“Não é possível atingir as metas de neutralidade carbónica sem uma forte aposta na ferrovia”, defendeu, hoje, Pedro Moreira, vice-presidente da CP – Comboios de Portugal, na conferência ‘A Importância do Comboio em Tempos de Crise Climática’, no âmbito do EntreLinhas – Festa do Ferroviário, que acontece em Ermesinde até domingo. “Temos de apostar na ferrovia como solução de mobilidade futura”, argumentou ainda.

Pedro Moreira falava no painel ‘Ferrovia – Presente e Futuro’ em que abordou os investimentos em curso e os objectivos da CP para os próximos anos. Mas não deixou também de lembrar o trabalho em curso desde 2019, com o plano lançado para recuperar o sector ferroviário nacional, de reabertura de oficinas e também recuperação de material circulante.

Com isto, foi possível ter “mais 30 carruagens, mais 16 locomotivas e sete unidades múltiplas eléctricas”, deu como exemplo. Foram cerca de 12 milhões de investimento, mas se tivesse sido comprado novo isso iria custar 120 milhões, frisou, sendo que a recuperação foi feita em mais de 90% dos casos por empresas nacionais. “A empresa é muito mais de que os serviços que presta aos passageiros. Tem um peso muito grande na indústria nacional”, garantiu.

Painel foi moderado pelo jornalista Carlos Cipriano

Segundo o vice-presidente da CP, uma rede ferroviária forte estrutura a mobilidade e ajuda na coesão territorial, tem impactos na economia e no desenvolvimento sustentável. No ambiente, o sector dos transportes é o mais poluidor, mas “os carros eléctricos não são solução para a resolução dos problemas de mobilidade nem para a falta de espaço”, afirmou. “Os carros eléctricos podem ter impacto favorável em termos ambientais, mas continuaremos a ter estradas congestionadas e falta de espaço”, referiu ainda.

E deu exemplos: o alfa pendular podia substituir todos os dias 110 autocarros da auto-estrada A1; juntando o inter-cidades seriam 334 autocarros. “E faríamos muito mais se fosse possível aumentar a frequência do transporte ferroviário”, garantiu.

E porque o comboio “é o meio de transporte que emite menos CO2 por passageiro”, só com a aposta na ferrovia se poderão atingir “as metas da neutralidade carbónica”. Para isso, advogou Pedro Moreira, é necessário fazer com que haja uma transferência modal para a ferrovia. Mas a troca não se dará apenas pelo factor ambiental, o modo ferroviário tem de ser o mais competitivo.

As apostas futuras passam, necessariamente, por modernizar e expandir a rede ferroviária nacional, melhorar os serviços prestados e desenvolver a indústria ligada ao sector ferroviário em Portugal, elencou. Nesse sentido, é preciso criar novas linhas e reabrir linhas encerradas, electrificar toda a rede e modernizá-la, levar a ferrovia pesada ao centro das cidades e criar linhas de alta velocidade. Da mesma forma, é preciso continuar a reparar e modernizar material circulante e desenvolver o fabrico de raiz de material circulante em Portugal.

“É preciso substituir e renovar toda a frota da CP até 2040”, avisou Pedro Moreira. Para além dos concursos já lançados ou a decorrer são precisos de 750 a 800 veículos só para substituir a capacidade actual. E a par disso, é necessário aumentar a frequência de serviços. “Estamos a recuperar muito material circulante, mas também a assistir ao aumento de passageiros”, lembrou, referindo que as novas aquisições só chegam a partir de 2025 e que é preciso continuar a restaurar. “O receio é que se continuar a aumentar a procura vamos precisar de muito mais” e “há uma grande corrida aos comboios na Europa”, porque toda a gente já percebeu que é a resposta aos problemas ambientais e de mobilidade, advertiu o responsável pela CP.

Em resposta a questões lançadas, Pedro Moreira deixou mais um aviso: a CP precisa de flexibilidade, já que neste momento “é preciso autorização para tudo”. “Precisamos de sair do perímetro do Estado para que, num futuro próximo, a CP tenha condições de competir, ou estão estaremos de pés e mãos atadas”, sentenciou.

Neste painel participaram ainda Bruno Silva, director-geral da Medway, que abordou o tema da operação de mercadorias. Um comboio de mercadorias, deu como exemplo, permite, em média, transportar o mesmo que 50 camiões, com muito menos emissões. Criticou também o facto de, com o aumento do custo de combustíveis, não ter havido o mesmo apoio ao transporte ferroviário que houve ao rodoviário. Já o Fundo Ambiental tem 1000 milhões de euros e nenhum apoio para o transporte de mercadorias pesado, disse.

Mário Florentino Duarte, CEO do Grupo Sermec, consórcio que está a desenvolver o comboio português, adiantou que já há o projecto de fabrico de três carruagens. “Daqui a quatro anos estamos cá para mostrar”, garantiu. O orador sustentou ainda que acredita que será possível exportar comboios produzidos em Portugal. “Este projecto vai ser bom para cativar os jovens a usar o comboio, terá tecnologia de ponta. Será bom para a economia de Portugal e do Norte”, sublinhou.

Já João Figueiredo, da Plataforma Ferroviária Portuguesa, abordou a capacidade do tecido industrial nacional na construção do comboio português. Lembrou que esta associação sem fins lucrativos foi constituída com vista a fazer com que a ferrovia seja um cluster de competitividade da economia em Portugal e que os projectos âncora são o centro de competências ferroviário, já criado, e o do comboio português, em curso.