André FerreiraAinda no rescaldo eleitoral que conduziu à vitória da coligação Portugal à Frente (PAF), o quadro parlamentar apresenta-se hoje diferente e com uma maioria de esquerda.

Sempre fui apologista que as alianças, quando profícuas e em prol do bem comum, devem ser feitas, sendo certo que as mesmas devem ser concretizadas de forma clara, precisa, objetiva e acima de tudo conciliáveis com as diferenças programáticas que existem no seio dos partidos que se pretendem coligar.

Acho que as diferenças entre os partidos à esquerda do PS e o PS, enquanto partido do centro, europeísta e progressista, são muitas, tendo receio que uma eventual aliança possa comprometer no futuro próximo o próprio PS, e, claro está, o futuro do nosso país, que é manifestamente o mais importante neste momento.

Não tenho qualquer repulsa ou aversão à esquerda do PS, mas tendo como factual o passado recente, sou levado a acreditar que uma aliança dessa índole, terá sempre um termo breve.

Esse termo será certo quanto à verificação, incerto apenas quanto ao momento.

O PS não pode nem deve esconder a sua natural predisposição para o exercício de funções, desde que esse exercício assente num princípio que seja percetível e legitimo perante o país.

Se a aliança ou coligação à esquerda tivesse sido assumida antes do ato eleitoral, era uma coisa, agora desta forma, mantenho as minhas dúvidas, sendo certo que a mesma a concretizar-se não sendo bem acautelada pode deixar marcas profundas no próprio PS.

Esta matéria é muito fraturante no seio do partido, tendo acérrimos defensores que a aliança à esquerda deve ser concretizada, e outros que não aceitam, sendo que muitos nada dizem por receio do que pode vir a acontecer.

O PS é um partido plural, e deve-o ser sempre e em qualquer circunstância, e como tal deve aceitar quem pense de forma diferente, desde que fundamente a sua posição.

Custa-me ouvir, vozes diárias de eleitores apartidários que dizem que o PS está a transformar uma derrota nas urnas numa vitória (“de secretaria”) no pós eleições.

Se é certo que a PAF perdeu a maioria parlamentar, e teve um dos piores resultados de sempre, o PS apesar de todas as medidas de austeridade impostas, de quatro anos de (des) governo da direita não só não ganhou as eleições como teve um mau resultado.

Naturalmente, que muitos obstáculos apareceram no caminho do PS que são notórios, e que conduziram ao resultado desfavorável, mas o PS deve ter a responsabilidade e a humildade de aceitar que perdeu as eleições.

O PS deve ter coerência e uma linha de rumo bem definida, sob pena de poder em muitos domínios “implodir”, e deixar um lastro de desertores, que podem conduzir à tão propalada expressão de pasokização do PS.

António Costa legitimado para encetar e agora concretizar um acordo à esquerda, tem uma espada sobre si, assim como um país dividido sobre as vantagens ou não de um governo à esquerda, e um partido igualmente dividido, ainda que unido nos órgãos internos por razões que sabemos, mas que nem sempre representam a vontade maioritária dos incógnitos militantes e simpatizantes que também representa.

Temos três cenários em aberto: (i) Cavaco Silva pode indigitar, após a queda (expectável) do atual governo no parlamento, um outro governo de esquerda, com um acordo e regras bem definidas e do conhecimento de todos, pode (ii) promover um governo de iniciativa presidencial (que pode igualmente ser chumbado no parlamento), ou (iii) mantém o atual governo em gestão deixando para o seu sucessor a decisão final.

Confesso que estou pessimista quanto aos tempos que se avizinham, quer por não antever grande futuro a um Governo minoritário do PS (com apoio parlamentar dos partidos à sua esquerda), quer porque temo que a viabilização imediata do mesmo possa ser feita à custa do país.

Desde o dia 4 de Outubro, muita coisa mudou!

Era bom que fosse para melhor!