Gespaços contratou serviço a empresa que não existia

Em causa o contrato de prestação de serviços para a Pista de Gelo usada na animação de Natal

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Factura Pista de Gelo
Factura emitida a 27 de Janeiro

Há irregularidades no contrato de ajuste directo realizado entre a empresa municipal Gespaços – Gestão de Equipamentos Municipais e a empresa que alugou a Pista de Gelo usada na animação de Natal da cidade de Paços de Ferreira.

O serviço foi prestado entre 16 de Dezembro de 2015 e 6 de Janeiro de 2016, mas o pedido de propostas e o contrato só foram realizados no final de Janeiro deste ano e a empresa que facturou o aluguer do equipamento foi criada apenas no início do mês de Janeiro.

Além disso, o pagamento foi efectuado a 16 de Fevereiro, ainda antes de o ajuste directo ter sido divulgado através do Portal Base, como exige a lei, o que só aconteceu a 23 de Fevereiro. “A publicitação (…) é condição do respectivo contrato, independentemente da sua redução ou não a escrito, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos”, diz o Código dos Contratos Públicos.

Em causa poderão estar crimes de falsificação de documentos e falsas declarações dos outorgantes do contrato, situações previstas no Código Penal, já que as declarações sobre os serviços a prestar e os prazos para a sua prestação não correspondem à realidade e visam pagar um serviço já prestado.

 

Datas não batem certo

Esta história conta-se em datas. Entre 16 de Dezembro de 2015 e 6 de Janeiro de 2016 a cidade de Paços de Ferreira contou com várias actividades de animação de Natal, entre elas uma pista de gelo.

O serviço, no valor de 15 mil euros, foi contratado pela empresa municipal Gespaços, através de um ajuste directo. Até aqui tudo normal. O problema são as datas em que a contratualização foi realizada. Desde logo causa estranheza o facto de a empresa a quem foi realizado o ajuste directo, a Courage & Adrenaline – dedicada à organização de actividades de animação turística e eventos; comércio, importação, exportação, aluguer e exploração de todo o tipo de equipamentos temáticos, de diversão, lazer e turismo -, ter sido legalmente constituída apenas no início do ano, a 4 de Janeiro de 2016, já depois de o serviço ter sido prestado.

Pista de Gelo a funcionar (Imagem retirada do Facebook do Município de Paços de Ferreira)
Pista de Gelo a funcionar (Imagem retirada do Facebook do Município de Paços de Ferreira)

Por outro lado, o convite da Gespaços para o procedimento de ajuste directo data de 19 de Janeiro, assim como o caderno de encargos, que definia os objectivos do serviço, que incluía o aluguer de uma pista de gelo ecológica, com 15×10 metros, capacidade para 50 pessoas e prateleira com 50 patins, entre outros. O contrato entre as duas entidades foi celebrado a 26 de Janeiro. No documento pode ler-se que é concretizado o acordo para a prestação do serviço “por deliberação do conselho de administração da Gespaços de 25 de Janeiro de 2016, na sequência de ajuste directo com consulta, à representada do segundo outorgante [a Courage & Adrenaline], pela quantia de 15 mil euros, a que acrescerá o Imposto Sobre o Valor Acrescentado, o Aluguer da Pista de Gelo Ecológica, nas condições da sua proposta”. Nesse documento, a empresa obriga-se a concluir o aluguer, com todos os elementos referidos no Caderno de Encargos, no prazo de 30 dias a partir da celebração do contrato, só que este serviço já tinha sido prestado.

No dia 27 de Janeiro, foi emitida a factura, pela Courage & Adrenaline. Ainda antes, a 11 de Janeiro, a mesma empresa tinha emitido uma factura Pró-forma dando conta do valor em dívida. O pagamento, confirmou o presidente do conselho de administração da Gespaços, José Henriques Soares, ao VERDADEIRO OLHAR, foi feito a 16 de Fevereiro. Mas a divulgação do ajuste directo através do Portal Base, onde têm que ser divulgados os contratos públicos, só aconteceu a 23 de Fevereiro.

 

Publicitação do contrato não cumpriu a lei

Legalmente estão aqui em causa várias questões. A primeira diz respeito a esta publicitação do contrato, já que disso estava dependente a execução do mesmo e o respectivo pagamento. Ou seja, diz o Código dos Contratos Públicos, no artigo 127.º, que “a publicitação (…) é condição do respectivo contrato, independentemente da sua redução ou não a escrito, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos”. Mas neste caso, tanto o serviço como o pagamento do mesmo ocorreram antes da devida publicitação do contrato.

Por outro lado, o contrato celebrado contém falsas declarações, quando se estipula o prazo de prestação de serviço como 30 dias a contar da data de celebração do contrato, quando o serviço já tinha sido prestado e pago.

Um advogado consultado pelo VERDADEIRO OLHAR afirma que estão em causa irregularidades materiais e administrativas, falsas declarações dos outorgantes do contrato e falsificação de documentos.

Imagem retirada do Facebook do Município de Paços de Ferreira
Pista de Gelo a funcionar (Imagem retirada do Facebook do Município de Paços de Ferreira)

Duas empresas, o mesmo serviço

Questionado sobre esta situação, o presidente do conselho de administração da Gespaços, afirmou que a consulta das empresas – Giftur – Representações e Turismo, Lda, Pluri Ice e AM de Experience Group – para participar neste ajuste directo foi realizada entre 20 e 22 de Outubro, sendo escolhida a proposta de valor mais baixo, a da Giftur – Representações e Turismo, Lda. Isso levanta outra questão, o facto de terem escolhido a proposta da Giftur mas contratualizado o ajuste directo com a Courage & Adrenaline. O facto é que as duas empresas estarão relacionadas. Mas a primeira tem dívidas fiscais, o que a impediria de realizar um contrato com uma entidade pública.

Sobre o serviço ter sido adjudicado a uma empresa que só foi constituída juridicamente depois do serviço prestado, José Henrique Soares diz que “toda a correspondência e contactos trocada entre a empresa prestadora de serviços e a Gespaços foram sempre com a mesma entidade e pessoas”, provando mais uma vez que as duas empresas servem o mesmo propósito.

Por fim, confrontado com o facto de o ajuste directo ter sido feito muito depois de o serviço ter sido prestado, a resposta foi que depois do acordo realizado entre as partes “todo o restante período de tempo tem a ver com o cumprimento de formalidades obrigatórias”.