O presidente da Direcção dos Bombeiros de Paço de Sousa, Felismino Madeira, o presidente da Câmara de Penafiel, Antonino de Sousa, o vice-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Marco Braga, e o presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito do Porto, José Miranda, reclamaram um maior reconhecimento para os soldados da paz, no dia do 80.º aniversário da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Paço de Sousa, que ficou marcado pela bênção de duas novas viaturas, uma de socorro e outra de transporte.

Durante a cerimónia foram ainda realizadas as habituais promoções e distinções, a entrega do crachá de ouro da Liga Portuguesa de Bombeiros Portugueses aos Bombeiros de Paço de Sousa e o reconhecimento das equipas de manobras da corporação pela sua participação em vários concursos quer a nível nacional quer a nível internacional.

O bombeiro de primeira classe, Belmiro da Rocha, foi agraciado com a medalha grau ouro.

Já o presidente da direcção dos Bombeiros de Paço de Sousa, Felismino Madeira, que se despediu das suas funções como executivo da direcção dos Bombeiros de Paço de Sousa, num discurso contundente, não poupou críticas à falta de apoio e reconhecimento por parte do poder político e do Governo em relação aos bombeiros.

“Foram atribuídos apoios para a GNR, para a operadora da Rede Nacional de Emergência e Segurança, mas para os bombeiros não veio nada. O Estado e o poder político continuam a discriminar os bombeiros”

“Cada vez mais é difícil a sustentabilidade das associações. Falo da minha, mas, também, das outras. Infelizmente o financiamento estatal é muito fraco. Há falta de  recursos, não temos outra opção que não seja pedir à sociedade civil. Conheço associações de bombeiros em que os directores já estão a atravessar-se na banca com dívidas e eu isso não faço”, disse, acusando algum desgaste e desânimo relativamente à falta de apoios com que os bombeiros têm sido brindados e justificando esta razão, assim como os seus 80 anos, como razões para não continuar à frente da direcção.

“Foram nove anos à frente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Paço de Sousa e torna-se cada vez mais difícil gerir uma instituição como esta. Foram atribuídos apoios para a GNR, para a operadora da Rede Nacional de Emergência e Segurança, mas para os bombeiros não veio nada. O Estado e o poder político continuam a discriminar os bombeiros, mas aproveita-se deles de uma maneira estúpida porque os bombeiros voluntários trabalham sem horário. Os ditos profissionais têm férias, horários e outras regalias, os voluntários não têm férias”, retorquiu.

Felismino Madeira defendeu que o actual sistema e modelo faliram. “Este sistema faliu. É preciso alterá-lo. Se têm dúvidas que as associações desbaratam o dinheiro, fiscalize-se. Os bombeiros são auditados, têm que prestar contas. Somos controlados, não temos medo, não temos é dinheiro. Os bombeiros com a sua generosidade ajudam as associações a resolver problemas que são muito complicados. Não fora isso e a sociedade civil e já tínhamos fechado a porta e entregado a chave à câmara municipal”, disse. “Ninguém quer ser associado, os donativos são cada vez mais escassos, as empresas também se cansaram e, por isso, as dificuldades económicas são tremendas. Os transportes que nos dão alguma rentabilidade para manter os bombeiros  profissionais não chegam, os combustíveis estão ao preço que estão”, sustentou, sublinhando que a estas dificuldades acresce que as associações têm de pagar a segurança social dos bombeiros e os seguros.

“O que é que nos dão em contrapartida? Um PPC que é uma miséria e somos obrigados a ter aqui equipas de ambulâncias fixas para socorro”, acrescentou, avançando que a Liga dos Bombeiros Portugueses anda “entretida com o futebol”.

“Não vejo a Liga a pressionar o Governo na sustentabilidade das associações”, asseverou, referindo que as duas viaturas que foram benzidas hoje foram pagas pela corporação em parceria com a Câmara de Penafiel e uma empresa. “Uma das viaturas, a câmara deu-nos 20%, os restantes foram pagos a nossas expensas. A outra, a empresa JAP financiou-a em 75%, mas tivemos de pagar os restantes 25%. Mas o Estado não comparticipa as ambulâncias. E carros de combate a incêndios não há. Vieram cinco milhões, mas deu um carro para cada distrito. Como não temos amigos em lado nenhum não recebemos nada”, confessou.

“O modelo tem de ser revisto, as tutelas, o poder central e o poder autárquico têm que dizer o que é que querem e chegarem-se à frente. Temos de avançar para a contratualização”

O presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito do Porto, José Miranda, defendeu, também, uma revisão do actual modelo e que é necessário avançar para a contratualização.

“O poder político fala muito nos bombeiros, agora efectivamente nada tem sido colocado à disponibilidade do agente da protecção civil bombeiros para que o socorro às populações melhore. O modelo tem de ser revisto, as tutelas, o poder central e o poder autárquico têm que dizer o que é que querem e chegarem-se à frente. Temos de avançar para a contratualização, os bombeiros têm de dispor de viaturas, equipamentos e recursos humanos”, anuiu, reiterando a necessidade dos voluntários serem tratados com a dignidade que merecem.

“Os voluntários são tratados abaixo de cão, não têm uma simpatia, de um desconto de um transporte público, não têm ajuda para os estudos dos filhos. Em França são atribuídas compensações aos bombeiros ou são-lhes atribuídos descontos no IRS ou apoios na habitação. Uma empresa que tenha nos seus quadros bombeiros é ressarcida das horas que os bombeiros deixaram de trabalhar”, declarou, defendendo que a as equipas de intervenção permanente no interior vão criar cinco postos de trabalho, humanizar o interior, a floresta e contribuir de forma forma positiva para fazer uma prevenção sustentada e planeada.

“Apesar de ter havido algum reforço de meios para a Autoridade Nacional da Protecção Civil, para a GNR e para o ICNF, os bombeiros que são de facto o grande pilar da protecção civil continuam à margem de tudo”

O presidente da Câmara de Penafiel, Antonino de Sousa, reconheceu que, apesar do que aconteceu no ano passado, da crise que se viveu no pais em termos de protecção civil e em termos de socorro, da tragédia que ceifou vidas e provocou danos materiais, os bombeiros continuam, a ser vistos pelo poder central, como o parente pobre da protecção civil.

“Apesar de ter havido algum reforço de meios para a Autoridade Nacional da Protecção Civil, para a GNR e para o ICNF, os bombeiros que são de facto o grande pilar da protecção civil continuam à margem de tudo. Se não forem as câmaras municipais e alguns beneméritos da sociedade civil a apoiar as nossas corporações, a verdade é que elas têm imensas dificuldades para se conseguirem reequipar e manter uma capacidade de operação como é suposto e exigível”, concretizou.

O autarca admitiu que o poder central não tem estado à altura das suas responsabilidades na relação com os bombeiros. “Infelizmente, do nosso ponto de vista, o Governo não tem estado à altura das responsabilidades nesta área que é tão importante. Esta questão das equipas de intervenção permanente que foram propostas às câmaras municipais, são uma panaceia que não serve para resolver nada porque pretendem atribuir a cada município uma equipa de cinco homens que serão profissionais e que estarão alocados a uma corporação de bombeiros”, disse, esclarecendo que em Penafiel existem  três corporações de bombeiros, situação que deixa ao executivo municipal dificuldades acrescidas na escolha da corporação que irá acolher a equipa de intervenção permanente.

“Como é que vamos decidir? Vamos alocar essa equipa a que corporação? Àquela que tem a maior área territorial? Ou àquela que tem mais dificuldade em ter voluntários? E como é que vai funcionar essa equipa? Vai trabalhar de acordo com um horário normal de trabalho, já que são profissionais de trabalho, das nove às cinco, com feriados e fins-de-semana? Ou vão ser bombeiros no sentido mais tradicional do termo que estão sempre disponíveis a actuar? É uma forma patética de lidar com uma situação. O que precisávamos era que os bombeiros tivessem a atenção que deveriam ter com meios e com verbas que lhes permitissem efectivamente corresponder àquele que é o desafio que têm permanentemente pela frente e isso infelizmente não tem acontecido”, adiantou.

“Há dinheiro para tudo, mas não há dinheiro para os bombeiros”

O vice-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Marco Braga, manifestou idêntica preocupação e lamentou que os bombeiros sejam simultaneamente tidos como o pilar e ao mesmo tempo o parente pobre da protecção civil.

“Há dinheiro para tudo, mas não há dinheiro para os bombeiros”, expressou, recordando que 90% do socorro é feito pelos soldados da paz, reclamando mais apoios e exortando as associações e as várias federações distritais existentes no país a defenderem a importância que os bombeiros têm no pilar da protecção civil.

Falando das duas viaturas que foram benzidas, Marco Braga afiançou que devia ser o Estado a comprar estas viaturas.

“A tutela diz que os bombeiros são imprescindíveis, mas é preciso passar aos actos e não ficarmos nos discursos. Temos que mudar este modelo. Os bombeiros não podem continuar a ser maltratados”, avançou, realçando o papel das autarquias, em especial a de Penafiel, cujo apoio e colaboração com as três corporações tem sido reconhecido por todos os agentes e sectores dos bombeiros.

O comandante dos Bombeiros de Paço de Sousa, Adelino Correia, relevou a missão do bombeiro, a importância do voluntariado, o papel dos fundadores da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Paço de Sousa assim como o legado que deixaram.

“A associação comemora 80 anos de serviço, com garbo, saber estar, com humildade, mas sempre com espírito de sacrifício e missão”, destacou, elogiando as relações salutares que existe entre o corpo de comando e a direcção e demais órgãos sociais.