Quando era criança sonhava muito. Quis ser juíza, porque “era intolerante às injustiças”, mas também se imaginou numa sala a dar aulas. As lousas das ementas do restaurante do avô “faziam de quadro e as portas dos armários de casa eram as paredes”. E “quando tinha amigas com quem brincar, elas eram as alunas. Quando não tinha, as bonecas faziam esse papel”.

Hoje, aos 32 anos, Sara Sanhudo não é juíza, mas tem um centro de estudos, concretizando assim o sonho de dar aulas ou explicações em Lousada, terra de onde é natural. E, até ao final do mês de Fevereiro, vai concretizar um outro, lançar um livro, o primeiro, “1991”.

Sara com o avô Joaquim

As páginas do manuscrito desenrolam-se à volta de Caetana que “vive uma vida atribulada e cheia de vicissitudes”, onde a vontade de vencer é maior, lê-se na sinopse. Esta obra inspiradora, que fala sobre superação e resiliência, nada mais é do que uma auto-biografia de Sara Sanhudo, onde não faltam os dramas familiares. Mas a envolver as cerca de 50 páginas do livro existe muito “amor”.

E o “1991” mais não é do que uma homenagem ao avô Joaquim que partiu há três anos “de forma tão inesperada” que, até hoje, a autora não conseguiu recuperar ou superar. Aliás, quando começa a falar daquele que foi “pai, avô irmão e amigo” faz uma pausa, talvez para conseguir forças para falar de um assunto que lhe é tão sensível. E a vontade de ultrapassar esta perda, que a magoa até hoje, levou-a fazer “terapia e reiki”, como confessou em entrevista ao Verdadeiro Olhar.

Apesar de sonhar em ser juíza ou professora, é verdade que os livros sempre fizeram parte da vida de Sara Sanhudo. “Adorava livros, revistas e jornais”. Recorda que o avô “era leitor assíduo do Comércio do Porto” e quando os dois iam comprar o jornal, “era o momento alto do dia”, recordou.

Mas, além de ser uma homenagem a Joaquim, o “1991” tem também implícita uma mensagem de resiliência. Sara perdeu o pai quando tinha dois anos. A droga ‘roubou-lho’, mas o avô paterno conseguiu ser essa figura e tantas outras na vida desta jovem que, ainda tão pequena, foi obrigada a enfrentar a perda, a mudança. Ficou “sozinha com a mãe”.

Sara Sanhudo nasceu em Cristelos e mudou-se para Silvares aos sete anos. O avô deu-lhe sempre a mão. Licenciou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos, pelaUniversidade do Minho. Especializou-se em jornalismo, mas nunca exerceu, porque “não surgiu a oportunidade”. Ainda assim, a lousadense confessa que até gostava de ver o seu nome escrito nas páginas de um jornal, “talvez como cronista”.

Apesar de dizer que não é exemplo para ninguém, considera que a sua história de vida “pode ser inspiradora”. “Às vezes, as pessoas queixam-se de pequenas coisas, mas não sabem o que são grandes problemas”, sublinhou Sara, adiantando que, são essas ‘estórias’ dentro de uma história, que serão contadas ao longo do seu livro.

Actualmente, Sara é proprietária do ‘Clube dos Poetas’, um centro de estudos, localizado em Lousada. Ali dá explicações e tenta motivar as crianças a lerem, a gostarem de livros. Numa das salas do espaço existe uma grande estante que carinhosamente apelida de biblioteca, onde “os meninos podem ler e levar os livros para casa”. Gostava que Lousada tivesse “mais ofertas culturais, como o teatro, cinema, por exemplo”.

Mas, e enquanto isso não acontece, tenta deixar o seu gosto pela leitura às crianças que passam pelo seu clube. Tal como fez o seu avô que a ensinou a gostar de revistas e jornais. E ensinou-a amar e a mostrar os seus sentimentos, através da escrita.

Aliás, Sara Sanhudo sempre escreveu muito. Tinha textos ‘espalhados’ pela casa com estas histórias de vida. A ‘Oficina da Escrita’, de Lousada, lançou-lhe o desafio e os papeis materializaram-se num livro que já está em pré-venda no site desta editora.

E o avô Joaquim é uma das personagens principais. Recorda que a levava ao supermercado, comprava-lhe doces. Sara Sanhudo era a sua menina. E ele era “o seu companheiro de muitas aventuras e conversas”. Refere que nunca lhe faltou amor e, por isso, acabou por “não sentir a falta de um pai”.

E se não sentiu falta de um pai, sente a ausência do avô que, e apesar de ter partido há três anos, continua a ser o abrigo e a inspiração desta escritora que promete que o “1991” não vai ser filho único. Outras histórias, de certeza de África, porque os avós eram retornados, vão passar para o papel. Quando? Sara Sanhudo promete que será em breve.