Na primeira reunião de câmara depois de ter vindo a público a alegada adulteração de multas de estacionamento por funcionários do serviço de fiscalização do município de Valongo, resultando no seu arquivamento e em prejuízo para a autarquia, a oposição quis saber em que estado está o processo.

José Manuel Ribeiro explicou que os cerca de 40 processos em causa, com que foi confrontado no seguimento de uma reportagem televisiva, referem-se a um valor inferior a mil euros e que as possíveis irregularidades já estão a ser alvo de uma comissão de inquérito interna, tendo também sido denunciadas ao Ministério Público.

Mas o presidente da Câmara de Valongo não gostou das “insinuações” feitas pelo principal vereador do PSD e deixou um aviso: “Veio aqui insinuar. Vou aconselhar-me com os serviços jurídicos. Se achar que existe matéria no que o senhor vereador disse vou mandar para o Ministério Público”.

“Mande para o Ministério Público que eu não tenho problema nenhum. Mas não perca é a gravação desta reunião”, respondeu Luís Ramalho.

“Ao volume de casos que é alguém teve que autorizar os despachos de arquivamento e ter conhecimento”

O tema era esperado. Depois de, há cerca de duas semanas, uma reportagem da TVI ter denunciado que, durante cinco anos, entre 2011 e 2015, houve autos de contra-ordenação relativos ao não pagamento de taxas de estacionamento à superfície que terão sido adulterados por funcionários da Câmara de Valongo para que os infractores não pagassem as multas, e de um comunicado do PSD a criticar a postura do município, era quase certo que o assunto seria levantado.

Segundo a reportagem, o esquema passava por adicionar letras ou números às matrículas para que os carros fossem assumidos como sendo estrangeiros, fazendo com que as multas fossem arquivadas.

Luís Ramalho pegou no “assunto incómodo” e salientou que o processo com a Parques Ve, empresa concessionária de estacionamento nas cidades de Valongo e Ermesinde contra a qual o município deu início a um processo de resgate, “foi um pau que já nasceu torto”. “Diz o povo que quando nasce torto tarde ou nunca se endireita. Mas a questão agrava-se a partir do momento em que é atribuída à empresa a competência da fiscalização”, salientou o vereador do PSD.

O eleito acusou ainda a Câmara de ter sido “conivente com o acto ilegal da fiscalização” durante 2018, o que permitiu ver a receita “aumentada dez vezes”. “Seria na ordem dos três mil euros e terá passado para 30 mil”, referiu.

“O senhor permitiu que tudo isto acontecesse e, mais grave, que durante um ano a empresa cobrasse indevidamente os pagamentos de avisos com penalização sem estar devidamente credenciada. Não podemos dizer que não sabia”, criticou Luís Ramalho.

Internamente terão decorrido outros actos ilícitos, lembrou o social-democrata, “que permitiram que não fossem identificados os proprietários das viaturas, não aplicando as devidas coimas”.

“Tudo isto obedece a uma cadeia hierárquica. Se formos à rua contar os veículos com matrícula estrangeira veremos que em Valongo não teremos mais do que três. Ao volume de casos que é alguém teve que autorizar os despachos de arquivamento e ter conhecimento”, sustentou. “Esta forma ardilosa de adulterar matrículas foi aplicada neste contexto. Será que este tipo de esquemas não se verifica a outros níveis de fiscalização por medidas eleitoralistas?”, questionou ainda o vereador.

O autarca salientou também que, apesar de em vários momentos os responsáveis do município terem afirmado que a empresa concedeu 10 minutos de tolerância no estacionamento não há nada que o comprove. “A promiscuidade existente neste processo é algo que nos preocupa. Vamos querer ver responsabilidades apuradas”, garantiu.

De seguida, Alberto Neto perguntou que procedimentos internos estão em curso. “Gostaríamos de ter acesso a 40 ou 50 processos aleatoriamente, destes que foram alegadamente adulteradas, desde a intervenção da empresa Parques Ve, até que entra na câmara e o arquivamento. Ver quem tratou destes dossiers e como foi feito, para percebermos o procedimento interno”, referiu.

“Tenha coragem. Não fique pela insinuação. O que é que quer dizer com cadeia hierárquica? Está a falar do presidente e do vereador?”

Em resposta ao PSD, José Manuel Ribeiro garantiu que o assunto não é incómodo e que reagiu a tudo com a naturalidade de quem não tinha conhecimento da situação.

“Fui contactado de manhã pela TVI a pedir uma entrevista sobre o ponto de situação do resgate das concessões. Disse que os recebia à tarde. Foi uma entrevista com mais de meia hora que foi amplamente amputada. Vou mais longe. Aquela entrevista passa basicamente a mensagem da empresa, não passa nada do que eu disse”, começou por justificar o edil.

No dia em que foi entrevistado e perante os factos que lhe apresentaram sobre a alegada adulteração de matrículas, fez um despacho e criou uma comissão que está a fazer um inquérito. “Fiz também a comunicação ao Ministério Público”, garantiu.

“O senhor vereador veio pegar num caso que tem a sua origem em 2011, em que eu não era presidente, que passa por 2013 em que eu só fui presidente a partir de Outubro e que depois entrou em 2014 e durou até ao início de 2015 como se tudo isto fosse com o actual presidente. Usa o mesmo argumento do senhor da empresa, o que me deixa preocupado”, salientou José Manuel Ribeiro. “Eu em 2013 não era presidente da câmara. O meu interesse eleitoral era zero”, frisou o presidente da Câmara, criticando as insinuações da oposição.

“Em 2011, 2012 e 2013 era o seu partido que estava aqui. Tenha coragem. Não fique pela insinuação. O que é que quer dizer com cadeia hierárquica? Está a falar do presidente e do vereador?”, acrescentou.

“Eu não sabia de nada até porque não estava cá na câmara sequer. A ser verdade, aquilo indicia que algum funcionário ou alguns funcionários cometeram erros graves e esses erros têm que ter consequências. Se vier a ser provado que houve esse tipo de comportamento a reacção é despedir”, prometeu.

“Até faço um desafio: se acha que pode ir além da insinuação diga mesmo para a acta. Fala em promiscuidade, mas não diz que no passado, no tempo do PSD, quem fez a fiscalização foi a empresa. Pega num período em que eu não era presidente de câmara, cola-o a um período do ano passado em que o senhor sabe o porquê de não haver processos. A câmara não fez nenhum processo de contra-ordenação porque eles não estavam equiparados e porque a empresa omitiu isso à câmara, sucessivamente”, sustentou o edil de Valongo.

“Vou-me defender e avaliar se vale a pena enviar isto para o Ministério Público”, afirmou o autarca.

Luís Ramalho defendeu-se. “Não aceito lições de moral, muito menos de si. Começo a ver o resultado do investimento nas companhias de teatro do concelho de Valongo e o senhor deve ter frequentado alguns cursos porque esse seu melodrama quase me pôs a chorar”, atirou.

“Mande para o Ministério Público que eu não tenho problema nenhum. Mas não perca é a gravação desta reunião. Eu não acusei ninguém, eu levantei hipóteses”, sustentou.