Cara eletricidade

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Fernando Sena Esteves

Chamo-te “cara” não propriamente pelo que me custas todos os meses, mas pelo apreço em que te tenho nos muitos serviços que me prestas. Não é que sejas assim muito barata e então se comparar os preços atuais com os de há umas décadas atrás… Se bem te lembras, no Porto o custo da energia elétrica era muito mais baixo do que no resto do país até que os serviços camarários de eletricidade foram ocupados por forças militares. A gestão passou para a EDP, o que foi facilitado pelo aumento dos salários de quem lá trabalhava. Um bom negócio, claro: adivinha lá quem pagou a despesa!

Diz-se que quem te descobriu foi Tales de Mileto, um filósofo grego dos séc. VII e VI aC. Dedicava-se a muita coisa, incluindo a Matemática e a Astronomia e certo dia lembrou-se de esfregar um pedaço de âmbar com uma pele de carneiro e viu que o âmbar atraía umas aparas de madeira. “Âmbar” em Grego é “elektron” e assim surgiu o teu nome, que espero aprecies. Quem não tiver à mão âmbar e uma pele de carneiro e quiser repetir a experiência, pode recorrer a um pente de plástico, uma camisola de lã e uns pedaços de papel, tudo material mais prosaico mas eficaz

Praticamente só em tempos bem recentes se descobriram utilizações práticas das tuas habilidades, como nos séc. XVIII e XIX, com o condensador e o pára-raios, este da autoria de outro “homem de sete ofícios”, o americano Benjamin Franklin. E figuras europeias como Galvani, Volta, Ampere, Faraday, Hertz e Marconi, que tanto contribuíram para o teu conhecimento e uso generalizado. Por cá, podia assinalar os carros elétricos no Porto em 1895, a barragem hidroeléctrica do Lindoso em 1922 e a linha de caminho de ferro para comboios elétricos de Lisboa a Cascais em 1926.

Permite-me que recorde a tua modesta participação nos meus tempos de menino e moço: havia lâmpadas e um rádio e era tudo! O fogão era a lenha e até o ferro de passar era a carvão, bem como a braseira no inverno. Por isso não foi muito complicada a passagem da tensão de 110 para 220 volt, em que a companhia fornecedora se encarregava de modificar a aparelhagem que houvesse ou fornecer transformadores. E bem recordo a chegada do primeiro frigorífico, um Electrolux minúsculo: não teria mais de uns 30 ou 40 litros. Ou da também minúscula máquina de lavar roupa. Creio que era Hoover, tinha um recipiente com uma pá que rodava para agitar a roupa. A água deitava-se à mão e despejava-se com uma mangueira embutida para um balde. E a roupa depois de lavada espremia-se entre dois rolos de borracha. Isto era no Porto, porque na Praia de Santa Cruz só te tínhamos de noite, a partir de um barulhento gerador a gasóleo.

Tudo isto me veio à ideia num daqueles programas catastrofistas que apresentam coisas que podem correr mal para a vida no nosso planetas como a explosão de um super-vulcão como o do parque de Yellowstone nos Estados, causando a morte imediata de uma grande parte da população do país e causando seguidamente inimagináveis perturbações atmosféricas em todo o planeta. E o mesmo para a colisão com a Terra de um cometa ou asteroide de grandes dimensões.

No teu caso, tratava-se de um pulso eletromagnético de grandes proporções de origem solar que destruísse as redes de distribuição elétrica por esse mundo fora. Ficaríamos sem iluminação e com máquinas e serviços parados, desde frigoríficos a computadores, máquinas de lavar ao GPS e à Internet, e desde os elevadores aos semáforos. Neste

último caso nem teria grande importância porque rapidamente deixaria de haver trânsito automóvel por não funcionarem as bombas das estações de serviço. Ou as que trazem água às populações. E que dizer dos transportes de alimentos, etc., etc! Olha, nem quero pensar na falta que nos fazes e espero bem que de tais tragédias Deus nos livre. Se o merecemos é outra história, e bem nos faria aproveitar o Ano Santo da Misericórdia a que o Papa Francisco deu início neste dia 8 de dezembro.

Quanto ao âmbar, se não te lembras do que é, vai ver à Internet. Por enquanto ainda temos.