Saíam de madrugada com cadeiras (e outros móveis de pequena dimensão) amarradas e empilhadas à cabeça. Percorriam a pé dezenas de quilómetros por dia. A tendência era para começarem ainda crianças. Eram tempos de fome e dificuldades. E estas meninas e mulheres levavam muito do mobiliário produzido em Lordelo e Rebordosa (Paredes), para o Porto, Valongo, Santo Tirso, ou mesmo locais mais distantes.

Maria Lamas, de 87 anos, nada e criada em Lordelo, é uma das últimas carreteiras e guarda memórias de tempos duros onde, sob o peso do carrego, se chorava, mas também se ria e cantava.

Ela era a mais velha de oito irmãos. E foi com a mãe que, por volta dos oito a nove anos, pôs os pés à estrada para transportar móveis e ajudar a família a ganhar tostões. “A minha mãe era carreteira. Deixava os filhos uns com os outros e o meu pai a fazer mesas e cadeiras e íamos transportar móveis para outros. Eu comecei a ir com ela, levava dois mochos à cabeça e lá ia eu”, conta a sénior, acrescentando que só quando chegava a casa, depois de um trabalho que começava de madrugada e se prolongava até à noite, a mãe dava de mamar aos irmãos, ainda bebés.

Nessa altura, eram muitas as mulheres que se dedicavam a este ofício, enquanto os homens ficavam nas fábricas. Eram viagens compridas e cansativas. “As mulheres punham as estribeiras na cabeça e chegavam a levar seis cadeiras, na cabeça e nas costas. Quando queriam descansar, chegavam-se à beira de um muro pequeno e ficava ali o carrego”, explica. 

“Era um tempo pobre, mas alegre”, descreve Maria. Se na ida não havia grande ânimo, à vinda havia espaço para cantar e conversar, quando se cruzavam com outras carreteiras, da freguesia vizinha de Rebordosa e do concelho de Paços de Ferreira. “Do alto de Valongo para cá, as pessoas vinham com as candeias às janelas e diziam ‘vão ali as cadeireiras de Lordelo’, lembra.  

Ela foi carreteira já pouco tempo. Entretanto surgiram empresas para fazer os transportes e foram-se acabando as carreteiras. Tornou-se depois criada de servir e, entretanto, casou. Teve cinco filhos e continuou a trabalhar na oficina de móveis do marido, fazendo ainda palhinha em cadeiras e colchas de renda. “Sempre trabalhei”, atesta. É hoje utente do centro de dia do Centro Social de Parteira em Lordelo.

Maria Lamas já foi agraciada com a Medalha de Ouro do Município de Paredes, personificando uma homenagem a todas as carreteiras do concelho, algo que muito a orgulha.