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O Tribunal de Contas (TC) decidiu “recusar o visto aos contratos objecto de fiscalização prévia” em relação aos dois contratos de empréstimo de mais de 21 milhões de euros solicitados pela Câmara Municipal de Paredes para pagamento do resgate da concessão da exploração e sistemas de abastecimento de água, recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho.

Em causa estão nulidades e desconformidades com o Regime Financeiro das Autarquias Locais (RFALEI). O Tribunal já tinha pedido mais dados à autarquia, mas não ficou convencido com os esclarecimentos enviados, relata o acórdão de 21 de Dezembro de 2021.

O documento foi trazido a público pelo Movimento Juntos por Paredes, que junta o Nós Cidadãos e Aliança e tem eleitos na Assembleia Municipal de Paredes. Em representação da coligação, Manuel Pinho diz que tem faltado verdade neste processo e que a “imprudência deste executivo” pode provocar “maiores danos no futuro do concelho”.

Contactada, a Câmara de Paredes diz que já recorreu e que não se pronuncia enquanto não houver decisão deste recurso.

Câmara devia assumir o contrato e obrigar concessionária a investir

Em comunicado, o Juntos Por Paredes lembra que tem acompanhado “com bastante preocupação” este processo de resgate e tem lançado vários alertas, incluindo em Assembleia Municipal. Teme que seja necessário devolver fundos. “No contrato de investimento para a instalação e rede de saneamento nas freguesias de Sobreira e Recarei já se mostrava clara a obrigação da Câmara Municipal de Paredes de devolução integral dos valores recebidos dos fundos comunitários se o resgate não fosse bem-sucedido”, sustentam.

Agora, este acórdão do Tribunal de Contas que recusa visto aos dois empréstimos e considera “nulas” as deliberações da Câmara e Assembleia Municipal sobre este tema, veio reforçar as preocupações.

“Na decisão do Tribunal de Contas, é apresentada uma fundamentação onde, nos factos provados, se apresentam considerações face ao município que os paredenses têm de conhecer e que infelizmente vão ao encontro do que sempre referimos: tem havido falta de verdade para com os paredenses, podendo a imprudência deste executivo provocar maiores danos no futuro do concelho”, alega Manuel Pinho, temendo que haja mais chumbos do Tribunal de Contas e solicitando ao executivo mais transparência neste processo. “A autarquia continua a não ter uma estratégia clara e concertada com as diversas entidades envolvidas, e vai decidindo conforme os obstáculos que vão surgindo”, critica a coligação. Para o Juntos Por Paredes a Câmara de Paredes devia “assumir os seus contratos e obrigar a concessionária a realizar o investimento que está em falta, num curto espaço de tempo”.

É “claro que o valor da indemnização, logo da responsabilidade do Município, não está assente e pode mesmo ser de valor superior, ou muito superior”

O Ministro de Estado e das Finanças deu parecer favorável ao aumento de dívida resultante do exercício do direito de resgate, esse item está cumprido, diz o Tribunal de Contas. Mas “o pagamento como ‘preço’ do resgate (conforme se diz nas duas deliberações, tanto do executivo, como da assembleia municipal), não é correto e induz em erro”, lê-se no acórdão. “Em rigor, como se viu, consiste numa indemnização. O seu valor só está definitivamente fixado se ela estiver quantificada no contrato com um valor, estando por isso já liquidada, ou se o concessionário concordar com o seu montante”, pelo que, “o Município não a pode fixar [a indemnização] de forma potestativa” nem usar “uma empresa externa, por si escolhida, para a determinar”, acrescenta o documento.  

O Tribunal de Contas cita o parecer da ERSAR – Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, que foi negativo, ainda que não vinculativo, e que referia que mesmo não tendo à “disposição (…) todos os elementos necessários ao cálculo da indemnização devida pelo município à concessionária por força do exercício do resgate”, “os dados disponíveis permitem admitir que o valor da indemnização seja superior ao montante apurado pelo município”. Lembra ainda que corre, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, uma acção da concessionária, a Águas de Paredes, pedindo uma indemnização total superior a 132 milhões de euros, valor que pode mesmo subir já que são pedidos juros de mora.

Para o Tribunal de Contas é “claro que o valor da indemnização, logo da responsabilidade do Município, não está assente e pode mesmo ser de valor superior, ou muito superior, àquele que este último apurou e que os empréstimos visariam satisfazer” e que, por isso, legalmente, “não poderiam ser utilizados para satisfazer essa obrigação”, podendo mesmo a concessionária recusar receber esse valor.

“O Município de Paredes teria contraído dois empréstimos a 20 anos (em execução das aberturas de crédito), cujo capital, nos termos do contrato, teria que ser mobilizado até 31 de Dezembro de 2021. Porém, não o poderia utilizar para a finalidade a que se destinariam, sendo certo que, também, nos termos do regime geral do RFALEI, não os poderia utilizar para um outro fim. E pelos quais, nos termos definidos nos contratos, estaria a pagar juros enquanto não restituísse, também nos termos previstos em ambos os contratos, o capital”, sustenta o Tribunal, concluindo que as deliberações de Abril de 2021 da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal aprovando as contratações destes empréstimos de médio e longo prazo violam uma norma financeira e “são nulas”.

Recorde-se que a Câmara de Paredes anunciou a intenção de resgate desta concessão em Setembro de 2020, tendo como objectivo pôr em funcionamento, em Janeiro deste ano, os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Paredes, o que ainda não aconteceu.

Para travar o processo, a concessionária Águas de Paredes instaurou uma providência cautelar, que acabou indeferida, mas ainda corre em tribunal uma acção administrativa que pede uma indemnização superior a 132 milhões de euros.