“Não adianta nada incentivarmos os ciganos a saber viver em comunidade se a comunidade não os aceitar, como não aceita”, frisou Ilídio Meireles, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Paredes, na apresentação do projecto  “(Pa)redes de Inclusão”, que tem como principal objectivo promover a melhoria da qualidade de vida da comunidade cigana de Paredes.

A iniciativa, que será desenvolvida em parceria entre a Câmara de Paredes e a Misericórdia visa trabalhar várias vertentes, no sentido de quebrar barreiras e estereótipos, e de preparar a comunidade para o realojamento previsto.

Mas, salientou Ilídio Meireles e concordou a vereadora da Acção Social da autarquia, Beatriz Meireles, não basta o esforço da comunidade cigana. Também é preciso a aceitação da população do concelho. “Eles estão a fazer um esforço para se integrar e nós devemos fazer um esforço para os aceitar”, frisou o provedor.

Este projecto de mediação intercultural vai complementar a oferta de habitação

Durante a apresentação do projecto, Beatriz Meireles salientou que já tem vindo a ser desenvolvido um trabalho de proximidade com a comunidade cigana, com visitas regulares ao acampamento e procurando a inclusão através da arte, como foi exemplo o projecto Holograma da Casa da Música e da Área Metropolitana do Porto.

“Este é um processo fundamental para preparar a comunidade cigana para outros desafios”, afirmou a vereadora, lembrando que está para breve a construção da habitação social onde será realojada. “Mais do que trabalhar as paredes é preciso trabalhar o que se encontra dentro dessas paredes. E a comunidade cigana não está realmente habituada a viver dentro de paredes. Quisemos fazer trabalho com eles a vários níveis”, disse. A autarca confirmou ainda que este “projecto de mediação intercultural vai complementar a oferta de habitação” e que sempre que se fala da comunidade cigana “o tema causa ruído na comunidade paredense, porque não os aceitam”.

“Nem sempre a comunidade recebe bem a ideia de que a comunidade cigana tem de ser integrada em habitação social como outra família qualquer. Neste momento, há famílias a passarem necessidades habitacionais no concelho e os cerca de 96 elementos da comunidade cigana neste acampamento têm essa necessidade”, frisou, dando como exemplo alguns dos impactos que a falta de uma habitação condigna causa num aluno. “A falta de uma habitação social inviabiliza que um aluno possa estudar numa secretária com um caderno limpo”, e a falta de iluminação pode impedi-los de fazer os trabalhos de casa. Há ainda relatos de quem não consegue emprego quando diz que mora no acampamento.

Parte do trabalho será no sentido de ajudar a comunidade cigana a adquirir competências para que haja maior integração, “desde a aquisição de competências para a saúde, educação, habitação e procura de emprego”, mas também haverá “acções para que a comunidade os possa acolher”.

“Os pais costumavam dizer aos filhos há 60 anos ‘come a sopa ou eu chamo os ciganos’”

Na sua intervenção, o provedor da Santa Casa justificou a ligação da Misericórdia ao projecto pelo facto de, há vários anos, trabalharem de perto com a comunidade cigana no âmbito da equipa do Rendimento Social de Inserção. “Quando fomos confrontados com esta candidatura liminarmente dissemos que sim”, atestou.

Ilídio Meireles não deixou de lembrar um passado que incentivou o estigma existente. “Quando era criança víamos os ciganos e tínhamos medo. Os pais costumavam dizer aos filhos há 60 anos ‘come a sopa ou eu chamo os ciganos’”, deu como exemplo. Mas a comunidade está no concelho há 40 anos. “A comunidade cigana hoje faz parte de nós, quer queiramos quer não queiramos”, sustentou.

Por isso, defendeu, tão importante quanto este projecto é “fazer a preparação da população em geral para aceitar os ciganos”.

“Não adianta nada incentivarmos os ciganos a saber viver em comunidade se a comunidade não os aceitar, como não aceita. Se eu disser que vem aqui o Quaresma toda a gente o quer cumprimentar, esquecem-se que ele é cigano. São figuras públicas e foi-lhes reconhecido o direito de fazerem parte de nós, porque é que não fazemos o mesmo a esta comunidade?”, questionou. “Temos de os aceitar, de os reconhecer, de lhes dar a mão. Para eles é tão difícil integrar-se como para nós aceitá-los”, reafirmou.  

Em que consiste o projecto

O (Pa)redes de Inclusão destina-se a promover a melhoria da qualidade de vida da comunidade cigana de Paredes, um total de 86 pessoas (22 agregados familiares).

O diagnóstico feito no âmbito do projecto aponta como principais problemas as más condições de habitação, o défice de competências de cidadania e participação e de competências profissionais, as desigualdades de género e empoderamento feminino, os estereótipos associados à comunidade cigana, a desvalorização da escola e fraco envolvimento dos pais na comunidade escolar, os défices de convivência intercultural e de conhecimento e competências na área da saúde, a vulnerabilidade e precariedade profissional e os estereótipos existentes nas entidades empregadoras e na própria comunidade envolvente.

Está prevista a actuação em várias áreas, desde a Intervenção Psicossocial até aos níveis da Educação e Cidadania; Promoção da Saúde; Promoção do emprego e formação profissional; e Adequação ao contexto habitacional.

As iniciativas, contemplam, por exemplo, a dinamização de acções de sensibilização da opinião pública e de também de acções de capacitação facilitadoras da apropriação e adaptação a um novo contexto habitacional, visto que está previsto o realojamento da comunidade cigana em habitação social.

O projecto conta com inúmeras entidades parceiras, sendo a principal a Santa Casa da Misericórdia de Paredes. A equipa que vai desenvolver o (Pa)redes de Inclusão será constituída por uma coordenadora (com vínculo ao Município de Paredes) e duas mediadoras interculturais (afectas à Santa Casa da Misericórdia de Paredes), desde logo uma psicóloga e uma educadora social.

Este projecto resulta de uma candidatura ao projecto Mediadores Municipais e Interculturais, co-financiado pelo Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (POISE). O valor elegível é de quase 129 mil euros, sendo o financiamento a 85% (aproximadamente 109 mil euros).