Três doentes. Três histórias. Diferentes, mas com pontos em comum. Houve medos, e ainda há. São sobreviventes.

António Conceição sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) aos 41 anos. Recuperou, mas ficou com sequelas. Isso não o impediu de voltar ao trabalho e de procurar viver uma vida com “normalidade”. António Ferreira, acabado de ter alta e ainda de pijama, falou dos acidentes isquémicos transitórios que viveu e do medo, com “M” grande, que sentiu, e Manuel Pinto dos 12 dias de internamento, do período em que deixou de falar, de ter reaprendido a andar e do mês que se seguiu de recuperação numa unidade de convalescença.

Os três deram o seu testemunho durante as jornadas organizadas pelo Hospital Padre Américo, para antecipar o Dia Nacional do Doente com AVC, que se assinala a 31 de Março.

O AVC é uma das principais causas de morte em Portugal. Quando não mata deixa, quase sempre, sequelas.

“Quando ia a chegar ao TAC lembro-me de alguém perguntar ‘é mais um AVC?’”

António Ferreira tem 46 anos e é de Caíde de Rei, Lousada. Estava a ver o jogo Porto x Roma enquanto jantava com os amigos. Depois de uma jogada mais “alvoroçada” sentiu dificuldade quando tentou falar. “Ninguém se apercebeu”, contou. Tentou levantar o braço direito e sentiu falta de força, o mesmo aconteceu com a perna direita. Levantou-se e voltou-se a sentar. “Fiquei com medo com “M” grande e com a ideia de que me podia estar a acontecer algo deste género”, relatou.

Pediu ajuda a um amigo e saiu do café onde estavam, ainda pelo próprio pé, mas a cambalear. Ligaram para o INEM e ele manteve-se “consciente e comunicativo”. Mas quando deram as indicações para que se deitasse de lado, quando se tentou levantar da cadeira onde estava sentado, caiu no chão de joelhos e foi já de rastos que foi levado para dentro do café, testemunhou António Ferreira.

“Deitaram-me voltado para o lado esquerdo e voltei a falar normal e a recuperar força nos braços e nas pernas. Já estava bem, mas queria ir na mesma ao hospital. E pouco antes de chegar a ambulância os sintomas regressaram”, explicou o inspector tributário.

Já no Hospital Padre Américo, onde foi assistido, teve mais um episódio que não durou muito tempo. “Quando ia a chegar ao TAC lembro-me de alguém perguntar ‘é mais um AVC?’. Não foi um AVC e não houve sequelas”, disse. Ainda teve os sintomas por mais duas vezes enquanto estava já internado. Estava a sofrer acidentes isquémicos transitórios, uma espécie de mini-AVC que acontece quando o fornecimento de sangue ao cérebro é interrompido.

Ontem deu o testemunho ainda de pijama. Tinha acabado de ter alta. “Vou continuar a ser seguido. Sinto algum receio e incerteza e sei que vou ter que mudar de vida”, confessou.

Quando fala em mudar de vida fala de evitar a vida mais sedentária que estava a levar nos últimos dois anos e em deixar de fumar. “Já estava a ir ao ginásio e à piscina, mas talvez isso não compensasse os erros que fiz para trás”, admitiu o lousadense.

“Estive dois dias sem falar e sem andar. Tive um bocado de receio de não recuperar”

Manuel Pinto é de Amarante, mas está emigrado na Bélgica, onde trabalha na construção civil. O homem de 59 anos voltou à terra por altura do Natal e Ano Novo e, no dia 5 de Janeiro, estava em casa quando sofreu um AVC. As tonturas estavam a incomodá-lo desde a passagem de ano e foram piorando. Mas só veio ao hospital quando a filha insistiu. “Não estava a sentir o braço nem a perna do lado direito”, lembrou.

O diagnóstico chegou logo. Era um AVC. E ficou com sequelas. Não mexia a perna nem o braço, não andava e chegou a estar sem falar. Tudo o que era preciso fazer era com ajuda. “Estive no Hospital Padre Américo 12 dias internado. Depois fui transferido para uma unidade de convalescença em Braga, onde estive um mês”, explicou Manuel Pinto. “Estive dois dias sem falar e sem andar. Tive um bocado de receio de não recuperar”, admitiu.

Trabalhou. Fez fisioterapia e terapia da fala e hoje sente-se recuperado. “A médica só não me deixa conduzir”, disse. Mas não escondeu: “tenho medo que isto volte a acontecer”.

A filha, Isabel Pinto, teve que abdicar nos últimos meses da vida em França para apoiar o pai. “Foi um choque quando me disseram. Nunca tínhamos tido um caso de AVC na família”, testemunhou.

“Não há dois AVC iguais nem dois processos de reabilitação iguais. Mas há vida depois do AVC”

António Conceição tinha uma vida normal. Era casado, tinha duas filhas e uma carreira como gerente bancário. Andava de bicicleta, jogava futebol e não era fumador. E um dia, sem aviso, aos 41 anos, sofreu um AVC isquémico. Quando parecia que tinha sido só um susto e que estava tudo bem, seguiu-se um AVC hemorrágico. “Nem sabia bem o que era um AVC. Conhecia a expressão e pouco mais”, confessou. Ficou com sequelas na mobilidade do braço e da perna direitos e na fala.

“Os prognósticos médicos para a minha situação eram de que teria sorte se conseguisse dar dois passos agarrado a um andarilho. E a fala estava 30 vezes pior que hoje”, explicou o homem natural de Angola, que viveu no Grande Porto, nomeadamente em Valongo, e que agora está estabelecido em Viseu.

Começou a recuperação com vontade de conseguir sempre mais. Durante um ano fez duas vezes por dia fisioterapia, terapia ocupacional e da fala, natação… tentava de tudo. Oito meses depois pediu para ir trabalhar e 10 meses depois do AVC conseguiu conduzir. “Foi formidável. Deu-me uma grande independência”, contou. Para poder voltar a andar de bicicleta comprou “um triciclo gigante”.

Trabalhou nos últimos 10 anos (parou há um mês). “Tenho muitas sequelas ainda hoje, mas há muito que ficou para trás. Quis e consegui dar normalidade à minha vida”, explicou o homem hoje com 52 anos. “Um AVC quando acontece não é a uma pessoa é a uma casa e o meu objectivo foi sempre que isto não afectasse o futuro das minhas filhas. Elas iam ter orgulho no pai e saber que lutou o quanto pode”, acrescentou António Conceição.

“Não há dois AVC iguais nem dois processos de reabilitação iguais. Mas há vida depois do AVC”, garantiu.

Para ajudar os outros a ultrapassarem o que ultrapassou, e porque sabe que nem todos têm acesso aos mesmos meios de recuperação, António Conceição criou em 2016 a Portugal AVC, que procura dar informação e voz aos sobreviventes e cuidadores e defender os seus direitos.

A instituição conta com grupos em vários pontos do país onde podem ser partilhadas experiências e ficou o desafio de ser criado um em Penafiel.

“Quanto mais precoce for o reeducar para a marcha, o reeducar para o banho, para a fala, para as adaptações a comer, mais ganhos temos”

A Unidade de AVC do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Penafiel completou 10 anos. Todos os anos recebe cerca de 400 internamentos. A unidade hospitalar é também uma das que tem mais casos encaminhados através da Via Verde do AVC. Os últimos dados do INEM, revelados em Outubro, apontavam para 143 casos em 2018, números só ultrapassados pelos do Hospital de São José (230) e Hospital de Santa Maria (223), em Lisboa, Hospital de São João (218), no Porto, e do Hospital de Braga (215).

A explicação para esta prevalência pode estar no estilo de vida, refere a enfermeira responsável pela Unidade de AVC, Susana Queirós: “Somos uma região com muitos problemas com o álcool e tabaco e isso reflecte-se. Somos o 5.º hospital com mais casos a nível de Via Verde do AVC”.

A Unidade de AVC nasceu da necessidade de diferenciar os cuidados destes doentes e dar-lhe um enquadramento multidisciplinar. Em 2016, passou a ter uma equipa de internistas e tempo inteiro, um neurologista e uma equipa de enfermagem. A aposta tem passado por diversificar a prestação de cuidados. “Agora temos todas as manhãs, de segunda a sábado, um enfermeiro de reabilitação sete horas por dia para os doentes de AVC. A reabilitação, que é tão importante, começa no internamento”, salientou Susana Queirós.

“Os doentes têm muitos mais ganhos em saúde. Com todo o apoio da enfermagem e da equipa multidisciplinar doentes que não conseguiam andar conseguem bons resultados ao fim de um mês”, dá como exemplo a enfermeira.

“Quanto mais precoce for o reeducar para a marcha, o reeducar para o banho, para a fala, para as adaptações a comer, mais ganhos temos e mais facilmente preparamos a família para se adaptar em casa a esta realidade”, acredita.

A maior parte dos doentes tratados neste serviço tem mais de 60 anos. Mas começam a haver cada vez mais casos na faixa etária dos 30, 40 e até 20 anos.

“As sequelas são comuns em quem sofre um AVC. Se for detectado atempadamente há formas de ajudar. Mas de uma maneira geral há uma marca que fica, que poderá ser mais ou menos visível, mais ou menos incapacitante para o doente”, admitiu Susana Queirós.