A criação dos serviços municipalizados de água e saneamento (SMAS) e seu regulamento marcou o debate na última Assembleia Municipal de Paredes.

A oposição aproveitou para levantar vários temas, ligados ao resgate e ao valor de indemnização previsto, ao que vai acontecer aos sub-sistemas de água do Sul do concelho – nas freguesias de Aguiar de Sousa, Gandra, Parada de Todeia, Sobreira e Recarei – e sobre o timming de criação dos serviços, quando a concessionária, Be Water, levou o processo para tribunal.

O presidente da Câmara garantiu que já se está a preparar a passagem de pessoas e equipamentos para os SMAS e que o serviço de água e saneamento “nunca será posto em causa”.

O PS atribuiu culpas ao PSD e desafiou os eleitos do partido a pedirem perdão por terem concessionado o serviço no passado.

“É possível transferir um processo de tamanha complexidade até ao dia 1 de Janeiro?”

A primeira a intervir foi Raquel Coelho, pelo CDS-PP. “É pública a nossa posição sobre os SMAS e a forma como foi conduzido este processo”, começou por dizer, deixando depois várias questões. “Já informou as populações do Sul do concelho que passariam a integrar os SMAS e que o respectivo preço da água seria igual ao do restante concelho, o mesmo se reflectindo nos custos da ligação ao saneamento?” e “consegue garantir que o resgate vai ficar pelos 20 milhões, as contas que apresentou no passado?”, foram duas das perguntas deixadas. “Pelo conhecimento que tive do processo, o juiz não se pronunciou sobre a legalidade do resgate, visto que ainda não está demonstrado o interesse público, a justificação apresentada pelo município para avançar para o resgate. Esta interpretação está correcta? Pode garantir que a criação do SMAS é possível com a passagem do serviço, tendo em conta este último constrangimento? É possível transferir um processo de tamanha complexidade até ao dia 1 de Janeiro?”, apontou ainda Raquel Coelho.

A eleita do CDS-PP também questionou “quanto é que se já pagou em juros pelo empréstimo de 20 milhões de euros aprovado há um ano e que previa que se pagassem juros desde o mês de Junho”.

Cecília Mendes, da coligação Juntos por Paredes, salientou a preocupação e considerou que é “imprudente” esta criação dos SMAS. “Da informação pública conhecida, o processo judicial que permitiu ao executivo iniciar e colocar a votação esta proposta de municipalização e criação dos serviços municipalizados de água e saneamento ainda não está concluso. Trata-se de uma providência cautelar, portanto, dependente de uma decisão final”, lembrou a eleita. “Corre ainda no tribunal recurso interposto pela empresa Be Water na sequência da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que se reporta a Outubro, pelo que, até que haja decisão final do referido processo, parece-nos extemporâneo e pouco cauteloso tomar deliberações que possam, no futuro, onerar a câmara municipal e, consequentemente, criar instabilidade na vida das populações bem como nos trabalhadores afectos”, defendeu a eleita, caracterizando esta proposta como prematura e advogando “mais prudência e rigor”.

“Pensei que o PSD vinha pedir perdão aos paredenses”

Pelo PSD, Gil Marco questionou o executivo socialista sobre “o que vai acontecer aos sub-sistemas de exploração e fornecimento de águas existentes nas freguesias de Gandra, Parada de Todeia, Sobreira, Recarei e Aguiar de Sousa, sabendo que estes sub-sistemas são uma fonte de receita importante para quem os explora, nomeadamente as Juntas de freguesia de Gandra e Recarei, e que trazem a todos os consumidores um custo de água inferior àquele que é pago pelos que têm fornecimento através da empresa de concessão e certamente que virão a ter com os SMAS”.

O debate mais político começou com a intervenção de José Carlos Barbosa, que integra a Assembleia como presidente da Junta de Beire. “Era importante que os paredenses saibam que se vendeu a ideia de que havia uma empresa privada que ia instalar o saneamento e que, ao fim de uns anos, Paredes teria a rede instalada no concelho, o que não acontece. Há inúmeros munícipes não têm saneamento, a Freguesia de Beire não tem saneamento”, deu como exemplo, lembrando a acta de aprovação da concessão. “Pensei que o PSD vinha pedir perdão aos paredenses. Dizer erramos, dizer criamos uma renda para as empresas privadas. Cerca de um milhão de euros ia directamente para a China sobre a forma de rendas, quando esse dinheiro poderia ter sido investido nas nossas freguesias. É isso que esperava que o PSD fizesse, pedissem desculpa aos paredenses que não têm água e saneamento”, sustentou ainda o socialista.

“Explique a história senhor Inácio e peça perdão”, desafiou. O social-democrata Inácio Costa realmente tomou a palavra, mas para esclarecer que em 1999 não estava na Assembleia Municipal. Salientou ainda a questão de Gandra. “A água de Gandra vai ficar absorvida. Queria perguntar ao senhor presidente se vai haver alguma excepção ou não porque Gandra trabalhou muito para ter a água”, referiu.

Para lembrar a história, José Alberto Sousa, pelo PS, disse que esteve na reunião da câmara em que foi tomada a decisão e votou contra “a venda da água e saneamento a uma empresa privada”. “Finalmente o município tirou o ‘garrote’ que o PSD impôs ao concelho”, condicionando o desenvolvimento do território por 20 anos, defendeu. “O PSD entregou-nos a câmara muito endividada, mas a coisa mais grave que fez foi efectivamente a venda da água e do saneamento”, argumentou. O socialista leu depois a declaração de voto prestada que ficou em acta, à época, e recordou que isso lhe valeu “que um presidente da câmara lhe tivesse movido um processo-crime”.

Ao levantar questões sobre este processo, o PSD esquece-se que é “o culpado” pela fraca qualidade de vida no concelho, afirmou José Alberto Sousa. “Deviam agradecer ao PS por estar a criar condições para promover o desenvolvimento. Os paredenses até têm vergonha porque somos dos quatro ou cinco concelhos do país mais atrasados em termos de abastecimento de água e saneamento”, acrescentou.

Também pela bancada socialista, Rui Silva deixou esclarecimentos: “A Câmara está a municipalizar as freguesias que estão debaixo da exploração da Be Water. Obviamente que o negócio que está a ser comprado é o que pertence, neste momento, à Be Water. Acho que estamos esclarecidos quanto a isto”.  

O eleito do PS frisou ainda que “o que está em causa é a aprovação de um regulamento dos serviços municipalizados da água e do saneamento que estão a ser constituídos para começar a funcionar no início do ano”. “Quanto ao resto já tivemos sessões extraordinárias e foi criada uma comissão de acompanhamento do negócio, com todos os partidos representados, que reuniu várias vezes. O resto são fait divers, é vir fazer perguntas que já foram respondidas. Estamos a perder tempo e a discutir o que não está na ordem de trabalhos”, criticou.

“Só iremos pagar juros a partir do momento em que colocarmos os 21 milhões de euros à disposição da empresa”

Alexandre Almeida também foi por esse caminho, explicando que esta é mais uma etapa do processo de resgate iniciado há um ano.

“Tínhamos de constituir os SMAS, definir um organigrama para, depois, nas negociações que estamos a fazer com a empresa, ao recebermos o pessoal e todo o equipamento, distribuirmos esse pessoal pelos vários departamentos que irão ser criados e organizarmos toda a estrutura da empresa”, esclareceu o presidente da Câmara, justificando que isto só não avançou antes porque a Be Water tinha interposto uma providência cautelar.

Quando em Novembro a providência não teve provimento, apesar de haver um recurso da concessionária, a autarquia continuou o processo. “Da nossa parte estamos disponíveis para iniciar já no dia 2 de Janeiro, mas como houve a providência cautelar até Novembro, a empresa só se disponibilizou para tratar da passagem a partir dessa data, e são processos que envolvem alguma demora. É preciso analisar os funcionários, todos os seus escalões remuneratórios, enquadrá-los nos SMAS, analisar os activos líquidos pelos quais estamos a pagar o valor do resgate e que terão de ser enquadrados no SMAS”, sustentou o edil.

Garantiu ainda que o serviço de água e saneamento “nunca será posto em causa” e que “num determinado período será feito pela Be Water e num determinado período será feito pelos SMAS”. Concretizou ainda que o município até ao momento pagou ‘zero’ juros. “Só iremos pagar juros a partir do momento em que colocarmos os 21 milhões de euros à disposição da empresa. Só quando este processo do SMAS estiver concluído e quando tiver passado tudo para a câmara é que nessa altura será feito o depósito desse valor e a partir daí é que inicia a contagem dos juros”, disse ao CDS-PP.

Alexandre Almeida questionou ainda o valor pedido pelo resgate, face ao parco investimento feito pela concessionária, e tirou dúvidas quanto aos sub-sistemas: “Com o resgate a câmara recupera o serviço e poderá fazer a delegação dessa competência quer nas cooperativas quer nas juntas de freguesia”. “Não haverá a subtracção de qualquer tipo de serviço quer às juntas de freguesia quer às cooperativas. Seremos parceiros de investimento para melhorar o serviço”, atestou.

O autarca disse que só avançaram com o resgate porque estavam “mal servidos” e havia entraves ao desenvolvimento do território e que agora, que já estão a avançar com investimentos, estão atentos a todos os fundos que possam ser aproveitados no Portugal 2030 e Plano de Recuperação e Resiliência.