participarão porque estas sessões terminam, muitas vezes, após a meia-noite e os munícipes não vão esperar três, quatro ou cinco horas para poderem colocar questões ao presidente da câmara”, argumentou Leonel Vieira.

“Nada melhor para a democracia que um voto consciente, um voto estudado”

Pela bancada do PS, Eduarda Ferreira começou com um ponto de ordem: “Se somos assim tão anti-democráticos e até vos queremos cortar a voz não entendo muito bem porque é que tiramos do nosso tempo de intervenção para vos ceder a vocês”. “Dados os resultados eleitorais, poderia até a bancada do PS ter uma postura diferente e não a teve”, frisou.

Este regimento, resumiu, traz duas novidades, desde o facto de os documentos constarem de uma plataforma no site do município, “acessíveis a todo o momento”, numa “desmaterialização do processo”, até à transmissão das assembleias online.

Em resposta à oposição, a socialista considerou que a questão sobre a intervenção do público foi “extemporânea” e já devia ter sido colocada em sede de reunião de representantes. “Já falaram disso em mandatos anteriores e a nossa posição mantém-se. O público pode e deve fazer intervenção no final, a questão que trazem para colocar até pode ser respondida no decurso da assembleia”, alegou. “Sabemos que as assembleias têm uma duração prolongada, mas felizmente o município tem uma série de plataformas onde os munícipes podem colocar questões ao presidente e vereadores, como é o caso do atendimento ao público, ou até por via de e-mail”, referiu também. Já a intervenção do presidente no final da primeira volta, será “redundante”.

Quanto à apresentação de moções em momento anterior à Assembleia, Eduarda Ferreira diz que “não há que ter medo do debate político”. “Não há problema em analisarmos as vossas moções até para decidir o sentido de voto que teremos. Não somos um rebanho de ovelhas e quero que a bancada saiba o que está a votar e nada melhor para a democracia que um voto consciente, um voto estudado. O que não favorece a democracia é uma pessoa votar sem saber do que se trata”, defendeu.

“Se há coisa que não fujo é ao debate, até gosto”

“Se calhar a meio da volta é melhor eu falar”, brincou Pedro Machado, quando Leonel Vieira se preparava para replicar as palavras da socialista. “Se há coisa que não fujo é ao debate, até gosto. Não tenho problema nenhum em falar as vezes necessárias, vão ter é que ter paciência para me ouvir”, acrescentou o presidente da Câmara. “Independentemente de isso ficar ou não no regimento, sempre que veja que o assunto merece, julgo que ninguém impedirá o presidente da câmara de falar”, sustentou ainda.

Leonel Vieira reiterou que “só porque têm a maioria querem impedir que a democracia funcione em pleno”. “Se a proposta for aprovada, qualquer assunto relevante que aconteça na Assembleia não poderá ser alvo de moção e recomendação na hora”, deu como exemplo.

Reforçou ainda que “ao longo dos mandatos, as alterações feitas ao regimento e aprovadas pelo PS, têm apenas como objectivo impedir o debate e impedir que o presidente da câmara seja confrontado com os problemas do concelho”, como o facto de estar no regimento que “os representantes do PS falam sempre depois da oposição para que esta não possa replicar”. “É anti-democrático”, sentenciou.

“O voto consciente promove a democracia. E a regra é válida para os dois lados, não estamos a coarctar os direitos da oposição. Não é um filme de terror para a bancada da oposição, é para as duas bancadas”, respondeu Eduarda Ferreira.

“Se não me deixar falar não vamos votar”

A presidente da Assembleia Municipal, Lurdes Castro, dirigiu-se aos eleitos para salientar que aquele espaço “vai continuar a ser a casa da democracia”. “Temos no período antes da ordem do dia a intervenção dos grupos municipais e temos na ordem do dia um ponto que permite a discussão de assuntos de interesse do município. Não vejo onde qualquer um de nós esteja impossibilitado de falar e debater sobre assuntos relevantes para o município”, afirmou.

Mas Leonel Vieira exaltou-se e gerou-se uma troca de palavras acesa. “Quero fazer uma proposta concreta sobre um dos pontos à bancada do PS”, apelou o eleito do PSD/CDS-PP. “Já teve a oportunidade de o fazer e não o fez”, respondeu Lurdes Castro, tentando passar à votação. “Se não me deixar falar não vamos votar”, ameaçou Leonel Vieira. “Já debateram os pontos e já trocaram ideias. Vamos votar”, continuou a presidente da Assembleia. Mas a bancada da Acreditar Lousada pediu a suspensão da sessão por cinco minutos.

Apesar das conversações com o PS nada mudou. Quando a Assembleia foi retomada a votação determinou que o regimento fosse aprovado com 21 votos favoráveis do PS, 11 votos contra e uma abstenção do lado da bancada do PSD/CDS-PP.

“Fiz um esforço para procurar votar favoravelmente este regimento. Fizemos uma proposta que não foi aceite. Votei contra porque não aceito ser condicionado nesta Assembleia. A maioria impôs regras que condicionam a liberdade democrática. A mim nunca me calarão”, disse Leonel Vieira em declaração de voto.