A sondagem escondida

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Quando vimos, mais fora do que dentro da caixa do correio, uma revista que desconhecíamos e cujo conteúdo, da autoria da câmara municipal de Paredes e com direção do seu presidente, não passava de uma colagem de cromos repetidos das reportagens fotográficas que a autarquia faz na sua página digital, não nos espantamos.

Pelo contrário, um leve sorriso, não sabemos se de ironia ou de indignação, assaltou-nos a face. O que à memória veio foi uma formação em marketing político, no Hotel da Lapa, em Lisboa, que fizemos na década de 90 e na qual, mera coincidência, participaram muitos dos que hoje fazem parte das cúpulas dirigentes do PS. Sim, António Costa, hoje primeiro-ministro, estava lá. Ele e os outros. Não me lembro de ter visto Sócrates. Esse, porventura, andaria nessa altura em aturados estudos para concluir o curso que nunca fez. Ali se aprendiam as técnicas, umas mais transparentes do que outras, para convencer os eleitores. A formação era ministrada pela fina flor das empresas estrangeiras de marketing político e em alguns momentos chegamos a pensar com os nossos botões se estávamos a aprender a convencer os eleitores ou se nos estavam a ensinar como os enganar. Seja qual for a conclusão, a certeza única que nos ficou foi a das aprendizagens. Umas mais úteis do que outras.

Mas vamos ao que interessa. A revista que entupiu literalmente as nossas caixas de correio devia ter algum objectivo, concluímos. Não, não se tratava só de mostrar aos (e)leitores a obra feita. Se o fosse nunca exporia de forma tão descarada que o presidente da câmara, ao fim de 8 anos na oposição e 4 no poder, não tivesse mais para nos mostrar do que umas rotundas a fazer de conta que facilitam o trânsito e uns buracos mais ou menos bem tapados nas freguesias, escandalosamente, quase tudo numas e quase nada nas outras. Não, não entenderíamos que a revista de propaganda da autarquia não fosse capaz de nos mostrar- nem que fosse uma só – uma obra estruturante, uma ideia do concelho que Paredes quer ser. Pior do que tudo isso a prevalência nas imagens das “obras e obrinhas” em contraste com a ausência das pessoas trouxeram à tona aquilo que há muito nos parece ser evidente para este executivo. Este executivo não existe para as pessoas. Se existe é para a promoção pessoal dos seus membros que aparecem mais nas páginas de comunicação da autarquia do que a oferta de sexo nas páginas do JN.

Para nós, sempre, mas sobretudo em tempos únicos como estes, em tempos de uma crise cujas consequências estamos longe de imaginar, as pessoas e as suas necessidades deviam estar em primeiro lugar. Não é isso que esta coleção de cromos nos mostra. Aliás, o texto assinado pelo número da bola da coleção de cromos, também ele não esconde a insensibilidade social que carateriza o executivo a que preside.

Mas, pior do que aquilo que mostra é o que esconde. Dentro da revista e de forma separada aparece um “atencioso” questionário que solicita a “participação” dos cidadãos. Com inquéritos destes- aprende-se nessas aulas de marketing político- quem os faz não está preocupado em saber o que preocupa os cidadãos. O que se pretende é registar os anseios dos eleitores para, a partir das conclusões, formatar o conjunto de promessas que hão-de vir a constituir-se como o programa eleitoral do partido no poder, neste caso, o PS. Se as promessas são para cumprir ou não isso dão outros quinhentos. O que interessa é fazê-las. Depois, logo se verá. Aliás, se assim não fosse, porque é que só no ano das eleições é que esta sondagem aparece? Sim, é uma sondagem escondida na forma de inquérito. Uma desbragada aldrabice. Para cúmulo, paga com o dinheiro dos contribuintes.

Com sondagens escondidas e com mais uns bolos se enganariam os tolos.

Nem todos, senhores, nem todos são tolos e os ignorantes começam também a ser cada vez menos.