Violência doméstica tem vindo a aumentar no concelho de Paços de Ferreira

Mais de 50% dos casos que são sinalizados pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens têm a ver com o fenómeno da violência doméstica

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A violência doméstica tem vindo a aumentar no concelho de Paços de Ferreira, revelou a presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) de Paços de Ferreira, Marta Sousa, no âmbito do seminário “ Conhecer, Intervir, Proteger”, uma iniciativa da Comissão que contou com a presença de vários actores ligados a esta problemática.

“O tema da violência doméstica tem sido o principal motivo das sinalizações da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Paços de Ferreira nos últimos anos e, por essa razão, procuramos abordar o conceito, as especificidades de intervenção, contando o seminário com várias entidades de resposta e apoio à vítima. Queremos que os profissionais conhecem os recursos para aumentarmos a capacidade de resposta e intervenção, tornando-a mais eficaz”, disse a técnica.

“Mais de 50% das sinalizações reportadas à Comissão têm a ver com fenómenos de violência doméstica directa ou indirectamente sobre as crianças”

Sobre a violência doméstica, Marta Sousa manifestou que nos últimos três anos este fenómeno tem-se agravado no concelho de Paços de Ferreira. “Nos últimos três anos tem sido o principal motivo para as sinalizações para a comissão, ou seja, as crianças estão expostas a episódios de violência doméstica, por isso as autoridade policiais, o Ministério Público, a escola e a comunidade sinalizam à Comissão frequentemente situações de violência doméstica. Estamos a falar de uma realidade que nos preocupa porque está no dia-a-dia das nossas crianças”, frisou, reiterando que este é um fenómeno que tem vindo a crescer, com os dados oficiais a corroborar isso mesmo.

“A tendência em 2018 será de subida. Mais de 50% das sinalizações reportadas à Comissão têm a ver com fenómenos de violência doméstica directa ou indirectamente sobre as crianças”, atestou.

Falando das causas que estão por detrás deste flagelo social, Marta Sousa manifestou que associado à situação económico-financeira dos agregados familiares, ao desemprego, existe uma cultura da violência que ajuda a explicar estes números.

“Estamos a falar de um fenómeno que não está circunscrito a Paços de Ferreira, tem incidência nacional. Sabemos que tem existido um investimento por parte do Governo nas políticas de intervenção na área da violência doméstica. Obviamente que esta cultura da violência está presente na estrutura na base das famílias, sendo as crianças o elo mais frágil. Por outro lado, assistimos a uma baixa tolerância  face às adversidades no dia-a-dia e que acaba por promover este tipo de conflitos”, avançou.

“O consumo do álcool está mais associado aos fenómenos de violência doméstica até mais do que o consumo de outro tipo de substâncias ou comportamentos aditivos, substâncias psi-coactivas”

Referindo-se, ainda, ao contexto de Paços de Ferreira, Marta Sousa reconheceu que o flagelo do alcoolismo está muito associado ao fenómeno da violência doméstica. “O consumo do álcool está mais associado aos fenómenos de violência doméstica até mais do que o consumo de outro tipo de substâncias ou comportamentos aditivos, substâncias psico-activas. O álcool está obviamente associado à situação de desemprego, apesar de nos últimos anos a taxa de desemprego ter vindo a diminuir. Há ainda situações de carência económica e vulnerabilidade emocional”, acrescentou.

Marta Sousa reconheceu, também, que a mulher continua a ser o elo mais fraco e a vítima principal nos casos de violência doméstica. “Na maioria dos casos, a vítima é a mulher, mas existem situações em que as vítimas são homens e casos em que identificámos que ambos são vítimas e agressores. A relação é tão disfuncional que acaba por existir uma dualidade deste conceito”, afirmou.

“Sem a motivação e a colaboração da família, a comissão nada pode fazer”

Nas situações em que as crianças acabam por ser vítimas directas ou indirectas, Marta Sousa explicou que o papel da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens intervém no sentido de operar uma mudança de comportamentos, acautelar os direitos dos menores, sempre em colaboração e negociação com o agregado familiar. “Sem a motivação e a colaboração da família, a Comissão nada pode fazer”, declarou, sustentando que depois de sinalizada e avaliada a situação, a Comissão propõe à família um conjunto de acções no sentido de promover a mudança e para que cessem os episódios de violência que podem passar por acções de formação de comportamento parental, apoio psicológico individual através do Gabinete de Apoio à Vítima.

“Há o mito que as comissões servem para tirar as crianças aos pais e é precisamente o contrário”

Ao Verdadeiro Olhar, Marta Sousa reiterou, também, que este processo negocial é um trabalho difícil e por vezes desgastante. “Cada vez chegam situações mais complexas à Comissão, mais no limite e em crise o que dificulta este trabalho porque temos de ter persistência, responsabilidade, compromisso, profissionalismo e trabalho em equipa”, afiançou, sustentando que o trabalho da Comissão de Protecção nem sempre é reconhecido.

“Há o mito que as comissões servem para tirar as crianças aos pais e é precisamente o contrário. Trabalhos com as crianças e os pais no sentido de cessar as situações de perigo e não afastá-las do seu meio natural de vida. Há um caminho que as comissões têm de fazer para trabalhar a desmistificação dessa imagem. Existe alguma falta de informação, embora sintamos que há melhorias junto das entidades com quem trabalhamos, as escolas, as entidades de saúde e mesmo das pessoas que nos abordam”, constatou.

A vereadora da Acção Social da Câmara de Paços de Ferreira, Filomena Silva, mostrou-se, igualmente, preocupada com os números do fenómeno da violência doméstica.

“Trabalhamos no sentido de minimizar este fenómeno no concelho e criamos um gabinete local para tentar minimizar esta problemática, prevenir e actuar sempre que as situações o justificam. Verificamos que as situações sinalizadas pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens são na sua maioria de violência doméstica. Sabemos que esta é uma realidade nacional. Mas com o apoio dos técnicos e de outras entidades, o gabinete da APAV e outros actores temos tentado combater esta tendência”, assegurou, justificando o crescimento do número de casos de violência doméstica com a sociedade disfuncional em que vivemos.

O seminário contou, também, com a presença da responsável da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças  e Jovens, Fernanda Almeida, que é, também, coordenadora da equipa regional Norte, que advertiu para a importância do trabalho em rede, enalteceu o trabalho da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Paços de Ferreira e reconheceu que o trabalho com as famílias é pautado pelo respeito mútuo e colaboração.

Fernanda Almeida manifestou, também, que é objectivo das comissões e dos técnicos encontrarem soluções que garantam os direitos da criança e o respeito pela sua individualidade.

O Procurador interlocutor na CPCJ de Paços de Ferreira, do Tribunal da Comarca Porto Este, Ministério Público e do Juízo de Família e Menores de Paredes, Nuno Farias,  abordou o tema do processo judicial de promoção e protecção.

A iniciativa integrou o Plano Anual de Actividades da CPCJ de Paços de Ferreira e assinalou o 29.º Aniversário da Convenção Sobre dos Direitos das Crianças.