Em 2014, eram já mais de quatro mil os idosos com mais de cem anos em Portugal. Há medida que a população envelhece, são cada vez mais os casos de seniores que alcançam os três dígitos de idade.

Não há números concretos para a região, mas há quem chegue aos cem anos e até mais. Esta semana damos a conhecer a Ana Conceição, de 103 anos, o Joaquim Gonçalves, de 101, e o Alfredo Matos, de 100 anos.

 

Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo

 

Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo. As últimas projecções das Nações Unidas mostram que, em 2050, o nosso país será o terceiro mais envelhecido, ficando apenas atrás do Japão e de Espanha.

Por isso, não é de estranhar que, com o aumento da esperança média de vida, sejam cada vez mais os portugueses a chegar a idades avançadas.

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), mostram que, em 2014, eram 261.597 mil os idosos com 85 ou mais anos residentes no país. Acima dos 80 anos, eram mais de 595 mil, ou seja, 5,7% da população. Segundo o jornal “I”, o número de idosos que chegou aos cem anos ou mais superou a barreira dos quatro mil, pela primeira vez, o ano passado. Em 2014, eram 1298 os homens e 2768 as mulheres que tinham mais de cem anos. Um número que quase duplicou em relação a 2011.

Apesar de esta região ser das mais jovens do país, o número de idosos com 85 ou mais anos tem vindo a aumentar. Em 2011, esse grupo etário estava próximo dos 30 mil, na Área Metropolitana do Porto (AMP), e era de 6.322 no Tâmega e Sousa. No ano passado, eram já 34.034 os seniores com 85 ou mais anos na AMP e atingiam quase os sete mil (6.916) no Tâmega e Sousa. O aumento verificou-se em todos os concelhos. Em 2014, havia 1.270 pessoas com mais de 85 anos em Valongo, 991 em Penafiel, 929 em Paredes, 487 em Paços de Ferreira e 448 em Lousada.

Sobre o número de idosos com mais de 100 anos não há números na região. Mas são cada vez mais as pessoas que vivem um século ou mais. Encontramos três exemplos.

 

Audição fraca, mas memória de elefante

 

A idade é um posto. E porque assim é, e as senhoras vêm primeiro, começamos pela história de Ana Conceição Nunes, natural de Valpedre. Tem 103 anos e é utente do lar do Centro Social e Paroquial Santo Estêvão Oldrões, em Penafiel. É curiosa, atenta e manteve-se activa até tarde. Só quando partiu uma anca, há quatro anos atrás, e ficou numa cadeira de rodas, foi institucionalizada. Até lá vivia com a filha Maria, 30 anos mais nova, de quem cuidava, com a ajuda do serviço de apoio domiciliário. Maria foi vítima de uma meningite, ainda criança, que lhe deixou sequelas para a vida. Lembra-se de pedir dinheiro emprestado para a levar a quantos médicos havia, mas não adiantou. É hoje utente do mesmo lar que a mãe.

“Não queria chegar aos cem anos. Queria que o nosso Senhor me levasse”, diz a sénior. As funcionárias do lar acreditam que vive pela filha. “Estão sempre juntas, se a tiram aqui da beira está logo a perguntar por ela”, conta Teresa, funcionária do Centro Social e Paroquial de Santo Estêvão de Oldrões, que serviu de mediadora da conversa.

Ana ouve mal. É preciso “gritar-lhe” ao ouvido repetidamente, até que consiga perceber qual a pergunta. Fora isso, tem boa memória onde guarda muitas histórias que está sempre disposta a contar. Chamam-lhe “avozinha”. É ela quem está sempre a chamar a atenção às funcionárias para que ajudem os outros utentes.

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“Avozinha” de 103 anos ainda não esqueceu um grande amor

 

Teve cinco filhos, três ainda vivos. Netos e bisnetos são poucos. “Agora é outra moda. Só tem filhos quem quer”, sustenta a sénior.

Fala de um tempo diferente. “O nosso mundo virou com o debaixo para cima”, diz. Quando jovem, foi criada de servir, e depois abraçou a arte da mãe, tornando-se costureira. Os tempos eram de fome. “A minha mãe às vezes fazia sopa só com uma couve e uma cebola. Havia tanta fome”, conta. Casou por volta dos 30 anos. Recorda um marido dado à bebida, mas que nunca lhe bateu. “Trabalhava muito e era meu amigo”, garante. Depois de casada a vida também não era fácil. Poupava tudo o que podia para o filho poder estudar. Formou-se Enfermeiro.

Recorda muitas vezes o pai, que a deixou a ela e à mãe quando ainda era jovem, e de uma boneca que lhe deu, com a qual nunca chegou a brincar, porque a mãe a ofereceu à filha do patrão. “Era muito luxo para nós”, diz.

Mas a história que mais a marcou foi a do grande amor da sua vida, que nunca esqueceu. Namoraram cinco anos, num tempo em que o namoro era bem diferente. “A mãe dele dizia que eu era muito bonita e trabalhadeira. O pai dizia-lhe para não ligar à boniteza”, conta. O namoro acabou por se desfazer. Ele foi para o Brasil e a vida de Ana seguiu outro caminho, levando-a a casar e ter filhos. Ele entretanto voltou. Pedia-lhe para deixar o marido e ir com ele para o Brasil. “Naquele tempo era uma vergonha, não se usava deixar o marido”, argumenta. “Mas se fosse agora ia?”, perguntamos em tom de voz elevado. “Se fosse agora, ia”, garante a idosa, provavelmente a mais velha do concelho de Penafiel. “Amor, amor como dantes não há”, resume.

 

“Toda a gente se admira quando sabe a minha idade. Acham-me mais novo”

 

Com 101 anos de idade, e já muito próximo dos 102, Joaquim Gonçalves não esconde que se sente feliz por ter chegado tão longe. “Toda a gente se admira quando sabe a minha idade. Acham-me mais novo”, afirma com visível orgulho.

A saúde não é perfeita. Ultimamente tem sido o coração a dar alguns problemas. Mas mantém-se lúcido e com uma memória de fazer inveja.

É natural de Cristelos, Lousada, onde ainda reside. Viu a vila crescer muito e diz-se contente com o progresso. Ainda assim, diz que lhe deixa saudade “o tempo antigo”, tempos em que havia mais árvores e conseguia ouvir o barulho dos pássaros pela manhã.

Joaquim Gonçalves fez a quarta classe numa altura em que era preciso “saber muito de Português e de História de Portugal”. Começou a trabalhar perto dos 12 anos. “Mas viam-se muitas crianças com cinco e seis anos à frente dos bois. A maioria não estudava”, recorda. Foi para aprendiz de relojoaria, e fez disso a profissão da sua vida. Só deixou a relojoaria, no centro de Lousada, aos 70 anos.

Este lousadense assistiu a grandes mudanças no mundo, à chegada da industrialização, à ditadura de Salazar, ao período da Segunda Guerra Mundial. No tempo do Salazar, “muitos que tinham dificuldade em viver e ganhavam muito pouco tinham sete a oito filhos para ter abono de família que os ajudava a viver”, conta. Nessa altura, e embora nunca tenho sido político, esteve preso por causa da política. Tinha 21 anos. “Um dia estava a trabalhar e apareceu um carro da PIDE. Pediram para ir prestar declarações. Disse à minha mãe que ‘quem não deve não teme’, mas acabei por ficar preso”, lembra o sénior. Ficou lá um mês, sem saber porquê. Até que chamado a falar com o director percebeu que tinha sido preso porque tinha o hábito de ouvir rádio no clube recreativo e foi acusado de ouvir emissoras espanholas. “Ter sido preso injustamente foi a maior tristeza da minha vida”, não esconde o centenário.

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Lousadense está quase a chegar aos 102 anos

 

Depois de ser libertado ainda demorou a livrar-se do rótulo de comunista. Era mal visto na sociedade. A conversa foge para a política. “Não tenho ido votar, mas o meu partido é o PS. Gosto muito do Sócrates e também simpatizo com o António Costa. Gostava de o ver a primeiro-ministro”, assegura. Há meio ano Joaquim acreditava na vitória dos socialistas nas eleições do próximo domingo, hoje diz ter dúvidas.

No tempo da Segunda Guerra Mundial lembra-se de comer pão de farelo e da miséria que havia. Também não esquece os tempos em que a Igreja estava mais a favor dos ricos que dos pobres. “Hoje isso mudou”, acredita.

Nas suas memórias, de mais de um século de vida, não ficam também esquecidos os tempos de namoro. Casou aos 27 anos, com uma rapariga mais velha que tinha mandado um relógio para reparar. Mas muitas foram as namoradas. A primeira foi a que mais o marcou. Escreviam cartas um ao outro todos os dias. O namoro fazia-se à distância, percorriam-se muitos quilómetros a pé e de bicicleta para ir ver a amada. “Agora não é preciso pedir, mas naquele tempo era difícil conseguir um beijo”, conta. “A minha mulher foi boa esposa e mãe. Foi a minha sorte e a minha felicidade”, garante o sénior. Juntos criaram cinco filhos (uma já faleceu), em tempos difíceis. Tem 11 netos e bisnetos adultos, e já podia ter trinetos, salienta.

Até há pouco tempo, Joaquim Gonçalves passeava muito pela vila, tomava sempre café na pastelaria e ficava a ler o jornal. Agora tem ficado mais por casa, desde que teve problemas de coração. Gosta de ler o jornal e de ver televisão para saber o que se passa no país.

“Sou um homem feliz, vivo e morro feliz”, garante. Prestes a completar 102 anos tem ainda um sonho a cumprir: o de passar no Túnel do Marão, quando a obra estiver concluída.

 

“Cem anos não são para qualquer um”

 

Alfredo Matos é o mais jovem destes três seniores. Completou 100 anos em Agosto. Encontrá-lo é fácil. A seguir ao almoço e depois do jantar está pelo Café Teles, em Freamunde, onde lê os jornais e confere os resultados do Totoloto e do Euromilhões. Se sair prémio é para os filhos, garante.

A vida de Alfredo foi de trabalho e de muitas dificuldades. Fez a quarta classe com um professor particular porque o padrinho lhe pagava a escola. Tinha oito anos quando o pai morreu e eram quatro irmãos. Aos 11 anos foi para o Porto para casa de uma tia que tinha uma mercearia. Tornou-se caixeiro durante três anos. Até que resolveu voltar a Freamunde onde se lançou na arte de tamanqueiro. Foi nessa profissão que trabalhou até aos 24 anos. Depois entrou numa fábrica de móveis, na secção de pintura, onde trabalhou 42 anos, até se reformar. Mas depois do trabalho na fábrica, até à meia-noite, continuava a trabalhar em casa, como tamanqueiro, para conseguir sustentar os filhos. “Era preciso para se viver. Trabalhei muito”, conta o freamundense. “Havia fome. Comia-se o que calhava”, recorda.

Casou aos 23 anos e teve cinco filhos, um já falecido. Em Agosto, realizaram uma festa para comemorar os cem anos. Entre netos, bisnetos e trinetos eram 45. “Só família éramos 80”, diz com alegria. A mulher, essa faleceu aos 65 anos. Nunca voltou a casar. E viveu sozinho até há seis anos atrás. Agora vive com o filho.

 

Uma vida dedicada à música na Banda de Freamunde

 

Outra das facetas de Alfredo Matos foi o tempo que dedicou à música. Integrou a Banda Musical de Freamunde aos 16 anos e aí se manteve até aos 78. Foram 62 anos de dedicação, reconhecidos com uma homenagem, em que tocou vários instrumentos, como clarinete e saxofone, e foi prateiro.

“Agora a minha vida é boa”, diz o centenário. “O mundo para mim não está mal, para os outros não vejo trabalho nem dinheiro”, explica. Não gosta de dormir até tarde, por isso, levanta-se até às 6h30 a 7h00, todos os dias. Uma hora mais tarde toma o pequeno-almoço e fica por casa. Depois de almoçar ruma ao Café Teles, onde já tem lugar cativo. É aí que passa parte da tarde. E é aí que volta depois do jantar, até às 22h00. Vê as notícias, conversa, confere os resultados dos jogos da sorte. “Tenho sempre lá o meu lugar. São todos meus amigos”, garante Alfredo. Não discute futebol, mas gosta de ir ver os jogos do SC Freamunde ao estádio, clube do qual é sócio. “Esta época ainda não fui”, lamenta.

Este sénior, que passou por muitas mudanças e se lembra do tempo em que não havia luz eléctrica e tudo se fazia à luz de lampiões, preserva a saúde, a mobilidade e uma boa memória. “Nunca pensei chegar a esta idade. Cem anos não são para qualquer um”, conclui.