Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

A Câmara de Paredes vai resgatar a concessão de água e saneamento à Be Water – Águas de Paredes. O custo estimado é de 22,5 milhões de euros. Em causa está a falta de investimento da concessionária, que coloca o concelho com uma cobertura de saneamento de apenas cerca de 40%.

Mal o resgate esteja concluído, a exploração passará a ser feita por um Serviço Municipalizado de Água e Saneamento (SMAS) que, segundo a autarquia, vai investir 33 milhões de euros na conclusão das redes de água e saneamento no concelho até 2036.

Alexandre Almeida garante que, com este processo, não vai haver aumentos no preço da água e pode mesmo, no futuro, haver uma descida de tarifas.

“O reequilíbrio do contrato não serve os interesses do concelho. Decidimos resgatar a concessão assumida em 2001 e proceder à constituição dos SMAS. É esse o modelo que queremos retomar mal o processo chegue ao fim”, adiantou o autarca em conferência de imprensa.

Esta decisão, já comunicada à Be Water e aos vereadores da oposição, é avaliada terça-feira em reunião de executivo. Segue-se um pedido de parecer, não vinculativo à Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos. Há ainda espaço a resposta da concessionária e a negociação dos valores. O processo passa depois pela Assembleia Municipal. Pelo que o resgate efectivo, “com ou sem acordo”, só acontecerá em 2022.

Houve incumprimentos da concessionária mas também da Câmara

“Faz todo o sentido avançar com este resgate”, afirmou Alexandre Almeida, lembrando que as negociações com a empresa, “com avanços e recuos”, estavam a acontecer desde 2019.

O presidente da Câmara lembrou o historial de uma concessão assumida pelo município em Junho de 2001 para 35 anos. “Numa primeira fase foram realmente feitos investimentos”, salienta o edil. Entre 2001 e 2008 a empresa concessionária investiu 23,6 milhões de euros em redes de abastecimento de água e saneamento.

Em Julho desse ano foi feito o primeiro aditamento ao contrato que, diz o autarca, pressupunha a execução de 35 milhões de euros de investimento pela Be Water até 2036 e a garantia de uma cobertura das redes de água e saneamento de 100% nessa altura. A Câmara assumia o compromisso de aumentar as tarifas em 10% nos anos de 2008, 2010, 2012 e 2018 e em 15% em 2014 e 2016. “Foi a partir daqui a concessão se tornou realmente desfavorável ao concelho. Eram compromissos muito onerosos para os paredenses”, alega.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Mas, destacou o presidente da Câmara, entre 2008 e 2019 a concessionária só investiu 3,7 milhões de euros, mantendo-se freguesias sem qualquer cobertura de água e saneamento, exemplos de Beire e das localidades do sul do concelho. “Há uma total relutância da concessionária em fazer investimentos em Paredes. Em 2019 o investimento em saneamento foi mesmo residual”, frisa. O que deixa apenas cerca de 40% do território coberto por saneamento.

Além dos incumprimentos da concessionária, houve outros pela parte do município, que, face à falta de investimento da Be Water não realizou os aumentos de tarifário previstos em 2016 e 2018.

“Na sequência destes incumprimentos, em 2019, fomos confrontados com uma proposta para um segundo aditamento pela concessionária com que não concordamos e vamos avançar para o resgate”, anunciou Alexandre Almeida. “Se avançássemos com o aditamento, um resgate no futuro seria ainda mais penalizador para a câmara”, adianta.

Município não aceitou aumento dos tarifários

Neste 2.º aditamento ao contrato de concessão, explica, era proposta uma redução do perímetro da concessão, com exclusão das freguesias do sul do concelho onde existem subsistemas de abastecimento de água: Gandra, Recarei, Sobreira e Parada de Todeia. “A empresa deixava de ter responsabilidades de investimento aqui e passaria a ser o município a fazer esse investimento, freguesias onde a rede de saneamento é zero”, salientou. Por outro lado, algo com que o município “não podia concordar”, a concessionária ficava responsável com a concessão a Norte de Gandra, onde existem freguesias com taxas de cobertura zero ou insuficientes, como Vandoma e Astromil, Rebordosa e Lordelo ou Beire, mas, para prescindir dos aumentos de tarifas, só se comprometia a investimentos de 2,5 milhões de euros até 2036. “Ou seja, só se comprometia com a manutenção da rede existente e não com a expansão. A Câmara não teria de fazer os aumentos previstos no 1.º aditamento, mas teria de fazer uma actualização da tarifa de 6,5% em 2021, já que a água se mantém ao preço de 2015. E até 2036, teriam de ser feitos novos aumentos tendo em conta a taxa de inflacção”, argumenta Alexandre Almeida.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Era uma coisa que não podíamos aceitar tendo em conta o preço a que já está a água e saneamento em Paredes”, garante.

Assim, à Câmara caberia efectuar investimento de saneamento básico nas freguesias excluídas do perímetro da concessão enquanto as freguesias que ficariam na concessão ficavam “comprometidas por falta de investimento da concessionária”.

Empréstimo a 20 anos paga o resgate

As contas do resgate estão feitas, conforme as regras previstas no contrato. A Câmara de Paredes conta gastar 22,5 milhões de euros. Para tal fará um empréstimo a 20 anos.

O resgate em si está orçado em 21 milhões de euros, sendo que 4,6 milhões de euros dizem respeito a lucros cessantes (5% do volume de facturação anual até 2036), 15,9 milhões de euros é compensação pelos investimentos não totalmente amortizados e meio milhão de euros é compensação por contadores e outros. Soma-se a este o valor a pagar pelo reequilíbrio económico-financeiro: 1,5 milhões de euros. “Teríamos que compensar a Be Water pelos tarifários que não foram actualizados, 5,5 milhões de euros, e dar uma indemnização por desvios no valor dos caudais de consumo que estavam previstos, 27 milhões de euros, mas a estes dois montantes há um valor a abater a nosso favor, o dos investimentos contratualizados em 2008 que não foram realizados, de menos 31 milhões de euros)”, defende o autarca paredense.

O estudo de viabilidade económico-financeira realizado, baseado no funcionamento dos SMAS, e tendo em conta o modelo económico da concessionária, permite ao município a realização de 33 milhões de euros de investimento de 2022 até 2036 e mesmo assim a obtenção de retorno de parte do valor pago pelo resgate e reequilíbrio, explicou ainda o presidente da Câmara.

“Mesmo realizando 33 milhões de euros de investimento o modelo económico permite-nos ter fundos de caixa para recuperar parte dos 22,5 milhões de euros que vamos pagar”, adiantou, falando em diferentes cenários tendo por base os consumos e investimentos.

SMAS devem arrancar em 2022

O facto o serviço ser municipal vai permitir ainda a Paredes ter acesso a fundos comunitários para fazer estes investimentos e “resolver o enorme atraso da cobertura de água e saneamento no concelho”. Até porque, frisou Alexandre Almeida, com a revisão do Plano Director Municipal, o concelho estava em risco de algumas áreas classificadas como urbanas, nomeadamente zonas industriais, perderem essa classificação por não terem água e saneamento.

“Já estávamos a ponderar colocar verbas no plano plurianual de investimentos para fazermos nós esse saneamento. Se sempre já íamos ter de investir, há que assumir o problema de uma vez por todas e proceder ao resgate”, defendeu aos jornalistas.

Os SMAS devem entrar em funcionamento em 2022, assumindo os cerca de 50 funcionários da concessionária. É previsto que o número de trabalhadores possa aumentar até cerca de 100 em 2036. Os serviços municipalizados conguirão libertar cerca de 2,5 milhões de euros anuais que poderão ser realizados para fazer os investimentos necessários, para abater ao valor do endividamento feito para o resgate ou para baixar os tarifários.

Esta solução, diz o autarca, vai permitir saneamento em todo o concelho, mas será respeitada a autonomia dos subsistemas de água existentes. “O abastecimento de água será feito em conjunto com eles e os investimentos de saneamento feitos por nós”, referiu.

A concessão, afirmou Alexandre Almeida, foi um erro. “Temos municípios vizinhos, como Lousada, que com obras por administração directa e acesso a fundos comunitários conseguiu a cobertura de todo o território”, deu como exemplo.

O Verdadeiro Olhar já pediu uma reacção à concessionária.