Carlos Carvalho, Médico de Saúde Pública / Epidemiologista e Coordenador regional do Norte do Programa Nacional para a área da Tuberculose,  um dos coordenadores responsáveis pela implementação do projecto Menos Tuberculose Pedreiras referiu, esta tarde, no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em Penafiel, que houve um aumento de 10% de infecção latente da tuberculose, comparativamente a 2018, tendo esta passado de 15% para 25% dos trabalhadores.

“Em 2018 identificamos que cerca de 15% dos trabalhadores, tinham infecção latente, portanto, não tinham sintomas, não tinham a doença, sendo que em 2019 esse número subiu para 25% . É importante perceber que haviam pessoas que foram rastreadas em 2018 que tinham resultado negativo, foram rastreadas novamente em 2019 e tiveram resultado  positivo. Quer dizer que num ano 10% dos trabalhadores foram infectados. Estamos a falar de pessoas que tiveram contacto com alguém com tuberculose que, às vezes,  até é difícil esclarecer, até pode nem ter sido na pedreira, mas naqueles indivíduos rastreados houve uma taxa de infecção anual de 10%”, disse , salientando que o projecto Menos Tuberculose Pedreiras começou e  2018, tendo sido rastreados no mesmo ano sete pedreiras, num total de 430 trabalhadores. Já em 2019,  o projecto incluindo mais três pedreiras, tendo sido rastreados 558 pessoas para tuberculose latente e tuberculose doença.

Refira-se que a tuberculose latente é um estado em que as pessoas ainda não têm sintomas, ainda não infectam ninguém, mas têm uma probabilidade de passado algum tempo vir a activar a doença e infectar outros indivíduos.

Falado dos resultados do projecto Menos Tuberculose Pedreiras, Carlos Carvalho admitiu que os números obtidos não deixam de ser preocupantes, sendo fundamental uma intervenção enérgica por parte de todos os actores e instituições que directa e indirectamente podem  dar o seu contributo no combate à doença.

Segundo os resultados agora conhecidos, a sub-região do Tâmega tem uma incidência de tuberculose aumentada quando comparada com a restante região Norte e com o país (22 e 18 casos por 100 mil habitantes em 2016, respectivamente).

“Os concelhos de Penafiel e do Marco de Canaveses tiveram uma taxa de incidência anual de 76 e 59 casos por 100 mil habitantes-ano em 2012-2016, respectivamente. Estima-se que cerca de 30% dos casos de tuberculose nestes concelhos ocorram em pedreiros, que são frequentemente identificados como casos primários em comunidades de menor risco. O aumento do risco de tuberculose nos trabalhadores das pedreiras deve-se sobretudo à silicose, mas também ao tabagismo, consumo de álcool, condições de trabalho precário, entre outros”, revelam os resultados do projecto.

“São preocupantes os números absolutos de casos de tuberculose que temos nesta zona. No país todo, a taxa de incidência tem estado a diminuir nos últimos anos. Penafiel, o Marco de Canaveses são os dois concelhos que têm as mais altas taxas de incidência de tuberculose do país, seguindo-se o concelho de Resende, embora com taxas de incidência inferiores aos destes dois últimos municípios. Estes três concelhos da zona do Tâmega têm um problema que é preciso fazer face”, manifestou recordando que durante os três primeiros meses de implementação do projecto (até final de Março de 2018), foram rastreados 430 trabalhadores de sete empresas de extracção e/ou transformação da pedra. Houve seis trabalhadores com suspeita de tuberculose doença, que não foi confirmada após consulta em CDP.

Em 2019, os casos de tuberculose activa passaram de zero para dois.

De acordo com os resultados, em 2019, registaram-se 92 casos de infecção latente suspeitos/encaminhados, em 447 rastreados (21%). Em 2018  houve 57 trabalhadores com diagnóstico de infecção latente (14%, 57 em 394 elegíveis para rastreio de infecção latente).

Os resultados evidenciam, também, que o diagnóstico de silicose passou de 24% dos trabalhadores (84 em 355 trabalhadores que realizaram radiografia de tórax), em 2018, para  26% em 2019 (86 em 335).

De acordo com os resultados, quarenta e cinco por cento destes trabalhadores (n=38) em 2018, não tinham conhecimento da sua condição,  subdiagnóstico desta doença profissional nos trabalhadores expostos à sílica, sendo 17 em 86 em 2019 (20%).

O especialista revelou, ainda, que o que uma das conclusões que o projecto permitiu inferir foi a de que há trabalhadores que têm silicose, uma doença profissional, crónica, que não é transmissível e consiste na deterioração dos pulmões ao longo do tempo, o que faz com que os trabalhadores tenham maior risco de terem tuberculose.

“O nosso objectivo foi ir às pedreiras que tinham tido tuberculose nos últimos anos e fazer um rastreio activo, convocar os trabalhadores, fazer um raio-X toráx, um inquérito de sintomas para ver se as pessoas estavam bem e fazer também um exame ao sangue para além de fazer o diagnóstico/doença fazer um diagnóstico de um estado que é anterior à doença que se chama tuberculose infecção”, adiantou, sustentando que a tuberculose é uma doença de notificação obrigatória, mas nem todos os indivíduos infectados são pedreiros.

“Há muitos casos que não têm nada a ver com isto, não são pedreiros, são os familiares dos pedreiros que tiveram anteriormente tuberculose. Na comunidade, a verdade, é que continua a transmitir-se a doença”, atalhou.

“A taxa continua a ser mais prevalecente nos homens numa proporção de dois para um. Entre 66 e 70% dos casos”

Por sexos, a doença continua a atingir sobretudo os homens.

“A taxa continua a ser mais prevalecente nos homens numa proporção de dois para um. Entre 66 e 70% dos casos continua a afectar o sexo masculino, por terem hábitos sociais diferentes das mulheres. Expõem-se mais, passam mais tempo no café, que é um local onde muitas vezes há a transmissão da doença, no transporte para o local de trabalho, com nove homens juntos em carrinhas fechadas. Se um estiver doente a probabilidade de contagiar o outro é mais elevada. Muitas vezes ficam alojados em contentores, com condições de habitabilidade que são deficientes. Basta haver um caso de tuberculose que seja infeccioso para infectar rapidamente muitas pessoas”, sublinhou, afirmando que na população em geral, as faixas etárias atingidas são cada vez mais velhas e oscilam entre os 45-65 anos.

Nas pedreiras, em particular , os casos demonstram que os casos atingem pessoas cada vez mais novos, com a mediana a situar-se acima dos quarenta anos.

“Com o passar do tempo verificamos que todos os parceiros estão interessados em colaborar, sejam os empregadores, as associações que representam as indústrias, os patrões, as autarquias, os cuidados de saúde primários e até os cuidados de saúde hospitalares”

Apesar dos números, Carlos Carvalho reconheceu que existe uma adesão crescente da parte dos diferentes actores para esta questão.

“Na implementação do projecto verificamos que ainda existia alguma relutância, também  porque a intervenção foi associada como um qualquer tipo de inspecção ou actividade inspectiva quando não era nada disso. O nosso objectivo passa por proteger a saúde dos trabalhadores. Com o passar do tempo verificamos que todos os parceiros estão interessados em colaborar, sejam os empregadores, as associações que representam as indústrias, os patrões, as autarquias, os cuidados de saúde primários e até os cuidados de saúde hospitalares”, concretizou.

Ao Verdadeiro Olhar, Carlos Carvalho recordou que a tuberculose apesar de ser uma doença infecciosa, deixou de ser um tabu.

“ Outra das questões a que este projecto veio responder é fazer face ao tabu que existia quanto à doença porque a tuberculose sempre esteve associada a piores condições de vida, à pobreza, a condições de habitação degradadas, emprego precário e a uma série de condições que reflectem o estado sócio-económico mais desfavorecido da população. Este projecto faz com que a tuberculose passe a ser um assunto corrente de discussão seja no café, no local de trabalho e faz com que as pessoas equacionem isto tudo de forma diferente. Deixou de ser tabu. As pessoas sabem  que não têm culpa de ter tuberculose, sabem que têm de ser tratadas o mais depressa possível, se possível ainda na fase da tuberculose latente, antes deter sintomas para não infectar outras pessoas”, afirmou.

Sobre o combate à doença, Carlos Carvalho realçou que os cuidados de saúde primários são fundamentais e que existem alguns diagnósticos que continuam a ser tardios.

“Quanto mais tarde é diagnosticado mais grave é a doença e mais frequente será precisarmos da colaboração dos serviços hospitalares no diagnóstico, no tratamento e seguimentos destes indivíduos. As próprias pessoas também demoram muito tempo, especialmente como estamos a falar de indivíduos que trabalham nas pedreiras e que têm silicose, os sintomas da silicose também se confundem, às vezes, com a tuberculose. Isto faz com que demorem mais tempo a irem procurar ajuda médica. Esquecem-se que podem ter uma doença nova e que pode ser um risco. Mais uma vez este projecto está a fazer com que  o início dos sintomas e a procura de cuidados médicos seja mais curto”, sublinhou.

Questionando sobre a necessidade da Autoridade das Condições do Trabalho (ACT) promover uma maior fiscalização, o coordenador Regional do Norte do Programa Nacional para a área da Tuberculose, reconheceu esta é uma tarefa que envolve vários parceiros.

“Não é só da Autoridade das Condições do Trabalho, esta faz o seu papel, mas também da parte dos serviços de saúde. Não chega ter uma ficha de aptidão e pensar-se que o trabalhador não corre riscos. Temos que garantir que o que é feito é suficiente para que aqueles indivíduos não estejam em risco”, expressou, realçando que só será possível minimizar a doença a médio prazo.

“Existe uma tendência nacional para diminuição para 5% ao ano do número total de casos de tuberculose”

“A tuberculose é uma doença que se desenvolve muito lentamente. Muitas vezes as pessoas são infectadas hoje e só passados, 10, 20 ou 30 anos manifestam a doença. Tudo o que fizermos para minimizar as novas infecções vai demorar o seu tempo para ter resultados expressivos em termos de números. De qualquer das formas, já existe uma tendência nacional para diminuição para 5% ao ano do número total de casos de tuberculose. Nesta população, a dos pedreiros, tem diminuído um pouco mais devagar e o que esperamos é que com este tipo de projectos, especificamente dirigidos a este grande grupo de risco, que aceleramos a velocidade a que estamos a diminuir os casos de tuberculose. Provavelmente daqui a 10,  20 anos teremos uma incidência neste grupo mais baixa do que a que temos hoje”, acrescentou, sugerindo, por outro lado, que a minimização do número de casos depende da  mudança de hábitos, de variáveis socioeconómicos e da vontade política.

“Estamos a falar de factores estruturais, mais abrangentes, mais políticos. É preciso um compromisso político de todos os decisores e por isso mesmo as autarquias têm estado muito envolvidas neste projecto e neste processo de fazer face a este problema. Este projecto é só mais uma ferramenta, mais uma iniciativa que temos para fazer face ao problema”, afiançou, reconhecendo que é vital reforçar a utilização de equipamentos de protecção colectiva e individual em todo o sector, envolver as entidades empregadoras e trabalhadores; promover o rastreio periódico de tuberculose activa (através de inquérito de sintomas e RX de tórax) e tuberculose latente (através dos testes sanguíneos IGRA nos trabalhadores da indústria da extracção e transformação da pedra.

Sobre as medidas que devem ser implementas, Carlos Carvalho atestou que é igualmente fundamental promover o diagnóstico precoce de silicose através da realização periódica de radiografia de tórax aos trabalhadores da indústria da extracção e transformação da pedra pelos Serviços de Saúde do Trabalho; assegurar que os Cuidados de Saúde Primários (incluindo Centros de Diagnóstico Pneumológico) e Serviços de Saúde do Trabalho dispõem dos recursos necessários para a prevenção, diagnóstico e tratamento de tuberculose e silicose e facilitar a colaboração e comunicação entre todos os níveis dos serviços de saúde (Saúde Pública, Cuidados de Saúde Primários e Hospitalares e Serviços de Saúde do Trabalho).