“E por vezes as noites duram meses / e por vezes os meses oceanos”. O poema de David Mourão-Ferreira ajuda-nos a exprimir o que foi aquela madrugada de 8 de março de 2020 e o que foi o ano completo desde então, cercados pela pandemia e submersos por tudo o que ela arrastou.

Naquele domingo, a Direção-Geral de Saúde confirmava 23 casos de Covid, dos quais 19 correspondiam ao mesmo foco, na maioria em Felgueiras e Lousada. Nessa madrugada, começamos a operacionalizar o encerramento dos edifícios públicos, feiras e escolas – poucas horas depois havia feira quinzenal e começaria mais uma semana letiva, obrigando a uma rápida intervenção para a vedação do recinto e a anulação dos transportes escolares –, suspensão dos espaços de cultura, desporto e lazer e quaisquer manifestações com ajuntamentos. Um executivo municipal reunido pela noite dentro, para decidir, em cima do desconhecido, o dia seguinte de cerca de 50.000 pessoas.

Quando amanheceu, iniciava-se uma nova vida individual e coletiva, invulgarmente inquietante e desafiadora. Com o encerramento das escolas, muitos munícipes necessitaram de dispensa ao trabalho e sentiram grandes dificuldades na justificação da ausência, e emergiram preconceitos e discriminações de universidades e hospitais, a que reagimos vigorosamente. Tudo isso nos parece, hoje, inverosímil e primitivo.

Poucos dias depois, com a recuperação dos primeiros doentes e a reabertura de alguns serviços municipais, já adaptados com proteção aos utentes e funcionários, havia sinais sensíveis de regresso à normalidade possível, acompanhados pelas primeiras de muitas medidas à economia local: suspensão de contratos de abastecimento de água, saneamento e recolha de RSU, Linha de Apoio Municipal à COVID-19 – de extrema utilidade para apoiar todos os casos no concelho, mais tarde evoluindo para as atuais equipas multidisciplinares de acompanhamento – e reforço do Banco de Voluntariado, com mais de 300 inscrições, numa das maiores manifestações de solidariedade que muito nos orgulhou e um dos principais aspetos positivos da pandemia.

Logo a 1 de abril iniciaram-se testes COVID, num mês em que várias empresas aceitaram o nosso desafio de apoiarem no combate à doença – alojamento para os profissionais de saúde, até à produção de equipamentos de proteção individual –, concedemos vastos apoios às IPSS e Bombeiros, sobretudo no fornecimento de material de proteção individual, e oferecemos ventiladores ao Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa. Adquirimos computadores com acesso à internet e criamos o Vale Municipal de Reparações Informáticas, permitindo aos alunos o acesso às aulas à distância. A par disto, canalizamos para o apoio social às nossas famílias as verbas que estavam orçamentadas para os eventos que não se realizaram, reforçando assim a ajuda aos que mais precisam.

O mês de maio, anulando embora o Rally de Portugal e a ambicionada peregrinação ao Eurocircuito da Costilha, trouxe-nos o primeiro desconfinamento, que, embora parcial, permitiu a reativação do comércio, para o qual colaboramos com a oferta de EPI’s e o plano de contingência da feira. E dois meses depois lançamos um programa de apoio aos Comerciantes e à Economia Local/Circular – Comprar em Lousada.

A ausência de novos casos em várias semanas do verão, impedindo, embora, a realização das festividades que os Lousadenses tanto apreciam e necessitam, apontavam para razões de otimismo na superação de uma crise sanitária e económica e social verdadeiramente dramática, e o ano letivo era preparado com muita responsabilidade.

Porém, em outubro, tudo se precipitou. Os números começavam a ser preocupantes, e o país ultrapassava os números da primeira vaga. Alargamos o horário da linha de apoio municipal e duplicamos contactos, promovemos uma campanha de vacinação contra a gripe, comparticipamos a vacinação para maiores de 65 anos e oferecemos equipamentos de proteção aos mais desfavorecidos e novamente às instituições.

Mesmo assim, a situação agudizava-se, pelo que participamos às diferentes autoridades de Saúde elevada preocupação com o evidente aumento de casos, originando, mesmo, uma reunião de emergência com o Senhor Primeiro-Ministro. Foram decretadas novas restrições para os concelhos de Lousada, Felgueiras e Paços de Ferreira, algumas com o nosso desagrado pelo impacto negativo na economia local, vindo depois a ser corrigidas como a reabertura da feira. O nosso centro de testes duplicou a capacidade para 450 testes diários, mas o concelho regressou ao noticiário pelas piores razões, por ser, percentualmente dos mais infetados do país.

Em princípios de novembro, quando atingimos o pico da 2.ª vaga, aprovámos mais um conjunto de medidas de apoio às famílias e empresas, que ainda vigoram, a que se juntaram iniciativas especiais no Natal. A par disso, fomos pioneiros na criação das Equipas Multidisciplinares de Apoio. Com efeito, após alguma resistência, foi-nos permitido dar colaboração às unidades de saúde no apuramento e contactos telefónicos com infetados e contactos de risco, fornecimento de declarações de isolamento e apuramento de necessidades sociais.

Ficava para trás 2020 de péssima memória e o novo ano arrancou com números animadores. Já éramos um dos concelhos do distrito do Porto com o nível mais baixo de incidência, mas o resto do País apresentava valores elevados, levando o Governo a novas medidas restritivas. A 19 de janeiro, o cenário em Portugal era aterrador, com centenas de mortos e o número de casos a disparar.

Conseguimos, desde então, registos bastante satisfatórios. Nos últimos relatórios da ARS, somos um dos concelhos do Distrito com a mais baixa incidência de casos nas últimas duas semanas, por 100 mil habitantes.

No dia 20 de janeiro tínhamos a primeira boa notícia do ano: eram vacinados os primeiros Lousadenses (utentes e profissionais dos lares), decorrendo, entretanto, o processo de vacinação dos Bombeiros, GNR, pessoas com mais de 80 anos e pessoas com mais de 50 anos com patologia crónica associada.

A população procura reerguer-se, mas os efeitos foram devastadores. Para além das mortes e casos graves, a taxa de desemprego, em janeiro, era 27% superior ao mês homólogo de 2020, o comércio de proximidade estagnou, a atividade social e associativa ficou suspensa, os sós ficaram mais sós e os desfavorecidos mais desfavorecidos, apesar de todos os esforços para minorarmos as situações mais dramáticas.

O recomeço tem que começar imediatamente. Para isso, apontamos um forte investimento para fortalecer a competitividade do concelho e estimular o desenvolvimento da atividade económica. Dois exemplos elucidativos: construção da Academia de Formação, num valor superior a meio milhão de euros, a fim de garantir a qualificação profissional dos nossos jovens, e a construção da zona de acolhimento empresarial de Caíde de Rei, já com terrenos adquiridos e candidatura aprovada, estando para breve a abertura do concurso público da empreitada.

Ao mesmo tempo, verificamos empenho e confiança de muitos empresários na adaptação às oportunidades do mercado virtual, enquanto continuamos com as políticas de proteção à economia e às famílias, incrementadas desde há um ano, para além de mantermos a taxa de IMI no mínimo e o IRS em 4%.

“Por vezes, num segundo se evolam tantos anos”. Apesar do fortíssimo impacte de uma crise avassaladora e inesperada, reagimos com coragem e serenidade. Muita coisa não será como anteriormente, mas é possível um confiante regresso ao futuro. Unidos a todos os Lousadenses, vamos conseguir!

Pedro Machado, Presidente da Câmara Municipal de Lousada